O Paraná tem 51 prefeituras em situação fiscal difícil ou crítica, o que significa baixa capacidade de investimentos, alta dependência de transferência de receitas e planejamento financeiro vulnerável diante de crescimento de despesas obrigatórias, o que pode levar a uma precarização nos serviços prestados à população. Divulgado no fim de outubro, o levantamento feito pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) indicou que 41,9% de 2.195 municípios brasileiros estão nesta situação.

O índice do Paraná é menor que o nacional: 14% das prefeituras enfrentam dificuldades de caixa. Das 399 cidades do estado, 35 não têm os dados disponíveis (o estudo é feito com base nos dados de 2022). Dos 364 municípios paranaenses analisados, quatro apresentaram situação crítica e 47 uma situação fiscal considerada difícil. As quatro cidades em situação fiscal crítica são Agudos do Sul (Região Metropolitana de Curitiba), Flórida (Noroeste), Nova América da Colina (Norte Pioneiro) e Porecatu (Região Metropolitana de Londrina). Dos que estão em situação difícil há outros três municípios da RML: Florestópolis, Guaraci e Tamarana.

O Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF) leva em conta quatro indicadores: Autonomia, Gastos com Pessoal, Liquidez e Investimentos. Cada indicador tem nota máxima de 1. Levando-se em conta os quatro aspectos, a situação dos municípios é considerada crítica quando os resultados são inferiores a 0,4 ponto, e de dificuldade quando o resultado fica 0,4 e 0,6 ponto. Os outros 313 municípios do Paraná que tiveram os dados analisados têm uma situação fiscal considerada boa (com resultados entre 0,6 e 0,8 ponto nos quatro índices) ou de excelência (com resultados superiores a 0,8 ponto).

LONDRINA

Londrina tem uma situação fiscal considerada boa, com uma nota geral de 0,6824. A cidade atingiu a nota máxima no quesito autonomia, 0,7300 no indicador Gastos com Pessoal e 0,7962 em termos de Liquidez, mas a capacidade de investimento preocupa: a nota foi de apenas 0,2032, o que indica uma situação crítica e pouca margem para remanejar recursos e investir em obras, por exemplo.

Prefeitura de Londrina tem situação fiscal considerada boa; cidade atingiu a nota máxima no quesito autonomia; capacidade de investimento preocupa
Prefeitura de Londrina tem situação fiscal considerada boa; cidade atingiu a nota máxima no quesito autonomia; capacidade de investimento preocupa | Foto: Gustavo Carneiro - Arquivo FOLHA

Desde 2013 Londrina tem uma situação fiscal considerada boa, mas o índice relativo ao ano passado é o menor desde 2019. O melhor índice geral foi atingido em 2020: 0,7575, tendo como nota máxima o 1.

“Cada indicador sinaliza um ponto que precisa de atenção dentro da sustentabilidade das contas dos municípios, mas o índice referente à autonomia é um indicador que mostra uma questão crônica, que mostra como as prefeituras têm grandes dificuldades de gerar recursos locais para suprir custos mínimos”, afirma Nayara Freire, especialista de estudos econômicos da Firjan. “É um indicador que consegue mapear uma questão crônica e que tem um efeito cascata nos outros indicadores. Se a prefeitura não consegue sustentar uma estrutura mínima, faltam recursos para atender funções essenciais”.

MUDANÇAS ESTRUTURAIS

A Firjan defende mudanças estruturais para que as prefeituras não dependam tanto de repasses – entre maio e agosto deste ano, segundo a Associação dos Municípios do Paraná (AMP), as prefeituras do estado contabilizaram uma queda de 20% nos repasses estaduais e federais.

Para a Firjan, há necessidade de mudanças na base de incidência de impostos e nas regras de distribuição de receitas e de responsabilidade fiscal, além de mais flexibilidade orçamentária para os gestores municipais. Outra mudança importante seria alterar as regras para a criação e fusão de municípios.

Baixas arrecadações em cidades menores e as obrigações constitucionais dos municípios, além dos gastos com a folha de pagamento, deixam a maioria das cidades sem capacidade de investimento. “As prefeituras têm alta dependência do governo federal, baixa autonomia e rigidez no orçamento. Como elas têm baixa autonomia, em um momento de queda de receita, cortam os investimentos”, explica Nayara Freire. “Com isso, ela não consegue investir, não gera bem estar para a população e não consegue criar um ambiente de negócios atrativo para ter empresas e gerar empregos e consumo”.

