Carmem Murara
Rubens Burigo
De Curitiba
Duas horas depois de o Tribunal de Alçada (TA) revogar por unanimidade a prisão provisória do ex-delegado geral da Polícia Civil João Ricardo Képes Noronha, ele reapareceu no escritório de seu advogado, Luis Alberto Machado, para, numa entrevista, se defender e acusar os responsáveis pela sua situação de foragido. Noronha tachou a CPI do Narcotráfico de ‘‘ingênua’’ e partiu para o ataque aos policiais civis e traficantes presos que o acusaram de comandar o crime organizado no Paraná. A prisão de Noronha foi revogada pela 3ª Câmara Criminal do TA por volta das 15 horas. Ele conseguiu um habeas-corpus que anulou a decisão do juiz Rogério Etzel.
Com ar de revanche, Noronha fez um pronunciamento de dez minutos relembrando a sua carreira na Polícia Civil e os casos mais complicados que ajudou a elucidar, como o sequestro em Marechal Cândido Rondon, em outubro de 96. O ex-delegado geral disse que foi vítima de um complô armado por quem queria se vingar dele. ‘‘Eu prendi a Shirley Pontes (traficante que fez o principal depoimento à CPI, dizendo que trabalhava para Noronha). É lógico que ela iria me acusar, ou vocês acham que ela iria me convidar para ser seu padrinho de casamento?’’, ironizou.
Com paradeiro desconhecido desde o dia 2 de março, Noronha insistiu que não fugiu da CPI, mas que apenas viajou ‘‘para não passar por uma execração pública’’. O advogado também reforçou a tese. ‘‘O Ricardo jamais fugiu. Ele queria depor na CPI, mas nós o aconselhamos a se afastar, pois era uma situação de muita emoção e ele seria preso’’.
O ex-delegado geral disse que passou os ‘‘piores dias’’ de sua vida enquanto esteve foragido. ‘‘Não dá para descrever a situação de desespero e desequilíbrio. Meus filhos foram humilhados no colégio. Minha esposa foi apontada no supermercado. Disseram que ela era a mulher do delegado narcotraficante’’. Ele não revelou por onde andou.
O delegado adianta que quer processar quem o acusou, mas ainda não definiu a estratégia a tomar, pois primeiro terá de provar sua inocência. ‘‘Escurraçaram minha vida. Quem vai reparar isso?’’ Vestindo camisa listrada, calça jeans e tênis, Noronha disse estar dez quilos mais magro, ainda que a aparência não denunciasse a perda.
Durante toda a entrevista, Noronha enfatizou que a CPI foi motivada por ‘‘questões políticas’’ e que os deputados se deixaram levar pelas circunstâncias. ‘‘A CPI foi armada para desmoralizar o governo do Paraná.’’
Os demais 11 policiais que estão presos sob acusação de pertencer ao narcotráfico, além de Reginaldo Moreira, Samir Skandar, Edmir da Silveira, Altair Ferreira (Taíco), Marco Antonio Canuto e o delegado Kioshi Hatanda, entre outros, foram poupados por Noronha.
Ele disse que, recentemente, não esteve à frente de uma delegacia que pudesse investigar o narcotráfico ou o desmanche de carros roubados, crime do qual também foi acusado de participação. ‘‘Fui o delegado que mais fechou desmanches quando estive no Cope’’, tratou de lembrar. Sobre a falta de ação contra o crime organizado, o delegado alegou que estava apenas há três meses na Delegacia Geral, tempo considerado por ele como insuficiente para combater o narcotráfico e o desmanche na Polícia Civil.


O QUE ELE DISSE

- NARCOTRÁFICO: ‘‘Tive várias acusações por abuso de autoridade, mas nunca de ligação com o narcotráfico. Qualquer delegado que estivesse na posição de delegado-geral seria alvo da CPI e seria acusado como eu fui.’’
- CPI: ‘‘Por questão política, a CPI veio ao Paraná e foi induzida a erro. Ela foi ingênua, mas não acredito que agiram com dolo. Os deputados ouviram pessoas comprometidas. Pessoas condenadas por mim me denunciaram. Por que a CPI não foi ouvir a Polícia Federal, que é responsável por investigar crimes ligados a narcotráfico?’’
- FUTURO PROFISSIONAL: ‘‘Volto à polícia. Não vou abandonar a carreira que escolhi por paixão. Mas não serei mais como antes, combativo e destemido. Agora serei diferente, pois o assaltante que eu prendo hoje poderá me acusar numa CPI futura.’’
- INIMIGOS: ‘‘O Braga (ex-delegado geral Arthur Braga) se declarou meu inimigo. Ele teve uma ação covarde ao ir depor. Ele está com uma desordem mental.’’
- DESMANCHE: ‘‘Fechei desmanches quando estive no Cope (Centro de Operações Policiais Especiais). Antes da CPI, fechamos dois desmanches em flagrante. Não conseguiram comprovar meu envolvimento com o narcotráfico e agora tentam me incriminar em outros casos.’’
- PATRIMÔNIO: ‘‘Supervalorizaram meu patrimônio. Eu ganhava R$ 10,5 mil até a CPI. Moro num condomínio familiar (em Campo Magro) de 35 alqueires e não de 300, como disse uma TV. Também dou aulas e cursos.’’
- ENVOLVIMENTO DE POLICIAIS: ‘‘Sou o delegado que mais prendeu policiais que estavam envolvidos com o crime organizado. Desafio que haja um policial civil, militar ou federal que tenha feito mais prisões do que eu no Paranᒒ.