Os impactos econômicos e financeiros consequentes da pandemia de Covid-19 ainda são incalculáveis. Organismos internacionais, como o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional), alteram suas previsões dia a dia enquanto a doença não consegue ser debelada. No Brasil, apesar dos gigantescos desencontros de opinião e falta de uma centralização no enfrentamento ao coronavírus, a situação parece ainda mais nebulosa.

Imagem ilustrativa da imagem Pandemia impõe a parcela de ajuda dos políticos
| Foto: Edilson Rodrigues - Agência Senado

Enquanto o comércio e o setor de serviços veem os prejuízos se acumularem, os trabalhadores enfrentam a redução de salários e o desemprego. Já não são raras as manifestações civis que cobram a parcela de economia da classe política e dos setores públicos. Um esforço para que os recursos sejam encaminhados diretamente para o combate à doença e suas consequências.

O debate parece secundário no meio político, apesar de algumas ideias no sentido já terem sido encaminhadas. Ainda no fim de março, quatro projetos foram lançados por deputados federais, mas não tiveram a devida ressonância no Congresso – já esvaziado como medida de combate ao vírus.

Celso Maldaner (MDB-SC) defende que todo o salário dos parlamentares deveria ser destinado ao SUS (Sistema Único de Saúde). Enquanto Kim Kataguiri (DEM-SP), Rodrigo Coelho (PSB-SC) e Ruy Carneiro (PSDB-PB) sugeriram que metade do rendimento fosse cortada como medida de economia.

No dia 7, o presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou um corte de R$ 150 milhões. Em uma portaria, foi dada a previsão de redução de R$ 43 milhões em despesa de pessoal, mais R$ 49 milhões em investimentos e corte de R$ 58 milhões em custeio operacional.

Alguns movimentos no corte dos rendimentos de políticos já se espalham pelo mundo e se tornaram realidade, como o caso do Paraná. O governador Ratinho Junior (PSD) determinou, na quarta-feira (15), a redução de 30% do próprio salário. A medida atinge também o vice-governador, Darci Piana (PSD), secretários, controlador-geral do Estado, superintendentes e diretores da Agepar (Agência Reguladora do Paraná). O corte abrange 32 pessoas e prevê uma economia R$ 226 mil durante os meses que durarem a pandemia.

Na Nova Zelândia, a primeira-ministra Jacinda Ardern determinou a redução para vários membros do governo em 20%. Já no Equador, o presidente Lenín Moreno decidiu pelo corte de 50% não só para sua remuneração, como para seu vice e ministros.

ANÁLISE

As discussões apontam uma necessidade real de um debate amplo, mas, historicamente, a cultura da classe política nacional não indica que haja muita esperança. Na análise do professor de Ética e Política da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Elve Censi, o que precisa ser revisto não é o salário, mas sim os extras.

“É claro que os salários comparados ao que o brasileiro médio recebe são altos, mas o que pesa mais sãos as verbas de auxílio de toda a forma que recebem. Eles poderiam, sim, renunciar por uma parcela delas, mas a verdade é que muitos pensam como se elas fizessem parte dos ganhos”, avalia. Além da economia que poderia trazer aos cofres públicos, seria uma resposta de empenho por parte dos políticos. “Há uma confusão de longa data sobre o que é público e privado. Uma prova da nossa história patrimonialista”, define Censi.

Entre os parlamentares, já há quem defenda essa tese, como o caso do senador Alvaro Dias (PODE-PR). Ele, inclusive, já divulgou em suas redes sociais que promove o uso seletivo das verbas que tem direito por seu mandato. Segundo divulgou, nos primeiros meses deste ano, ele deixou de gastar aproximadamente R$ 97 mil, entre verbas indenizatórias, de transporte aéreo e auxílio moradia. “Faço isso há muitos anos. Essa é a tese que tenho defendido, quando as pessoas atacam o salário pago aos parlamentares. É preciso condenar a complementação salarial. Não precisa de lei, é só de boa vontade. Também proponho a transferência do Fundo Eleitoral para a ajudar a conter a crise da saúde”, afirma Dias, um dos líderes do Senado.

No mesmo caminho pensa o seu colega de partido, Oriovisto Guimarães (PODE-PR), que afirma que os benefícios não são somente dos parlamentares. “Existem muitos benefícios, sem dúvida. O Judiciário também tem uma série de auxílios para diversas funções. Sou contrário e creio que toda essa ajuda deveria ser computada para que se calculasse o teto constitucional dos ganhos”, defende Guimarães. No mesmo sentido pensa Flávio Arns (REDE-PR), que acredita que todos os entes públicos precisam dar sua cota de sacrifício. “Os cortes são necessários e o momento exige de todos os poderes uma nova organização administrativa, um repensar global. Não só do Congresso Nacional, mas também do Executivo e do Judiciário”, defende.

CÂMARA

Entre os deputados federais paranaenses, há uma variedade de opiniões sobre a forma em que a classe política pode economizar. A novata Luísa Canziani (PTB), eleita com base em Londrina, defende que, no momento de crise, agentes políticos precisam ser exemplo e demonstrar solidariedade. “Sou coautora de um projeto, com outros deputados de Estados e partidos diferentes, que propõe a redução dos salários dos parlamentares em 20% durante todo o período de calamidade pública. E, nesse sentido, também sou favorável à redução dos gastos legislativos”, opina. Já Diego Garcia (PODE) afirma que a economia por parte dos gabinetes deve acontecer independentemente da pandemia. “Sempre busquei a redução de gastos, mas essa é uma questão de consciência que todos precisamos ter. Diante de casos de que não são razoáveis, eu seria favorável a aprovar restrições”, garante.

Conforme explica Garcia, uma questão técnica das regras se impõe. Somente as direções das casas que formam o Congresso podem decidir sobre possíveis reduções e alterações nos pagamentos de salários e verbas. Segundo o deputado, o Podemos apresentou um documento pedindo que a mesa diretora da Câmara que tome medidas necessárias para conter gastos. “Essa iniciativa tem que partir do comando, não diretamente dos deputados. Estamos aguardando uma posição, mas acho muito difícil. Pela drástica condução do Rodrigo Maia, ele não vai propor nada do tipo. Assim como não vai votar a redução do fundo eleitoral”, aposta Garcia.

Uma das vozes da oposição, o líder do PT na Câmara, o deputado Ênio Verri defende que seja feita uma maior taxação de grandes fortunas e de bancos. Para ele, os custos necessários para enfrentar a pandemia têm patamares superiores a qualquer economia. “É um absurdo encontrar o equilíbrio fiscal com crise, em outros países não se discute de onde vem o dinheiro. Depois, quando passar a pandemia, é que vai de fato atingir isso. Acho que é um debate elitista, falam em reduzir o salário de servidor público, mas ninguém fala em tributar bancos e ricos”, diz. Verri lembra que o Congresso já propôs redução de gastos significativos, na cifra de R$ 150 milhões. A única certeza, no entanto, é que a crise irá impor suas necessidades. Já depois caberá à própria sociedade julgar como cada setor público deu sua parcela de sacrifício.