Arquivo Paulo Jose da Costa

Em 31 de janeiro de 1960, João Goulart, o Jango, que foi presidente do País de 1961 a 1964, esteve em Londrina quando exercia o cargo de vice-presidente da República, no governo de Juscelino Kubitschek. A visita do petebista para cá foi feita para a inauguração de um busto do senador Abilon Souza Naves, na praça Primeiro de Maio (ao lado da Concha Acústica). Souza Naves era o nome considerado favorito para o cargo de governador do Paraná, mas morreu no dia 12 de dezembro de 1959, vítima de infarto, em um jantar em sua homenagem, na sociedade Morgenau, em Curitiba. Além da celebração ao senador, a presença de Jango em Londrina também esteve ligada à escolha do sucessor de Souza Naves na disputa, que acabou sendo Nelson Maculan, vereador e presidente da Associação Rural de Londrina (embrião da Sociedade Rural do Paraná) e um dos articuladores da Marcha da Produção, em outubro 1958, movimento de cafeicultores do Norte do Paraná contra a política cafeeira de JK.

A vinda do vice-presidente foi registrada na época pela Folha de Londrina, que publicou a reportagem no dia 2 de fevereiro, com fotos de Augusto Galante. A reportagem informa que seu voo chegou pela manhã, com uma hora e quarenta minutos de atraso, e que ele foi recepcionado por centenas de pessoas. Jango foi conduzido à Praça Primeiro de Maio, onde discursou, e depois foi almoçar na Maltaria e Cervejaria Londrina, onde inaugurou a Sala Senador Souza Naves.

Imagem ilustrativa da imagem O dia em que João Goulart discursou em Londrina
| Foto: CPDOCJB/Folhapress

O áudio do discurso de Jango em homenagem a Souza Naves em Londrina foi registrado em gravação que o jornalista José Wille, da Band Paraná, achou nos pertences de seu pai. “Meu pai (José Wille Scholz 1925 – 1996) trabalhava na Rádio Guairacá, em Curitiba, que era de Moysés Lupion. Uma fita de gravador de rolo da Guairacá, de Mandaguari, tinha um discurso que identifiquei com a ajuda do ex-deputado Léo de Almeida Neves, da Café Cacique, que conheceu bem o ex-presidente João Goulart. Eu tinha a fita antiga, mas não o gravador compatível, que só consegui há pouco tempo”, destaca. No discurso, diz Wille, era possível entender o momento e a cidade, mas não quem era. “Me surpreendi ao saber que era o ex-presidente, principalmente por achar que era um discurso que parecia vazio, sem interesse direto para aquele público”, destaca.

A passagem de Jango por Londrina também foi registrada em película e divulgada pelo comerciante Paulo José da Costa, dono de um sebo em Curitiba e que publicou a filmagem em seu canal do YouTube. "Comprei uma porção de coisa do jornalista e escritor Valêncio Xavier. Me lembro dessa visita. Foi há cinco anos. A biblioteca estava em uma garagem e esse filme já tinha sido telecinado, ou seja, já estava em VHS ", pontua.

REIVINDICAÇÕES

Em seu pronunciamento realizado na Praça Primeiro de Maio, João Goulart ressaltou que a maior homenagem que os trabalhadores poderiam prestar a Souza Naves seria a reafirmação dos princípios e da luta por reivindicações em defesa dos interesses dos mais pobres e dos mais humildes. “Aos trabalhadores de Londrina, aqueles que ainda sentem a presença de Souza Naves, aos trabalhadores dessa região próspera deste estado, quero lembrar que Souza Naves foi autor de um projeto que representará no futuro a libertação definitiva dos trabalhadores brasileiros”, destacou na época. Naquele discurso ele ressaltou que o projeto apresentado por Souza Naves regulamentaria o direito de greve, que até então não era previsto em lei. “O substitutivo que representa a vontade dos trabalhadores brasileiros é o substitutivo Souza Naves, aquele que regulamenta o direito de greve em termos dela poder ser exercida e nunca em termos de ser proibida como desejam os reacionários e inimigos das classes trabalhadoras da nossa pátria”, destacou em seu discurso feito em Londrina.

O então vice-presidente enalteceu também a importância da indústria nacional. “Aqueles que quiserem investir em benefício de nossa pátria têm aqui o nosso apoio e a nossa solidariedade. Mas aqueles que vêm, trabalhadores do Paraná, já com endereço certo e rótulo falsificado para aqui prosperar à custa do sofrimento das classes trabalhadoras, aqueles não podem entrar nas nossas vidas. E não podemos permitir que, enquanto nossa indústria nacional tenha dificuldades para a importação de máquinas para a melhoria de seus parques, grupos estrangeiros tragam de navios pelas nossas costas essas mesmas máquinas para vir aqui sufocar a economia da nossa pátria e roubar a economia do nosso País. Essa é a nossa posição, trabalhadores do Paraná. E dessa posição jamais recuaremos um centímetro ou um milímetro sequer”, declarou na oportunidade.

