A data no calendário não passa despercebida: o dia 8 de março é marcado como Dia Internacional da Mulher. Lembrado por campanhas publicitárias e tema de pauta na agenda de diferentes ramos de organizações sociais, o marco tem sua origem na luta feminina pelo direito ao voto no início do século passado. Apesar de o direito ao sufrágio universal ser garantido nas grandes democracias mundiais – no Brasil, foi somente em 1932 que a regra entrou no Código Eleitoral –, não faltam razões para que a ocasião permaneça cada ano mais relevante. Na política em especial, ramo em que a participação das mulheres, apesar de crescente, ainda é muito aquém de ser igualitária. Um exemplo claro pode ser notado no resultado das últimas eleições. Apesar de serem 51,8% da população e mais de 52% do eleitorado, apenas 9.196 mulheres foram eleitas, enquanto 48.265 homens se sagraram vencedores nas urnas – uma proporção desigual de 16% contra 84%. E é exatamente nos municípios que os primeiros passos das lideranças são dados.

Imagem ilustrativa da imagem O desafio das vozes femininas na política
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Em Londrina, a resposta do eleitor sobre a representatividade feminina na política foi retumbante. Apesar de nenhuma chapa para o posto de prefeito ter sido encabeçada por uma mulher, na Câmara Municipal as vozes se multiplicaram. Enquanto na legislatura anterior apenas Danielle Ziober (PP) figurava entre as 19 cadeiras, hoje elas são ocupadas por sete vereadoras. “Acredito que houve um avanço, ainda que tímido, mas com tendência de expansão. Hoje, a realidade da Câmara representa algo que nunca havia ocorrido. Considero que o resultado da eleição de novas vereadoras é uma resposta da sociedade quanto à sua representatividade”, pondera Ziober, que atualmente ocupa o posto de vice-presidente do poder legislativo da cidade. “Com o número maior de mulheres na Câmara, agora temos um ar de acolhimento e de maior flexibilidade”, compara.

A vereadora professora Sonia Gimenez (PSB) cumpre seu primeiro mandato na Câmara de Londrina
A vereadora professora Sonia Gimenez (PSB) cumpre seu primeiro mandato na Câmara de Londrina | Foto: Devanir Parra/DivulgaçãoCML

Uma das novas ocupantes é a Professora Sonia Gimenez (PSB), que conquistou sua vaga depois de duas derrotas em pleitos anteriores. No último, no qual foi eleita, a campanha não foi fácil. Mesmo com obrigatoriedade por lei da destinação de 30% do fundo eleitoral para arcar com custos da participação feminina, ela só viu o dinheiro chegar três dias antes da ida da população para as urnas. “Em alguns momentos, cheguei a sentir estar trabalhando para captar votos para outros candidatos, mas segui. Nós temos dificuldade em tudo, mas decidi ser persistente, mesmo quando meus filhos diziam para sossegar. Acredito que nós mulheres temos um olhar holístico. Uma capacidade de ver diferentes campos, e isso na política é fundamental”, afirma, cheia de planos. “Nós, vereadoras, já temos algumas ideias de projeto para políticas para as mulheres no município. A agenda é imensa e logo será apresentada”, adianta.

DESAFIOS

É imperativo para o desenvolvimento do País que a gama de temas discutidos pelos políticos seja múltipla. Apesar da obviedade da afirmação, na prática, os avanços sociais acontecem de forma lenta. Isso porque as questões de gestão da máquina pública tendem a dominar o debate. Na análise da cientista política Carla Almeida, professora do núcleo de pesquisas em participação política da UEM (Universidade Estadual de Maringá), a atuação das mulheres não se restringe a discutir apenas assuntos preferencialmente femininos. “A presença das mulheres faz com que temas antes monopolizados por homens possam ser analisados sob pontos de vistas diferentes. Um exemplo é a política antidrogas. A maioria das pessoas que cuidam de dependentes químicos são as mães, as irmãs e as avós e conhecem o problema de perto. Acho promissor e importante que as mulheres aumentem suas bandeiras para além das questões femininas”, defende.

O ambiente para o surgimento de novas mulheres na cena política local depende de uma série de variáveis. Dificilmente será possível observar uma dona de casa, após ver os filhos criados, sair em campo para disputar um cargo eletivo. São nas diversas organizações da sociedade civil que começam a se formar nomes que vão despontar na política formal e partidária. “Uma característica forte que ajuda a promover esse surgimento é o capital familiar. Em jurisdições menores, como no interior, esse aspecto tende a ser um pouco maior. A política normalmente está sob controle de grupos que vão se reproduzindo, isso acaba facilitando”, explica Almeida, que cita como exemplo a deputada estadual Maria Victoria, filha do deputado federal e líder do governo Ricardo Barros e da ex-governadora Cida Borghetti – toda a família filiada ao PP. Mas, é claro, que não se pode deixar de citar que há muitos homens que são herdeiros políticos de suas famílias, como é o caso do ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello (PROS-AL), que é neto e filho de nomes importantes do ramo.

