O apelo feito pela diretora do Hospital Universitário de Londrina, Vivian Feijó, em depoimento na noite de quinta-feira (4) na sessão da Câmara Municipal de Londrina, não foi o suficiente para convencer os vereadores do município a suspender em definitivo a discussão de um PDL (Projeto de Decreto de Legislativo), de autoria da vereadora Jessicão (PP), que visa sustar os efeitos do decreto estadual que impôs um "lockdown" no Paraná.

Imagem ilustrativa da imagem 'Peço que os senhores fiquem do lado dos hospitais'
| Foto: Devanir Parra/CML

"Tô aqui representando um sistema de saúde que já está em colapso, não vai entrar em colapso. Vou dizer aos senhores que na noite de ontem (quarta-feira) o hospital tinha quatro ventiladores, mas num período de duas horas chegaram mais de 10 pacientes. Estamos angustiados, estamos apreensivos. Independente de posição política, eu me propus em falar a essa hora para os senhores em defesa da vida, essa é minha missão, é minha obrigação. Peço que os senhores fiquem do lado dos hospitais. Estamos trabalhando até 18 horas seguidas" disse a gestora da unidade de referência no tratamento da infecção, que está com 100% dos leitos Covid ocupados.

Os vereadores, que haviam aprovado a medida na terça (2), decidiram na quinta-feira suspender por uma sessão a tramitação do PDL. Entretanto, ao final da sessão, ainda na madruga desta sexta-feira (5), foi aprovado um requerimento ao governador Ratinho Jr e à Assembleia Legislativa, solicitando a revogação e a não renovação do decreto. A votação ficou em 18 votos a um. Apenas as vereadora Lenir de Assis (PT) foi contra o requerimento. Na sexta, o governador prorrogou o decreto até quarta-feira (10).

PANO DE FUNDO

O professor de Ética e Filosofia Política da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Elve Cenci, classificou o projeto e o requerimento de "populismo legislativo". "Não dá para tratar de uma iniciativa séria. Primeiro é preciso se discutir competência, constitucionalidade, assim por diante. A tendência é que caso esse projeto seja aprovado, depois se declare a inconstitucionalidade. Essa discussão tem por pano de fundo as eleições de 2022", avalia.

Para o analista político, fazer política, muitas vezes, é contrariar interesses e adotar medidas impopulares. "É isso que quem ocupa um cargo público deve fazer, ou seja, fazer a coisa certa com base na ciência e no conhecimento. Adotar medidas sensatas e prudentes e muitas vezes contrariar pressões, e neste momento, precisamos salvar vidas. Até governadores e prefeitos têm adotado medidas contrariando o governo Bolsonaro", argumenta.

INTERPRETAÇÕES JURÍDICAS

O presidente da Câmara, Jairo Tamura (PL), está entre os vereadores que votaram favoravelmente ao PDL que tenta sustar o lockdown. Questionado pela FOLHA, o vereador minimiza o fato do projeto ser inconstitucional por ferir princípio federativo e sem efeito prático, segundo o entendimento jurídico dos advogados da própria Casa. "Ele tem interpretações jurídicas que são contra, estamos ciente disso. Mas o cenário que está se vendo é em relação ao objetivo. Ou seja, mostrar que esse lockdown não é um único meio de resposta para controlar a pandemia", afirma o vereador, que é da base de apoio do prefeito Marcelo Belinati (PP).

Tamura ainda defende que não cabe aos empresários pagar a conta das aglomerações que motivaram o estágio atual da pandemia, segundo ele. "O lockdown mostra que todo esforço feito pelas empresas que fizeram seu papel não foi compensado. O impacto é grande e os vereadores sentiram na pele isso."

VALIDADE

Para o advogado Guilherme Gonçalves, especialista em direito público, o texto do Projeto Decreto Legislativo proposto em Londrina não tem validade legal. "É um decreto do governo do Estado. O prefeito não é obrigado a respeitar um decreto legislativo flagrantemente inconstitucional. Deve ser uma resposta política que os vereadores querem dar à sociedade, mas a Câmara não tem competência para isso."

Mesmo se fosse um decreto municipal, o Legislativo dificilmente poderia revogá-lo. "Em tese, dentro do poder fiscalizatório, o Legislativo pode derrubar medida administrativa, mas neste caso, a Câmara não tem competência, ou seja, o Legislativo não tem conhecimento técnico suficiente para revogar uma medida sanitária. Ele até poderá responsabilizar o prefeito depois", pontua. Segundo o advogado, o tema já é pacificado na Justiça. "Não à toa, o Judiciário do Paraná e de todo o Brasil tem sistematicamente recusado a suspender efeitos de decretos municipais ou estaduais de enfrentamento à pandemia com base justamente nesse princípio de que a segurança da saúde pública prevalece sobre os demais interesses, inclusive os econômicos."