RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Longe do Palácio Guanabara há uma semana, Wilson Witzel (PSC) diz que o Rio de Janeiro vive uma "intervenção branca" do governo federal após a cúpula política do estado ter sido alvo da operação que o afastou.

De acordo com Witzel, a investigação contra ele, o governador interino Cláudio Castro (PSC) e o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, André Ceciliano (PT), facilita "um controle maior por parte do governo federal".

"O próprio [ministro da Economia, Paulo] Guedes já disse que a prorrogação do regime é de 180 dias. Isso é muito ruim para o Estado democrático de Direito. Você ter um Estado que está ficando completamente à mercê do governo federal. É praticamente uma intervenção branca", disse o governador afastado à reportagem, no Palácio Laranjeiras.

Sexto governador fluminense alvo de investigações criminais, ele afirma que para gerir o estado do Rio é necessário "um sujeito sobrenatural" para evitar casos de corrupção na máquina pública.

"O Rio não é para amador nem para profissional. Deve ser para um sujeito sobrenatural. O Rio tem que ser governado por alguém sobrenatural que possa antecipar de uma forma sobrenatural o que está acontecendo", declarou.

Witzel diz ter sido afastado sem direito de defesa. Sem poder conversar com o presidente da Assembleia e outros quatro deputados investigados, aposta suas fichas em barrar o processo de impeachment contra ele para tentar reverter seu afastamento pelo Superior Tribunal de Justiça.

"Sou inocente, fui eleito para combater o crime organizado, minha mulher é decente, jamais aceitou qualquer valor que não fosse para que ela trabalhasse. Nunca. Os valores são completamente incompatíveis com aquilo que o Edmar [Santos, ex-secretário da Saúde e delator] está dizendo a que eu teria direito a receber como fruto de corrupção."

Ao falar sobre o ambiente político, ele afirma existir "uma teia de relacionamentos que fica difícil de você se blindar de tudo"."‹

PERGUNTA - A que o sr. atribui seu afastamento?

WILSON WITZEL - Meu afastamento se deu sem que eu tivesse qualquer condição de defesa. Desde a primeira busca e apreensão na minha casa, eu não tive oportunidade de falar nos autos. Eu e meus advogados não tivemos acesso aos documentos para mostrar o contraditório para que, no momento que fosse discutir o meu afastamento no STJ, tivesse minha defesa assegurada. É uma invasão do Judiciário no Estado democrático de Direito. O resultado de 14 a 1 foi esperado, porque as informações que se tem são só de um lado.

Me comparar com [Sérgio] Cabral, com Adriana Ancelmo, pelos valores que eles desviaram, pela quantidade de joias que eles compraram, o que ele confessou... É nitidamente um processo de linchamento político que interfere na governabilidade do estado.

Foi desconsiderado que eu pratiquei atos que vão a favor das investigações. Afastei o Gabriell Neves, coloquei todos os processos de compras abertos aos deputados, determinei a rescisão de contrato com o Iabas, exonerei o secretário de Saúde.

Uma das principais provas da denúncia é um email que o sr. enviou para sua mulher com uma minuta de contrato do escritório dela com um hospital. O sr. participava da vida do escritório dela?

WW - A Helena é advogada desde 2016 e, como todo profissional em início de carreira, vem ampliando suas atividades. Em agosto do ano passado decidiu iniciar o próprio escritório. Vai ser demonstrado que a relação dela com o hospital não é de agora. Vem desde 2016.

Mas ela nunca atuou nos processos. Nunca apresentou procuração.

WW - Ela estava começando a carreira dela.

Foi correspondente do Lucas Tristão a partir de 2016. Tem documentos, pagamentos realizados para ela. Quando abriu o escritório em agosto do ano passado, ela pediu para os amigos indicarem clientes para ela.

E por que esse contrato passou pelo seu email?

WW - Passou porque ela pediu para eu dar uma olhada pela minha experiência como magistrado.

Mas o dono do hospital é dono de empresas com relação com o estado.

WW - Desconheço as outras empresas do Gothardo. Para mim foi uma surpresa.

Helena já tinha relação com as outras três empresas?

WW - A Helena sempre teve uma relação profissional com o Lucas. A indicação das empresas foi através do Lucas Tristão.

Sabia-se dessa ligação com o Mário Peixoto?

WW - De jeito nenhum. Isso ainda está sob investigação. Os donos dessas empresas são outros empresários conhecidos. O que o Ministério Público vai ter que provar é que ato ilícito essas empresas praticaram.

O sr. deixou a magistratura abrindo mão de benefícios e usou isso na campanha. Oito meses depois sua esposa recebeu mais do que o sr. recebia como juiz em um ano. Considerando que houve algo semelhante com o ex-governador Sérgio Cabral...