O processo da entrada das mulheres na vida pública não tem em sua maioria dificuldades específicas locais. Os desafios a serem enfrentados são enraizados na própria formação sociocultural brasileira. No entanto, há uma ressonância nos partidos da força que a discussão de igualdade de representatividade de gênero alcança no mundo. Nos EUA, essa força pode ser observada nas eleições passadas com a chegada da vice-presidente Kamala Harris ao centro do poder na maior democracia global. “Há um momento que o tema ganha audiência receptiva e entra nos cálculos. Não à toa, tivemos muitas candidaturas majoritárias, escolhas de mulheres como vice. Isso não significa que elas são apenas peças de manipulação, são agentes com interesses próprios. O fato é que enfrentam mais dificuldades nos partidos que são estruturas comandadas por homens, existe um monopólio”, argumenta Almeida sobre o atual momento.

EXEMPLO

Um microcosmo em meio aos cenários tão diversos que existem pelo Brasil é a cidade de Sertanópolis, na região de Londrina. O município vive uma realidade em que mostra que o papel feminino na administração pública deixou de ser coadjuvante. A cidade elegeu Ana Ruth Secco (PSB) como primeira prefeita e a única vereadora, Leila Pissinati (PSD), é a presidente da Câmara. A nova chefe do Executivo é conhecida pela carreira de bancária e por seu trabalho social na igreja – mas também é lembrada por ser filha do ex-prefeito Amâncio Secco, que governou entre os anos de 1960 e 1970. Ela acredita que esses fatores impulsionaram a eleição para vereadora em 2016, o que a credenciou para disputa pela prefeitura, vencida com apenas 12 votos de diferença. “Minha vitória foi o resultado de 30 anos trabalhando com a população. Sinto que represento um início e luto para mostrar que temos capacidade. Converso com mulheres em papel de liderança, como diretoras de colégio, e digo que estamos juntas. Logo poderá ser a vez delas. Mas confesso que ainda estranho ser chamada de prefeita”, conta.

Para que novos nomes femininos continuem a surgir e ganhem cada vez mais representatividade no cenário nacional, é preciso que um incansável e ininterrupto esforço seja feito. Na avaliação da professora Carla Almeida, há muita resistência por parte dos partidos políticos para que as conquistas das mulheres sejam questionadas. “Está evidente que há muitas vozes que se levantam para dizer que o lugar das mulheres é nas famílias. Buscam restringir a distribuição dos cargos de forma equitativa. Isso é algo preocupante porque há uma audiência receptiva para esse debate”, alerta. No entanto, as cidades têm um papel imenso para a inclusão feminina em diversas posições de destaque. “Os conselhos municipais de mulheres têm importância fundamental. As prefeituras devem se comprometer em reforçar esses grupos e não entender como um acessório”, alerta Almeida.

A deputada federal Luísa Canziani (PTB) é a mais jovem da atual legislatura
A deputada federal Luísa Canziani (PTB) é a mais jovem da atual legislatura | Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

FUTURO

Na Câmara dos Deputados, a mulher mais jovem eleita vem de Londrina. A deputada Luísa Canziani (PTB), 24 anos, cresceu atenta aos passos do pai, o secretário municipal de Governo Alex Canziani (sem partido) – que cumpriu o mesmo posto que a filha por cinco vezes seguidas. O histórico ajudou a ser acolhida no meio, mas não diminuiu seus desafios. “Fui a deputada mais nova na história a presidir uma comissão (Comissão Permanente de Defesa dos Direitos das Mulheres). Também relatei a medida provisória que definiu novas regras para o ano letivo. No entanto, acredito que os obstáculos foram superados até mesmo porque a Câmara tem muitos parlamentares jovens e estamos trabalhando com afinco, mostrando o nosso valor e uma nova maneira de fazer política”, diz. Apesar de estar começando, ela se preocupa em ver seu exemplo ser multiplicado. “Desde que assumi o mandato, tenho trabalhado para identificar lideranças nos municípios da região. Converso com elas e as estimulo a participar da política, seja por candidaturas ou então mais ativamente na vida pública de seus municípios”, detalha. Um efeito que, mesmo que lento, jamais pode deixar de ser gradual, para que vozes femininas ecoem cada vez mais longe e mais alto.