Apesar dos avanços nos últimos anos, a representação feminina no Poder Legislativo segue distante da relação entre homens e mulheres no país. As mulheres são 51,5% da população brasileira, segundo o Censo 2022, mas ocupam somente 17,7% das cadeiras na Câmara de Deputados, por exemplo. A Assembleia Legislativa do Paraná tem um índice levemente superior: 18,5% (dez deputadas do total de 54). Já a Câmara Municipal de Londrina tem uma participação maior: são sete vereadoras de um total de 19 cadeiras, ou 36,8%.

"Nós temos um olhar mais sensível às questões sociais e somos mais propensas ao diálogo. Estudos apontam que a corrupção é menor onde mais mulheres participam do governo", defende a deputada federal  Luísa Canziani (PSD)
"Nós temos um olhar mais sensível às questões sociais e somos mais propensas ao diálogo. Estudos apontam que a corrupção é menor onde mais mulheres participam do governo", defende a deputada federal Luísa Canziani (PSD) | Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

A baixa participação pode estar ligada a fatores históricos e estruturais: as mulheres brasileiras só conquistaram o direito ao voto em 1932, 43 anos anos depois da proclamação da República, apesar do movimento sufragista que existia desde o início do século passado. Dois anos depois, o voto feminino passou a ser garantido pela Constituição de 1934. A primeira mulher eleita no país foi a deputada federal Carlota Pereira de Queirós, por São Paulo, no mesmo ano.

Atualmente, o Brasil ocupa a 131ª posição entre 193 países quando o assunto é a participação de mulheres na política, indica o ranking da União Interparlamentar (UIP), organização internacional que estuda os parlamentos de estados soberanos. De acordo com a UIP, três países sul-americanos estão próximos da igualdade no Poder Legislativo federal: Bolívia (46%), Equador (43%) e Argentina (42%). Em Cuba, o índice chega a 49%.

“Um dos caminhos é uma mudança curricular, que possibilite uma educação que promova a igualdade de gênero”, diz Jucimeri Isolda Silveira, mestre em Sociologia, doutora em Serviço Social e professora da PUCPR. “A participação da mulher na política e em outros espaços de liderança e poder, como o mundo corporativo, é um processo de mudança cultural que precisa ser feito. A democracia deve estar associada a outros processos emancipatórios, como a igualdade salarial entre homens e mulheres. As meninas pequenas precisam ser educadas para a vida pública, não só para cuidar.”

Medidas adotadas para aumentar a participação feminina e de outros grupos acabam subvertidas, avalia a professora. Um exemplo é a regra que reserva o mínimo de 30% das candidaturas para mulheres nos partidos: algumas siglas foram acusadas de usar “laranjas” para preencher a cota feminina e há suspeita de que recursos partidários registrados em nome das candidatas foram desviados para candidaturas de homens.

“Essa questão da dominação tem várias dimensões. Práticas como essa, de burlar essa regra dos 30% para manter homens brancos e heterossexuais no poder, ocorrem”, afirma Jucimeri Silveira. “É importante avançar com mulheres que tenham em pauta a igualdade de gênero. Muitas mulheres defendem a opressão contra as próprias mulheres. Reformas às vezes são um remédio imediato, já a cultura deve ser alterada com a dinâmica da sociedade.”

“Ainda somos sub-representadas ou ausentes em órgãos legislativos, por exemplo, o que resulta do fato de não termos uma política que leva em consideração as necessidades das mulheres a partir da perspectiva das mulheres", avalia Carol Dartora (PT), primeira mulher negra eleita pelo Paraná para a Câmara dos Deputados
“Ainda somos sub-representadas ou ausentes em órgãos legislativos, por exemplo, o que resulta do fato de não termos uma política que leva em consideração as necessidades das mulheres a partir da perspectiva das mulheres", avalia Carol Dartora (PT), primeira mulher negra eleita pelo Paraná para a Câmara dos Deputados | Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Ocupar espaços

Parlamentares ouvidas pela FOLHA concordam que houve avanços, mas dizem que ainda há muito trabalho pela frente. Pautas como a garantia dos direitos das mulheres e o combate ao feminicídio estão no dia a dia do Poder Legislativo, mas é preciso ocupar mais espaços para que as políticas públicas possam ser vistas a partir da perspectiva feminina, diz a deputada federal Carol Dartora (PT), primeira mulher negra eleita pelo Paraná para a Câmara dos Deputados.

“Ainda somos sub-representadas ou ausentes em órgãos legislativos, por exemplo, o que resulta do fato de não termos uma política que leva em consideração as necessidades das mulheres a partir da perspectiva das mulheres. Precisamos produzir soluções políticas a partir da perspectiva das mulheres, e isso só vai acontecer com a presença das mulheres construindo políticas públicas”, diz Carol Dartora, que está em seu primeiro mandato como deputada (antes, ela foi vereadora em Curitiba).