WW - Mas aí você compara os valores. A Adriana Ancelmo tinha contrato com a Oi de R$ 13 milhões. Pelo amor de Deus.

Mas era o momento da sua esposa tomar essa iniciativa profissional?

WW - Eu não seria governador o resto da vida. O salário de governador é de R$ 14 mil. Vim para cá por ideal. O objetivo dela não é político. Ela decidiu iniciar o escritório dela e seguir a vida dela. Essa decisão cabia a ela.

Quando a sua conta recebe dinheiro do escritório e o sr. analisa contratos, não mistura o seu cargo com a empresa dela?

WW - Só dei opinião num único contrato. E eu não movimento a minha conta. Não tenho tempo para fazer isso. É ela quem paga a escola das crianças, ela quem faz tudo.

Por que há pagamentos em espécie?

WW - Tudo tem saques em conta corrente. Não sei detalhes porque não era eu quem pagava. Provavelmente ela tirava e pedia para alguém pagar. Pelo tempo nosso.

Seus ganhos como advogado durante a eleição também estão sendo questionados.

WW - Quando eu era magistrado, dava dez decisões liminares por dia. Minha capacidade de avaliação jurídica é acima da média. [Para] Todas as peças que avaliei, as orientações que eu dei, acertamos que dividiríamos o que ele recebesse. Tudo está declarado no IR.

E o Medina Osório?

Eu tinha 4% [das intenções de voto] próximo do primeiro turno. Não havia certeza que eu ganharia a eleição. O único que acreditava era eu. Ele me convidou porque, se não ganhasse a eleição, de qualquer forma tinha ganho uma notoriedade e o meu nome no escritório interessou a ele. Quando fui para o segundo turno e ganhei, a notoriedade foi maior ainda. Quando fizemos a rescisão, eles entenderam que R$ 500 mil era razoável para distribuir os lucros.

Mas o sr. atuou pelo escritório?

WW - Não. Eles entenderam que simplesmente pelo meu nome ter figurado no escritório era justo que a rescisão fosse desse valor.

Por que o sr. levou um parceiro comercial para o governo?

WW - Tristão é um jovem brilhante. Ele tinha a intenção de continuar na política e nosso partido pretendia que ele se tornasse um quadro.

Todas as denúncias contra o sr. passam por ele. O sr. acha que foi descuidado?

WW - Meu relacionamento com ele vem desde Vitória (ES). Nós tomamos nossos cuidados. A Helena pediu as declarações das empresas. Eu, como governador, nunca me envolvi em nenhuma atividade ilícita. Nunca aceitei corrupção. Nunca pedi percentual para ninguém. O Edmar é o único que menciona isso, e diz que um terceiro falou para ele.

Ele também diz que o sr. se preocupou em afinar discurso das defesas.

WW - Nunca. Não tive nenhum contato com o Edmar depois dele ser exonerado. A certeza de que ele estava envolvido só veio quando o Ministério Público do Rio prendeu o Edmar.

O sr. acha que o pastor Everaldo está envolvido?

WW - As conversas que tive com o pastor são sobre política. Ele sempre foi um conselheiro.

O sr. tem segurança de que ele não tem envolvimento com corrupção, como disse o delator?

WW - Não sei quais as empresas que ele tem, os relacionamentos. Não posso opinar.

Por ser de fora da política do Rio, acha que ficou à mercê dessa movimentação pré-existente?

WW - Qualquer governador que assuma depois de um grande período de vários envolvimentos teria dificuldade. Essas empresas estão no governo há muito tempo.

O Rio é um estado ingovernável?

WW - O Rio não é para amador nem para profissional. Deve ser para um sujeito sobrenatural. O Rio tem que ser governado por alguém sobrenatural que possa antecipar de uma forma sobrenatural o que está acontecendo.

Todos os governadores estão preocupados, porque estão imputando aos governadores um controle que é impossível. Não tenho como analisar contratos. Mas tomei todas as medidas para não haver corrupção.

Se eu extingo a Controladoria do Estado, poderia até dizer que estava facilitando. Mas eu a fortaleci. Não posso ser responsabilizado por terceiros.

Em todos os estados há problemas de corrupção. Mas o único que está sendo violentamente atingido, sou eu.

Agora, por que estou incomodando? Prendemos mais de 600 milicianos. Não há mais indicação política na polícia. Isso está incomodando.

A quem?

WW - A imprensa está dizendo que quem está incomodado com o meu governo é o presidente [Jair] Bolsonaro.

O sr. já ouviu algo diretamente?

