PEC é constitucional e resposta ao STF, avaliam juristas
Especialistas analisam impacto da proposta que limita poderes da Corte; autor do texto original, Oriovisto (Podemos) nega "retaliação"
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sexta-feira, 24 de novembro de 2023
Especialistas analisam impacto da proposta que limita poderes da Corte; autor do texto original, Oriovisto (Podemos) nega "retaliação"
José Marcos Lopes - Especial para a FOLHA
Aprovada nesta semana pelo Senado, a PEC (proposta de emenda constitucional) que limita as decisões monocráticas (tomadas por apenas um ministro) nas cortes superiores pode ser vista como uma resposta ao protagonismo assumido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos anos e como um recado do Poder Legislativo à Corte. Caso a PEC seja aprovada pela Câmara, o STF só poderá declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato após deliberação do plenário – e até atos que determinam o Executivo a cumprir a lei também poderão ser abarcados pela mudança.
Apresentada pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), a PEC foi aprovada por 52 votos a 18 na noite de quarta-feira. Na sessão de quinta do STF, os ministros Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes reagiram à aprovação. Para eles, a PEC viola o princípio de independência entre os poderes. Moraes lembrou de decisões tomadas individualmente por ministros durante a pandemia e os atos que ameaçaram a democracia, que segundo ele não serão mais possíveis. Mendes chegou a dizer que o STF não tem “covardes” e deu a entender que considera a medida inconstitucional.
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AUTOR DA PEC, ORIOVISTO DIZ QUE REAÇÃO DO STF É "DESPROPORCIONAL"
Autor da PEC, o senador Oriovisto Guimarães negou qualquer tipo de tentativa de represália ao Supremo. “Eu vejo como desproporcional a dimensão que aprovação dessa PEC tomou. Apresentei essa proposta em 2019 e já houve ampla discussão da matéria. Não há nenhuma intenção de represália ao STF”, afirmou o líder do Podemos no Senado. “Trata-se de um aprimoramento do sistema judiciário, em que se prestigia o colegiado. Cabe ao Congresso legislar, cabe ao STF aplicar e interpretar as leis e cabe a todos os brasileiros, inclusive aos parlamentares e aos ministros do Supremo, a obediência a essas leis. Acho estranho essas reações, mas cada um entende de um jeito”.
SENADO TENTA SE IMPOR, DIZ PROFESSOR DA FGV
Para o constitucionalista Wallace Corbo, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em temas relacionados ao Supremo, a PEC representa uma tentativa do Congresso de se impor. “Politicamente as PEC traduz uma tentativa do Congresso de se impor sobre o Supremo e eventualmente até de apresentar medidas mais duras. Juridicamente falando, as medidas que estabelece não são muito diferentes de algumas propostas que já existiam e inclusive que já existem em lei”, afirma. “Existe um recado potencialmente danoso para a separação dos poderes. A sinalização é preocupante, ainda que a PEC não gere grandes repercussões para o processo constitucional”.
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Professor da UFPR e doutor em Direito, Guilherme Brenner Lucchesi não vê “revanchismo” por parte do Legislativo, mas uma resposta técnica. “Enxergar nesse movimento um revanchismo é uma narrativa possível, mas há outras. O texto é absolutamente técnico. O que eu vejo é uma resposta. A Constituição não prevê a possibilidade de um ministro individualmente declarar a inconstitucionalidade de um ato que passou pela Câmara e pelo Senado, que esteve sujeito a sanção do presidente da República. Isso precisa ser discutido e deliberado de forma colegiada pelo STF”.
ORGANIZA A PAUTA DO STF, AFIRMA PROFESSOR DA
Um dos problemas da regra atual é a ausência, em alguns casos, de análise pelo plenário depois de tomada a decisão monocrática, segundo o advogado Flávio Pansieri, pós-doutor em Direito e professor da PUCPR. Ele lembra que a criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, aprovada pelo Congresso, parou após uma decisão individual do então ministro Joaquim Barbosa, em 2013. Desde então, a Ação Direita de Inconstitucionalidade contra a medida, que criaria um tribunal em Curitiba, não foi apreciada pelo pleno do STF.
