"Não temos medo de debater corrupção", diz Gleisi Hoffmann
Em Londrina, presidente nacional do PT fala de reconstrução do partido, CPI da Covid, eleições e chances da 'terceira via' em 2022
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terça-feira, 20 de julho de 2021
Em Londrina, presidente nacional do PT fala de reconstrução do partido, CPI da Covid, eleições e chances da 'terceira via' em 2022
Guilherme Marconi - Grupo Folha
Aproveitando o recesso parlamentar e com esperança no arrefecimento da pandemia, o Partido dos Trabalhadores está focado nas eleições de 2022 e em discutir os fatos revelados na CPI da Covid sob investigação no Senado. Em visita a Londrina nessa segunda-feira (19), a deputada federal e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, iniciou no Norte do Paraná articulações políticas e marcou agenda com série de entrevistas em veículos de comunicação, incluindo a FOLHA.
O partido acredita que a gestão do governo Bolsonaro durante a pandemia e fatos revelados pela investigação no Congresso devem impulsionar o processo de impeachment. Entretanto, a deputada pondera que o pedido só deve ser aceito pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), se a mobilização nas ruas ganhar mais corpo no Movimento Fora, Bolsonaro, programado para o dia 24 de julho. Na entrevista a seguir, Gleisi diz que o PT, envolvido em escândalos de corrupção revelados pela Operação lava Jato, não é extremista e opina que há pouca viabilidade em uma terceira via neste processo eleitoral sem que haja um projeto claro de governo como contraponto.
O presidenciável Ciro Gomes (PDT) diz que Lula não tem se pronunciado sobre os fatos levantados pela CPI da Covid com medo do passado do PT. Por que o ex-presidente tem se calado?
O presidente é cauteloso porque não quer fazer com os outros o que fizeram com ele. Ele acha que todo mundo tem direito ao devido processo legal e há uma profunda investigação, inclusive Bolsonaro tem direito a isso. Tem evidências de crime, mas tem que ter a investigação. Além disso, o PT não tem medo de discutir corrupção. Nós fomos vítima da perseguição política e agora conseguimos vencer essa questão. Dos 15 processos que o presidente Lula sofreu foi absolvido. Inclusive em Curitiba, onde os processos não tinham embasamento legal. Não temos medo de debater corrupção, fizemos isso defendendo Lula e nos defendendo. Se o Ciro quiser debater política com a gente que venha, mas ele tem que estar muito afiado.
No Paraná, o PT perdeu muito espaço nas prefeituras e câmaras municipais. Como o partido tenta recuperar a imagem no Estado?
Queremos ter condições políticas para eleger deputados federais e estaduais e recuperando o terreno da política. O Paraná foi o berço da Lava Jato, foi onde tudo se processou. Em Curitiba, foi a cidade onde Lula ficou preso. Ou seja, foi algo muito forte de desconstrução do PT, mesmo assim conseguimos eleger em 2018 três federais e quatro estaduais. O PT tem resiliência, tem base, mas é claro que tudo isso é processo de reconstrução.
Para essa reconstrução, o PT poderá aceitar novamente apoio do centrão?
Centrão não é um bloco monolítico. A maioria dos partidos não tem projeto nacional, tem projetos locais. No Nordeste, por exemplo, temos interlocução com lideranças do MDB em Alagoas (reduto de Renan Calheiros) e no Paraná (ex-governador Roberto Requião). Vamos conversar com esses partidos por meio de lideranças regionais. Não temos problema nenhum em conversar com esses setores.
O PT está à frente do movimento "Fora Bolsonaro". É o momento adequado para ir às ruas?
Fazemos parte do Comitê Fora Bolsonaro, com partidos de oposição e movimentos sociais e sindicais, e estamos desde o início participando. Teve um debate grande por preocupação de chamar o povo nas ruas em meio à pandemia. Mas avaliamos o seguinte: a maioria do povo está nas ruas, no transporte público, nas praças e indo atrás de sobrevivência. Não nos sentimos à vontade de não fazer a luta agora. Tanto nossa base social e outras organizações cobravam por estar nas ruas. Em trinta e poucos dias, nós fizemos três manifestações. E se a gente quer fazer o enfrentamento ao Bolsonaro não tem outro jeito: é na articulação política e na mobilização social.
Os fatos revelados na CPI da Covid podem impulsionar esse movimento?
Temos uma manifestação no dia 24 em todas as grandes cidades do País. A CPI tem cumprido um papel importantíssimo. Primeiro porque concentrou as atenções e as pessoas conseguem ver o que aconteceu na pandemia. A gestão ou 'não gestão' do Ministério da Saúde e agora uma outra vertente que são as denúncias de corrupção na compra das vacinas da Covaxin e agora do CoronaVac, que o ministro teria negociado com uma terceira pessoa, enquanto a venda já tinha sido negociada pelo Butantan. Mas é claro que tudo isso tem que ser investigado. Acredito que abertura da investigação deve levar a CPI a concluir que teve problema, tudo indica isso. Além da gestão, que que não foi feita para proteger a vida das pessoas. Desde o início o presidente Bolsonaro deu o tom para seus ministros que aquilo era uma gripezinha e minimizou o problema. Se começasse a aplicar a vacina da Pfizer desde o começo, a história seria outra. O que vimos foi quem pagou foi a saúde, a vida das pessoas, e a economia, pois o país demora para poder se recuperar.
Qual a melhor estratégia para o PT para em 2022. Tentar sangrar o governo Bolsonaro com a CPI se arrastando ou o processo de impeachment?
