Após cinco meses de trabalho, a Comissão Especial de Inquérito (CEI) da Câmara Municipal de Londrina, chamada de CEI dos Alvarás, apontou três irregularidades no processo de loteamento do Complexo Marco Zero (zona leste), área de 230 mil metros quadrados onde estão o Shopping Boulevard, o Hotel Ibis, a Leroy Merlin e o futuro Teatro Municipal. O relatório final, apresentado ontem, também apontou irregularidades na concessão de Habite-se para moradias do Jardim Colúmbia (zona oeste).
A principal conclusão da CEI quanto ao Marco Zero é que para chegar ao percentual de 35% de áreas a serem doadas para o município (80 mil metros quadrados aproximadamente), conforme exige a Lei de Parcelamento do Solo em caso de loteamentos, o empreendimento "doou" 18,4 mil metros quadrados de áreas que já eram do município: a Avenida Theodoro Victorelli e parte da Avenida Dez de Dezembro. As doações, pela então proprietária do terreno, a Anderson Clayton, estão previstas em leis municipais aprovadas em 1967 e 1970.
O empreendedor, Raul Fulgêncio, em depoimento à CEI, sustentou a legalidade do loteamento, afirmando que se tratou de antecipação de doação e, por isso, as ruas poderiam ser incluídas na contagem dos 35%. Neste sentido também argumentaram o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ippul) e a Secretaria de Obras. Alegam que a antecipação é praxe na administração municipal e que, como não havia matrícula específica das ruas, poderiam ser consideradas parte integrante da área total e serem doadas como áreas institucionais.
A CEI rechaçou as alegações, defendendo que a doação era um fato incontroverso e que "as leis de 1967 e 1970 não mencionaram essa função de antecipação, muito menos para um loteamento iniciado 40 anos depois". "Tal autorização para contagem das áreas já pertencentes ao município não originou-se de lei alguma (…), nos parece no mínimo temerário defender a legitimidade desta prática tida por praxe".
Outro argumento é que em doação de áreas institucionais incube o empreendedor de executar a infraestrutura, como o asfalto, o que não ocorreu no caso das vias doadas há mais de 40 anos.

Mata
Também foi considerada irregular a anexação de área de 39 mil metros quadrados – a mata que fica do outro lado da Theodoro Victorelli – na metragem total do loteamento. Para a CEI, a única finalidade da doação foi "compor o percentual a ser doado" e "evitar que outras áreas fossem descontadas do terreno maior (onde estão os empreendimentos)".
O relatório aponta que "a anexação de dois ou mais lotes só faz sentido se a intenção é considerá-los como um único imóvel", o que não ocorreu no Marco Zero. "Somente no plano dos mapas é que houve anexação; no plano real, cada um destes lotes está de um lado de uma via pública existente há pelo menos quatro décadas". Isto se confirmaria pelo fato de que o pedido do Marco Zero era de aprovação de diretriz de loteamento apenas da área de 172 mil metros quadrados e não incluía a área anexada (ruas e a mata).
"Isso se agrava, na visão da CEI, a partir da informação posterior de que quase 20 mil metros quadrados da Mata Marco Zero constituem-se de área de preservação ambiental e, portanto, inedificável", conforme apontou a comissão da Câmara que analisou esta situação no primeiro semestre. "A conclusão é que a anexação representou uma vantagem grande, um favorecimento para o empreendedor", disse Jamil Janene (PP), que presidiu a CEI.

Zoneamento
A terceira irregularidade é o fato de as duas áreas – a do empreendimento e a da mata – terem zoneamentos diferentes. A primeira estava afetada como zona comercial três e a segunda, como zona residencial três. Neste caso, a Lei de Uso e Ocupação do Solo define que, em caso de anexação, deve prevalecer o zoneamento de menor coeficiente, ou seja, o residencial. Mas, no caso do Marco Zero, prevaleceu o comercial.
Os vereadores também apontaram que dois ex-funcionários do município – da Obras e do Ippul – que atuaram na aprovação do loteamento hoje prestam serviços para o Marco Zero.
O processo de parcelamento começou em 2004, no governo de Nedson Micheleti (PT), quando o Marco Zero comprou o terreno da Coimbra por R$ 6,2 milhões. A CEI solicitou informações ao Executivo quanto ao recolhimento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), para saber qual foi efetivamente a área comprada pelo empresário, porém, o pedido foi negado com o argumento de que tal informação está protegida pelo sigilo fiscal. Ontem Fulgêncio disse que se manifestará após ler o relatório da CEI.

Jardim Colúmbia
Quanto às denúncias de que moradores do Jardim Colúmbia somente obtinham alvarás e Habite-se mediante pagamento de propina, a CEI não conseguiu comprovação, mas, apontou irregularidades. "Houve favorecimento sim, houve omissão na fiscalização, mas não conseguimos comprovar a exigência de propina", disse o relator, Padre Roque (PR).
Entre os encaminhamentos, a CEI pede providências ao prefeito Alexandre Kireeff (PSD), como a revisão de todo o processo de autorização do loteamento do Marco Zero e formas de simplificar e tornar mais transparente as rotinas na Secretaria de Obras. Também pede providências à Controladoria Geral, ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas. O relatório deve ser votado na sessão de amanhã.