“Até hoje está vigente essa cautelar. Temos uma série de decisões monocráticas do STF que estão vigentes há aproximadamente uma década. Hoje, não há limitação quanto a este tema”, diz Pansieri, que considera a PEC positiva. “É positivo para o STF, organiza a pauta. A criação de regras de procedimentos para o processo de decisão não afeta em nada a independência do Judiciário. Ao contrário, garante maior transparência e legitimidade na tomada de decisão em medidas cautelares”.
JURISTAS AVALIAM QUE A PEC É CONSTITUCIONAL
Os três juristas discordam que a PEC seja inconstitucional, como sugeriu o ministro Gilmar Mendes. “A lei 9.868 e a lei 9.887 tratam do exercício do poder de controle de constitucionalidade pelo Supremo. Já existem leis que dizem o que a PEC fala e elas não foram consideradas inconstitucionais pelo Supremo”, avalia Wallace Corbo.
Guilherme Lucchesi lembra que o STF não possui a prerrogativa de promover reformas constitucionais, o que é atribuição do Congresso. “A emenda constitucional 45, que promoveu alterações profundas no funcionamento do Judiciário e estabeleceu a criação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), não foi proposta por iniciativa do STF, foi proposta por iniciativa de um parlamentar. Se outras emendas à Constituição e essa PEC do Senado forem inconstitucionais, o CNJ também é inconstitucional. Mas a crítica é muito seletiva, as pessoas só criticam aquilo que lhes convém”.
PROPOSTA DEVE ALTERAR DINÂMICA DO STF
Caso a PEC seja aprovada, a nova regra deverá mudar a dinâmica de funcionamento do Supremo, já que será necessária a reunião dos 11 ministros para analisar a constitucionalidade de um ato. Isso pode pode ser feito de forma virtual, mas deverá atrasar a análise de temas considerados urgentes.
“Isso pode gerar riscos reais”, diz Wallace Corbo. “O Supremo, especialmente a partir da presidência da ministra Rosa Weber, estabeleceu que decisões monocráticas que tratem sobre controle de constitucionalidade precisam retornar ao plenário para serem julgadas em 90 dias. A decisão monocrática seria tomada em questões urgentes, mas o plenário teria que confirmar ou não. Isso (a entrada em vigor da nova regra) poderá significar para alguns casos que danos vão ser gerados para a sociedade”.
Para Flávio Pansieri, e ideia é justamente alterar essa dinâmica. “A ideia é exatamente essa, mudar essa dinâmica onde às vezes partidos nanicos se socorrem do Supremo. Às vezes (a ação) cai para um ministro que tem uma uma visão isolada sobre o tema e esse ato normativo é suspenso sem um debate público mais aprofundando”.
PRESSA NAS DECISÕES PREOCUPA MORAES
A rapidez nas decisões em relação a temas urgentes foi uma das preocupações expostas pelo ministro Alexandre de Moraes. Durante a pandemia, por exemplo, ministros determinaram individualmente uma série de ações que o governo federal deveria tomar, como levar água a comunidades indígenas, o que não vinha sendo feito.
Para Wallace Corbo, o texto não deixa claro se as decisões monocráticas ficarão impedidas somente em relação à constitucionalidade das leis ou se abarcarão determinações para o Executivo tomar medidas previstas em lei. “É possível interpretar que qualquer medida estaria obstada. No fim, é uma questão de entender como essa PEC seria interpretada. Em princípio ela busca proibir a suspensão de atos, mas há uma possibilidade, porque ela tem um texto um tanto genérico, de tentar proibir qualquer tipo de cautelar monocrática”.
Guilherme Lucchesi avalia que o texto veda qualquer decisão monocrática (a não ser as previstas na própria PEC, em caso de recesso e em relação a assuntos urgentes). “A meu ver (as regras) estão claras. A PEC deixa claro que, havendo necessidade de suspender a eficácia de atos, que seja reunido o STF para decidir colegiadamente sobre essas questões enquanto tribunal e não enquanto um julgador individual”.