Imagem ilustrativa da imagem Para professor, "flertes autoritários" do governo maculam cultura democrática
| Foto: Alan Santos/PR

Curitiba - A aprovação na Câmara do chamado pacote anticrime sem a proposta de excludente de ilicitude não freou as intenções do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de reduzir barreiras para eximir policiais de punição em caso de confronto. Na última quarta-feira (4), o chefe do Executivo disse que deseja retirar a palavra "moderada" da legislação que trata sobre legítima defesa.

"O cara está armado na tua casa, à noite, você está no sufoco, arrombam a porta da tua casa e você vai fazer o quê? Dar só um tiro no cara?", perguntou. O presidente não detalhou o teor dos textos. Afirmou que deve esperar o "sinal verde" do ministro da Justiça, Sergio Moro, para enviar os projetos ao Congresso.

As declarações, somadas a outras de membros do governo que "flertam com o autoritarismo", contudo, ligam o alerta. O próprio presidente falou, em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, em março, que "não houve ditadura no Brasil". Meses depois, foi a vez do ministro da Economia, Paulo Guedes, especular sobre a reedição do AI5 (Ato Institucional Número 5), que endureceu a repressão no regime militar.

Na avaliação do professor de ética e filosofia política do Departamento de Filosofia da UEL (Universidade Estadual de Londrina) Elve Censi, as ameaças são "assustadoras e muito perigosas". "Estão ameaçando de certa forma que se começarem manifestações haverá um AI5. O AI5 caçou direitos políticos, perseguiu, prendeu e suspendeu habeas corpus", lembra.

"Até o ano passado, os governos respeitaram o direito de quem estava descontente protestar. Por que o Bolsonaro não aceitaria que os petistas ou não petistas descontentes fizessem manifestações? Há uma mentalidade autoritária por trás dessa ameaça que não condiz com a cultura democrática. Na democracia você precisa respeitar quem pensa diferente".

Segundo o professor, o excludente de ilicitude é altamente perigoso. "O papel da polícia na democracia é proteger e garantir o direito à manifestação. Vai conter eventuais excessos, mas assegurar que as pessoas a favor ou contra o governo tenham esse direito".

PARLAMENTO

Membro da "bancada da bala" na AL (Assembleia Legislativa) do Paraná, o deputado Delegado Recalcatti (PSD) defende a proposta. "É um projeto importante para as forças de segurança, que vivem constantemente enfrentando situações difíceis. Nada mais justo que um projeto que venha facilitar a vida dos policiais", comenta.

"Não vejo que vá aumentar número de crimes praticados. Primeiro que policial não comete crimes. Segundo que o enfrentamento que ele vai ter não vai aumentar. Vai continuar do mesmo jeito ou até diminuir". Sobre as menções ao AI5, Recalcatti diz que não chegam a lugar nenhum. "O Brasil não está mais para isso".

Já o líder da oposição, Tadeu Veneri (PT), que preside a Comissão de Direitos Humanos, se mostra preocupado com o crescimento acelerado da intolerância. "Pensam que o fato de você ter o poder total nas mãos resolve o problema do Estado. Não é verdade. Os militares tiveram e só criaram mais problemas. Caminha-se para uma sociedade cada vez mais intolerante, excludente e violenta".

Para o petista, o excludente de ilicitude é na prática a autorização para matar. "Temos inúmeras denúncias de execuções policiais feitas no Brasil inteiro. Infelizmente tem sido a regra para pessoas negras, pobres e de periferia. É o reflexo de uma sociedade que adoeceu. O AI5 é a maior aberração que tivemos em todos os tempos. Fechou o Congresso, o STF, as assembleias, proibiu eleições, exilou e matou. Essa não é uma doença social nem mental. É de caráter". (Com Agências)