WW - Ele já disse que estou perseguindo a família dele. E a imprensa tem dito que o Cláudio Castro seria mais fácil de lidar para a indicação do próximo procurador-geral de Justiça.

O presidente que interferir nas investigações no Ministério Público?

WW - É o que estou ouvindo na imprensa. Por que querem meu afastamento?

Mas o sr. já ouviu algum pedido ou sugestão direta ou indiretamente em relação a esse tema?

WW - [Após silêncio de 11 segundos] Não vou responder a essa pergunta.

Por quê?

WW - Porque não.

O Cláudio Castro é mais suscetível a isso?

WW - Claudio Castro está fazendo o papel dele. Flávio Bolsonaro ligou para ele no primeiro dia. Ele tem que governar. Na visão dele tem que se aproximar da família Bolsonaro. Aproximar-se não tem problema, mas só não pode perder sua autonomia.

Acha que vai ter interferência na chefia da polícia?

WW - É o que vamos ver. Da mesma forma que eu sofri uma busca e apreensão, ele também sofreu. Sempre procurei dividir com ele todas as decisões de governo. As indicações e exonerações de secretários sempre dividi com ele. Ele é corresponsável pelo meu governo. Não era um vice alienado. Não cometemos nenhum ato ilícito.

Como o sr. se sente ao ser comparado ao ex-governador Sérgio Cabral?

WW - O MP falar que está no túnel de tempo, me adjetivar, dizendo que é o mesmo modus operandi do Cabral, é uso político da instituição. São expressões políticas não calcadas nos autos. O Cabral pedia 5%. Em relação a mim, não há absolutamente nenhuma prova de que pedi o que quer que seja para quem quer que seja. Como é que um procurador dá uma entrevista dizendo que se viu no túnel do tempo, quando a investigação está apenas no seu início?

O sr. vê sinais de uso político do Ministério Público?

WW - Vem aparecendo sinais do aparelhamento político do MP. Primeiro que o presidente não escolheu um dos três indicados pela lista tríplice, o que é um retrocesso democrático. Depois, no STJ, em vez dos inquéritos contra os governadores ser distribuídos aos procuradores e subprocuradores, ele estão sendo direcionados.

Não houve sinais durante a campanha de que haveria interferência na gestão Bolsonaro?

WW - Em várias ocasiões Bolsonaro disse que tinha mudado, que a história de fechar o Congresso não era verdadeira, que não seria maior do que qualquer ministro, que iria governar com todos, que iria combater o tráfico internacional de drogas"¦

O sr. se sente enganado?

WW - Meu relacionamento com o Bolsonaro foi deteriorado não porque eu quis. Foi deteriorado porque ele me fez acusações e não quis mais se aproximar de mim. Sempre fui crítico quando entendia que deveria ser. Se isso incomoda, não podemos estar em uma democracia.

O sr. se sente uma vítima de Bolsonaro?

WW - Não posso dizer que sou vítima de Bolsonaro. Isso tem que ser investigado. Ele tem sido investigado no STF, se interferiu na PF. O que a gente pode dizer é que ele disse que queria o Rio. Se ele quer o Rio, se estou atrapalhando, tenho que sair.

Na semana que vem, o governador em exercício, Cláudio Castro, deve destituir os secretários herdados.

WW - Natural. Se eu voltar para o governo, quando eu voltar para o governo, vou fazer mudanças no secretariado como estava pretendendo.

O sr. acha que ele está fragilizado?

WW - Todos estamos politicamente fragilizados. Estamos sendo investigados de uma forma muito contundente sem o direito de defesa. Atinge todos nós. Toda a cadeia política. A mim, ao vice, ao presidente da Alerj.

O que esse foco na cúpula do poder do Rio sinaliza?

WW - Vai facilitar um controle maior por parte do governo federal. O próprio Guedes já disse que a prorrogação do regime é de 180 dias. Isso é muito ruim para o Estado democrático de Direito. Você ter um estado que está ficando completamente à mercê do governo federal. É praticamente uma intervenção branca.

O sr vê assim a situação do estado?

WW - Pelo o que estamos vivenciando, meu afastamento é uma luz vermelha. Eu poderia ser afastado? Sim. Desde que me tivessem dado o amplo direito de defesa. E, como há um processo político na Alerj, que é o ambiente adequado na democracia, que meu afastamento fosse para Assembleia Legislativa.

Wilson Witzel, 52

Nascido em Jundiaí (SP), formou-se em Direito e foi defensor público e juiz federal antes de deixar a magistratura e entrar para a política. Filiado ao PSC, elegeu-se governador do Rio em 2018, em sua primeira disputa eleitoral. Em agosto, foi afastado do cargo por decisão do STJ