Com cerca de 1.800 moradores, Miraselva é o menor município da Região Metropolitana de Londrina; senador Oriovisto Guimarães defende que união de cidades possibilita economia de recursos que poderão ser aplicados na própria região
Com cerca de 1.800 moradores, Miraselva é o menor município da Região Metropolitana de Londrina; senador Oriovisto Guimarães defende que união de cidades possibilita economia de recursos que poderão ser aplicados na própria região | Foto: Sérgio Ranalli/15-8-2015

Em pronunciamento em praça pública, o prefeito avisa que a cidade está falida. Poderia ser trama de novela de realismo fantástico, mas trata-se de fato verídico, registrado no município de Bento Fernandes, no Rio Grande do Norte. Com pouco mais de 5 mil habitantes, a cidade localizada a 97 quilômetros de Natal enfrenta um estado financeiro de calamidade. Com os serviços públicos paralisados, pagamentos atrasados, as contas da prefeitura estão bloqueadas na Justiça graças a dívidas previdenciárias. Cortes de salário do executivo e da Câmara, além de redução de cargos comissionados, não foram suficientes para aliviar a folha de pagamento, que tem 305 servidores. Sem receita própria, a cidade vive dos repasses do FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Depois dos descontos obrigatórios, os R$ 680 mil mensais, sobram apenas R$ 425 mil, que não cobrem nem mesmo os salários. O anúncio da falência foi feito pelo prefeito Júnior Marques (MDB) no último dia 29.

Em sua situação limite, o município emancipado em 1958 da cidade de Taipu é um caso extremo, mas útil para entender a dificuldade que os pequenos municípios passam no País. Com atenção a casos como este, o senador Oriovisto Guimarães (PODE-PR) apresentou um projeto de lei que incentiva a fusão de pequenos municípios no Brasil. Entre os 5.570 que existem no País, 1.257 têm população inferior a 5 mil habitantes. Cada um desses entes da Federação tem estrutura própria com poderes executivo e legislativo, além de todas as despesas correntes, que acabam custando anualmente ao FPM aproximadamente R$ 1 bilhão. “A fusão dos municípios é um projeto extremamente democrático. Dá um caminho para que o município, se assim desejar, se quiser, se aprovar com plebiscito, possa se fundir com uma cidade maior. Não há imposição”, explica Guimarães, em entrevista à FOLHA.

A difícil realidade das pequenas cidades brasileiras vem sendo exposta em estudos nos últimos anos. Uma pesquisa da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) de 2018 aponta que 1.872 dependem das transferências de estados e da União para bancar o funcionamento da máquina pública. “No caso de um processo de fusão desses municípios, estimamos uma economia de R$ 6,9 bilhões ao ano diante da redução das despesas com as funções Administrativa e Legislativa”, aponta a nota técnica. A situação é tão precária que muitos não têm a possibilidade nem de cobrar IPTU de seus moradores. Cálculos da instituição, com base em dados da Secretaria do Tesouro Nacional, indicam que, no ano passado, 1.412 municípios ultrapassaram o limite para despesa de pessoal imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal. “Foram gastos R$ 5,2 bilhões com pessoal além do que permite a LRF”, afirma Guilherme Mercês, gerente geral de Posicionamento e Estratégia da Firjan.

REAÇÃO

A notícia sobre a criação do projeto de lei do senador Oriovisto Guimarães foi recebida com desconfiança pela AMP (Associação dos Municípios do Paraná), presidida pelo prefeito de Pérola (Noroeste), Darlan Scalco (PSDB). O representante dos 399 prefeitos do estado defende uma revisão no Pacto Federativo para aliviar as contas das cidades e somente depois analisar a possibilidade de fusão de pequenos municípios, o que deveria ocorrer apenas em último caso. “Se os prefeitos e os vereadores tiverem a possibilidade de receber recursos de maneira justa, tenho a certeza absoluta de que provarão que muito mais coisas poderão ser feitas em benefício da população das suas cidades. Isso porque cada município tem a sua particularidade”, afirmou em conversa com a FOLHA. Atualmente, na divisão de tudo que é arrecadado no País, as cidades ficam com apenas 16%.

No Paraná, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as dez menores cidades concentram uma população de apenas 18.503 habitantes. A menor delas é Jardim Olinda, no Noroeste do estado, que registrou 1.331 moradores este ano. Na região de Londrina, o menor município é Miraselva, com 1.806. Na proposta de lei do senador Oriovisto Guimarães, ele aponta estudo do TC (Tribunal de Contas do Estado do Paraná) que “concluiu que a população seria muito mais bem atendida pelos serviços públicos básicos se habitasse municípios com uma base econômica mais diversificada e fontes sólidas de receita própria”. “A partir desta lei abrimos um caminho para criar a união de municípios, o que possibilitará que o menor deles economize recursos, que poderão ser aplicados naquela região em benefício da população”, defende o senador.

MAIS CIDADES

Apesar da gravidade apontada pelos números, há um projeto aprovado no Senado e em tramitação na Câmara dos Deputados que pode provocar um crescimento no número de cidades no País. O projeto de lei complementar 137/2015, do ex-senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), prevê alteração no texto de 1966 que rege a formação de municípios. O Congresso já havia aprovado, em 2013 e 2014, normas para a criação de novos municípios. Ambas as propostas foram vetadas pela então presidente Dilma Rousseff. O mais recente estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de 2013, aponta que 363 territórios, em 19 estados, teriam condições de se emancipar. Se o atual projeto for aprovado, o número pode ser ainda maior, e apertar a divisão do FPM. Segundo dados do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o gasto público soma 42,2% do PIB (Produto Interno Bruto). Uma fatia gorda, que aponta que é preciso cálculos bem apurados para justificar o aumento do número de prefeituras no País.