Para a especialista, a sociedade precisa encarar o debate sobre a fusão de municípios. “Não existe um caminho simples e fácil para criar uma regra de fusão ou extinção de municípios, porque estamos lidando com diversas necessidades regionais. Essa seria uma medida que viria após algumas reformas fundamentais, como a reforma tributária, a reforma administrativa e a redistribuição do Fundo de Participação dos Municípios. Precisamos discutir como os municípios poderão ter uma maior capacidade de arrecadação e depois quais municípios precisam de fato existir. Isso poderia tornar o atendimento mais eficiente”.

MUNICÍPIOS

Os municípios considerados em situação fiscal difícil no Paraná são Altamira do Paraná, Ângulo, Antonina, Araruna, Bom Sucesso, Cambira, Campo Magro, Cidade Gaúcha, Conselheiro Mairinck, Corbélia, Cruzeiro do Oeste, Curiúva, Figueira, Floraí, Florestópolis, Foz do Iguaçu, General Carneiro, Guairaçá, Guaporema, Guaraci, Guaraqueçaba, Guaratuba, Iguatu, Imbaú, Iretama, Itaguajé, Jaboti, Marumbi, Nova Fátima, Novo Itacolomi, Ourizona, Paiçandu, Porto Amazonas, Porto Vitória, Quatiguá, Quedas do Iguaçu, Quinta do Sol, Rio Branco do Sul, Santana do Itararé, Santo Antônio do Caiuá, São Tomé, Tamarana, Tamboara, Tapira, Tibagi, Uniflor e Virmond.

SEM MARGEM DE MANOBRA

Professor de Direito Administrativo da PUCPR, Bernardo Strobel Guimarães explica que, basicamente, os municípios têm três fontes de receita: o IPTU, o ISS (Imposto Sobre Serviços) e o imposto sobre transmissão de bens. “Municípios sem uma atividade econômica pujante, ou municípios rurais, com muitas áreas não submetidas à tributação como o IPTU, têm dificuldades grandes. Por outro lado, eles têm uma série de receitas vinculadas e uma capacidade de margem de investimentos muito pequena, dependem de repasses assegurados constitucionalmente e não têm muito como criar alternativas. Quando essas verbas secam, ficam de mãos amarradas”.

Outro problema é a folha de pagamento. Segundo a Firjan, 1.066 municípios brasileiros (20,3% do total) gastam mais de 54% de sua receita com o funcionalismo público, o que ultrapassa o limite de alerta da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). “Os municípios têm quadros inativos que precisam ser pagos, não tem como manobrar. Por isso muitos promovem terceirizações, que permitem uma flexibilidade maior”, diz Bernardo Strobel Guimarães. “Outra discussão clássica é em relação aos comissionados (funcionários não concursados). As prefeituras têm muitos comissionados porque eles não entram nesse regime e podem ser afastados sem o peso que tem o regime do servidor”.

O professor da PUCPR avalia que a Constituição garantiu a autonomia para os municípios, mas não os recursos necessários. “É quase como um filho que vive de mesada para sempre. Os municípios têm autonomia do ponto de vista formal, mas não têm condições materiais”, afirma. “É meio paradoxal, a Constituição coloca os municípios em uma situação privilegiada, com todas as prerrogativas, porém na prática essa visão do municipalismo esbarra em obstáculos grandes. E os municípios são tratados da mesma maneira, capitais como São Paulo e Porto Alegre são tratados da mesma maneira que cidades pequenas”.

CONSÓRCIOS

Uma das saídas, avalia Bernardo Strobel Guimarães, poderia ser os consórcios de municípios e as regiões metropolitanas, o que poderia ajudar também a diminuir a dependência dos repasses feitos com base nas emendas parlamentares ao orçamento da União. “Tem uma frase que diz que pessoas não moram na União, moram nos municípios. É o lugar onde a vida acontece e não tem investimento, isso leva a um círculo vicioso. Sem investimento os municípios não têm a capacidade de gerar oportunidades econômicas no local, isso aumenta o êxodo”.