O mais interessante é que a CPI possa provocar o processo de impechement o mais cedo possível. Não é Bolsonaro que sangra, é o país que sangra enquanto ele continua lá. Ele não tem a menor condição de governar esse país. Basta ver o que esse homem fez ao sair do hospital. Não tem postura. É um presidente da República e fica atacando, disseminando mentira, ódio, se vitimizando, se expondo. Não tem nenhuma capacidade de colocar no lugar do outro. O único hospital que ele visitou na pandemia é esse que ele ficou internado. Milhares morrendo ele não visitou uma unidade de saúde, um hospital, não reuniu o SUS. Enquanto ele tiver na cadeira vai ser a instabilidade do Brasil.
Por isso vocês apostam nas manifestações?
Enquanto não tiver pressão das ruas o Lira (Arthur Lira (PP), presidente da Câmara) não irá colocar o processo de impeachment pra ser avaliado. Nós queremos discutir para o Brasil um projeto de país. Investimento, geração de emprego, não dá para aceitar 15 milhões de desempregados com renda baixíssima. Pessoas na fila de abatedouro pegar ossos para fazer sopas. Já tínhamos vencido esse problema da fome. Nossa principal discussão é da vida do povo e tirar o país dessa crise desenfreada.
O desgaste da CPI no Senado reverbera da mesma forma na Câmara ou lá Bolsonaro tem mais apoio?
Ali tem que entender o chamado centrão, que dá uma sustentação a um custo muito alto. Bolsonaro cometeu o crime de prevaricação e deveria ter denunciado enquanto presidente ao ser comunicado das tratativas da vacina e ele fez vistas grossas para não desestabilizar o governo. O governo libera recursos extra orçamentários. Só de emenda de relator que ficou para o presidente da Câmara e Senado distribuir são R$ 20 bilhões, além das emendas impositivas. Eles estão ganhando muito dinheiro e não vão confrontar o governo. A menos que seja um desgaste grande. Por isso precisamos do trabalho nas redes e nas ruas.
A senhora acredita que teremos outra eleição polarizada? Há viabilidade de uma terceira via?
Não acho que somos polo de governo Bolsonaro. O Bolsonaro não está no campo da democracia. Ele está no campo do fascismo, do autoritarismo, ninguém é polo com ele. No campo da democracia tem vários partidos que tem ideologias que seguem as regras da democracia. Já polarizamos a política desde 1994, com o PSDB. Porque politica é contraposição de projetos, de ideias. O que Bolsonaro faz não é política, ele pegou o caminho do ódio, da mentira. No campo da democracia, os partidos têm que estar no sentido de defender as regras definidas pela Constituição. Todo mundo que tem projeto, nome e liderança deveria se apresentar um projeto à nação no primeiro turno. E no segundo turno os partidos se ajeitam conforme o projeto. Me preocupa essa história que Lula é polo de Bolsonaro, Bolsonaro é extremista e nós não somos. Sempre tivemos clareza no projeto e programas que vamos defender.
E sobre os nomes apresentados até agora?
Penso que terão dificuldades, qual esse projeto que esse campo do centro ou a centro-direita tem? Se for analisar o projeto econômico é o mesmo que o Bolsonaro apresenta: a linha liberal. Ou seja, vão dizer à sociedade "temos um 'nome' mais legal como alternativa", mas que na prática quer implantar o mesmo projeto que tira direitos, que irá privatizar e não irá fazer os investimentos que precisam. É isso que vai diferenciar. Se essa terceira via não for competente para mostrar isso, Bolsonaro vai continuar no extremismo dele e levando gente desse campo para votar nele.
Qual a opinião da senhora sobre o voto impresso articulado por deputados bolsonaristas?
É uma tentativa de tumultuar o processo. Foi neste atual sistema que elegemos milhares de prefeitos e deputados e quatro presidentes da República, incluindo Bolsonaro, e nunca tivemos problemas de fraudes. Sempre quando se questionou, o voto foi auditado e esclarecido. Essa tentativa é uma forma de juntar um monte de gente e tumultuar. E isso é muito ruim para a democracia. Os deputados têm que se reunir presencialmente em agosto e derrotar isso ainda na Comissão Especial.
Qual avaliação a senhora faz da LDO aprovada com o fundão bilionário triplicado para 2022?
Votamos contra a LDO pelo conjunto da obra. Sobre o valor, ele ainda será definido no orçamento final pela Justiça eleitoral. Somos a favor do fundo e do financiamento público de campanha. Eleição não é negócio empresarial. Já tem pessoa física financiando. O fundo dá clareza aos candidatos e todos que recebem devem prestar contas à Justiça Eleitoral. Dá condições igualitárias de disputa. Se você opta para financiamento empresarial, somente quem tem boas relações com empresários terá acesso a financiamento. Além do mais, tivemos problemas das campanhas passadas, caixa 2. No orçamento de 2016 ficou neste valor de R$ 2 bilhões.
Qual a opinião da senhora sobre o voto impresso articulado por deputados bolsonaristas?
É uma tentativa de tumultuar o processo. Foi neste atual sistema que elegemos milhares de prefeitos e deputados e quatro presidentes da República, incluindo Bolsonaro e nunca tivemos problemas de fraudes. Sempre quando se questionou, o voto foi auditado e esclarecido. Essa tentativa é uma forma de juntar um monte de gente e tumultuar. E isso é muito ruim para a democracia. Os deputados tem que se reunir presencialmente em agosto e derrotar isso ainda na Comissão Especial.