Discurso coerente com seu pensamento

O professor de História Geraldo Luiz de Souza ressalta que o discurso de Jango realizado em Londrina é muito concatenado e coerente com o seu pensamento. "Não era radical, mas não era um pensamento de deixar as coisas como estavam. Mesmo não sendo um discurso radical soava como tal, só pelo fato de dirigir às classes trabalhadoras e dizer que tem que defender os direitos dos trabalhadores, de também levantar a possibilidade de reavaliar da necessidade da questão da terra no País", destaca.

"Determinadas expressões já são suficientes para ser tachado nos momentos de polarização. Eu vejo João Goulart como representante desses momentos. Um político que tinha um discurso coerente, um discurso que apontava questões pertinentes e ligadas à temática social, mas que acabava sendo sufocado pelo discurso de que isso era radicalização", afirma o professor.

José Wille Scholz

Geraldo Luiz explica que Jango de certa forma era o herdeiro político de Getúlio Vargas e sua política trabalhista. Na eleição de 1955, Juscelino Kubitschek se une a João Goulart na aliança entre o PSD e o PTB. "João Goulart é o contraponto de JK. Enquanto o presidente tinha o discurso desenvolvimentista, que favorece o empresariado, Jango dá um verniz trabalhista ao governo JK", diz Luiz.

Para as eleições de 1960, Jânio Quadros, do Partido Democrata Cristão (PDC), saiu candidato a presidente, e Jango vice, concorrendo pela chapa de oposição a Jânio, em um tempo em que a eleição para presidente e vice eram independentes. "Logo que começa a campanha saem os comitês Jan-Jan. Embora não tenha sido realizada uma aliança entre os dois, nenhum deles disse para não votarem no outro", afirma o professor. Quando Jango veio a Londrina, a campanha política estava em andamento. "Nesse período o PTB não é um partido de esquerda, de ideologia socialista. É um partido muito personalista na figura de Getúlio como pai dos pobres. Muitos políticos foram entrando nessa dinâmica de associar o nome a Vargas e entrar nesse discurso trabalhista. No caso de Londrina e também no Paraná, o PTB não tinha uma força muito grande porque não tinha tradição operária. O PTB estava muito identificado com o operariado urbano", explica Geraldo Luiz.

Jango foi novamente eleito vice-presidente em 1960. Sem o apoio do Congresso, Jânio Quadros renunciou ao cargo de presidente em agosto de 1961, quando Goulart estava em visita diplomática à República Popular da China, em uma tentativa de expandir o comércio com os países comunistas. Os ministros militares se opuseram à posse, pois viam nele uma ameaça ao país, já que ele era um herdeiro do trabalhismo de Getúlio Vargas e ligado fortemente aos movimentos sindicais, o que gerou a ideia de que seria comunista. O então governador gaúcho Leonel Brizola liderou uma campanha da legalidade, para que a posse de Jango fosse garantida. "Se o governador do Paraná fosse Souza Naves e não o Ney Braga, talvez o Paraná pudesse ter tido uma postura diferente, se aliando a Brizola, que fez aquela frente da legalidade para que se respeitasse a Constituição para que João Goulart fosse presidente. Isso aconteceu depois de uma negociação que implicou na implantação do parlamentarismo, esvaziando os poderes dele como presidente da República, aprofundando a crise, porque ficou um presidente sem autoridade", analisa o professor. Sua posse só ocorreu no dia 8 de setembro daquele ano. Ou seja um ano, sete meses e uma semana depois daquela visita a Londrina. (V.O.)

Figura democrata

O professor de História Geraldo Luiz de Souza ressalta que a sociedade é feita por diversos setores, estabelecendo o diálogo. Ele vê João Goulart como uma figura que merece respeito por ser um democrata, e pela atitude que tomou em 1961, quando aceitou a solução adotada pelo Congresso Nacional pelo parlamentarismo, que não era a mais apropriada, e também por não realizar o enfrentamento em 1964, quando ocorreu o complô contra ele logo após anunciar as reformas de base. "João Goulart estava longe de ser um político de esquerda no sentido de ter afinidade com o pensamento socialista e marxista. Era uma pessoa que tinha consciência social. O projeto dele era levar os direitos dos trabalhadores urbanos para os trabalhadores rurais. Quando ele começa a mexer nessas coisas, a polarização se radicaliza. Estamos em um ambiente de Guerra Fria, pós revolução cubana", destaca. (V.O.)