A greve dos caminhoneiros que para o Brasil já há oito dias e causa uma grave crise de abastecimento ganhou contornos políticos diferentes das principais paralisações que ocorreram desde o fim da ditadura militar.

Para o cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando, o enfraquecimento do governo Temer foi cenário propício para a proporção que a greve tomou. "Começa com movimento dos trabalhadores autônomos, mas sabidamente ganha apoio dos empresários do setor de trasporte, deixando de ser apenas greve e passando a ser locaute, o que é proibido".

Ele também vê com preocupação os contornos de partidos que estão pegando carona na greve neste ano eleitoral. "A partir de um momento começa a ter a digital clara de alguns atores políticos que apostam no mote de quanto pior melhor e de políticos colocando seus interesses acima dos interesses da população". Segundo Prando, tanto partidos de esquerda quanto o pré-candidato Jair Bolsonaro (PSL) podem querer tirar proveito desse capital eleitoral com a greve. "Nesse sentido a extrema direita e esquerda - que na verdade são polos opostos - acaba se aproximando do efeito ferradura. Ou seja, são oportunistas querendo achar soluções populistas para o momento econômico".

Imagem ilustrativa da imagem Para analistas, paralisação difusa dificulta acordo



APOIO POPULAR
O professor de Direito do Trabalho da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Sidnei Machado classifica a paralisação dos caminhoneiros de 'greve política' e 'atípica'. Entretanto, considera legítima a pauta de reivindicações. "Não podemos colocar uma etiqueta e dizer que é abusiva. É legitimo na democracia que as entidades coletivas se organizem e se manifestem. Essa pressão causa transtornos," afirma.

Machado lembra ainda que outras greves antes da ditadura tiveram esse viés político como as do final da década de 70 e inicio dos anos 80 que pediram 'Diretas Já'. "A diferença é que essa greve não tem apenas um único ator e é bem difusa". Para o professor da Federal, a greve também mostrou a força de uma categoria. "Se mostraram com uma capacidade de comunicação grande e ganharam o apoio popular. Isso é resultado de toda a degradação econômica."

LUA DE MEL
Para os analistas ouvidos pela FOLHA, o apoio popular tende a se enfraquecer quando o problema de abastecimento chegar ao limite insustentável. Para Prando, os custos econômicos são incalculáveis e podem ser abstratos para a população. "A partir do momento que começar a faltar gás de cozinha, comida e morrer gente nos hospitais a simpatia acaba", diz o cientista político.
"Está causando um impacto muito grande com transtornos elevados. A greve não pode prejudicar setores essenciais se não passará a ser uma chantagem", ressalta Machado.

SOLUÇÃO
Para o professor de direito da UFPR, a solução deve ser definida no diálogo. "Numa sociedade democrática os conflitos coletivos devem ser feitos via negociação. O choque de interesses sempre vai acontecer. Outro caminho são as ações judiciais, como as que já estão ocorrendo. Agora, recorrer às forças armadas é arriscado. O papel das forças armadas é proteger o Estado, não alguns cidadãos contra outros", conclui Machado.