Ela ressalta ainda que muitas mulheres são alvo de preconceito e sofrem ameaças ao tentarem atuar politicamente. “Para avançar na representação ainda temos que vencer barreiras sociais. As mulheres enfrentam preconceitos e estereótipos de gênero que as impedem de entrar na politica ou de serem levadas a sério como lideres políticas”, diz a primeira deputada federal negra eleita pelo Paraná, que está em seu primeiro mandato. “A nossa sociedade tem que vencer a violência, o assédio e o racismo. Muitas mulheres sofrem ameaças ao ingressarem na politica, o que dificulta e proporciona um ambiente hostil para que mulheres concorram a cargos políticos.”

"Nós temos um olhar mais sensível às questões sociais e somos mais propensas ao diálogo. Estudos apontam que a corrupção é menor onde mais mulheres participam do governo", defende a deputada federal  Luísa Canziani (PSD)
"Nós temos um olhar mais sensível às questões sociais e somos mais propensas ao diálogo. Estudos apontam que a corrupção é menor onde mais mulheres participam do governo", defende a deputada federal Luísa Canziani (PSD) | Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Deputada federal no segundo mandato, Luísa Canziani (PSD-PR) diz ver um interesse cada maior das mulheres por temas políticos, mas ressalta a necessidade de políticas de incentivo. “Cada vez mais as mulheres querem participar e estão participando da vida política, formulando e discutindo leis e políticas públicas, lutando pelo que acreditam. Nós temos um olhar mais sensível às questões sociais e somos mais propensas ao diálogo. Estudos apontam que a corrupção é menor onde mais mulheres participam do governo.”

Medidas como a reserva de vagas nos partidos são essenciais, diz Luísa Canziani. “Foi fundamental a promulgação da Emenda Constitucional 117, em 2022, que obriga os partidos a destinar no mínimo 30% dos recursos públicos para campanha eleitoral às candidaturas femininas e reservar no mínimo 30% do tempo de propaganda gratuita às mulheres. É um estímulo que contribuirá cada vez mais para a participação feminina”.

A deputada paranaense é relatora do projeto que institui o programa Mães na Escola, do deputado Christino Aureo (PP-RJ). “O objetivo é conceder atenção especial à trabalhadora desempregada com filho matriculado em escola pública por um prazo de 12 meses e auxiliar na geração de renda auxiliar às beneficiárias, além de facilitar nas atividades de integração da escola com as famílias e a comunidade local”.

Feminicídios e salário menor

A deputada estadual Flávia Francischini (União Brasil) comemora os avanços dos últimos anos, mas pede uma reflexão sobre a violência cometida contra as mulheres e as desigualdades no mercado de trabalho. “Temos avanços importantes a comemorar. Mas há muito ainda para refletir e lutar enquanto houver no Brasil um feminicídio a cada seis horas, um estupro a cada oito minutos, feminicídio atingindo índices recordes e as mulheres ganharem em média 21% a menos do que os homens”, diz a parlamentar, que está em seu primeiro mandato na Assembleia (ela foi vereadora em Curitiba entre 2020 e 2022).

“Temos avanços importantes a comemorar. Mas há muito ainda para refletir e lutar enquanto houver no Brasil um feminicídio a cada seis horas", lembra a deputada estadual Flávia Francischini (União Brasil)
“Temos avanços importantes a comemorar. Mas há muito ainda para refletir e lutar enquanto houver no Brasil um feminicídio a cada seis horas", lembra a deputada estadual Flávia Francischini (União Brasil) | Foto: Valdir Amaral/Alep

Francischini diz que as mulheres têm mais sensibilidade para as causas sociais. “Uma habilidade que faz diferença em todas as esferas. As mulheres têm essa inteligência, um olhar sensível para causas importantes da sociedade, com condições de promover uma política mais humanizada. A presença das mulheres na política reforça que todos somos iguais, que também somos capazes de fazer e estar onde, quando e com quem quisermos. Garantir a presença da mulher na vida pública política é um dever e um compromisso.” Na quinta-feira (7), a Assembleia realizou uma solenidade em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, convocada pela parlamentar.

Maria Victoria (PP), deputada estadual que está em seu terceiro mandato, avalia que é preciso avançar na proteção. “A bancada feminina da Assembleia Legislativa, a maior da história, trabalha unida durante o ano inteiro em todas as ações que envolvem as causas femininas. Já avançamos muito em termos de legislação, na ocupação de lugares e na representatividade, porém ainda há muito a ser feito, principalmente para garantir proteção e os direitos das mulheres.”

“O mês das mulheres é mais do que uma comemoração, é um convite para a sociedade refletir, reconhecer e se unir por mudanças", afirma a deputada estadual Maria Victoria (PP)
“O mês das mulheres é mais do que uma comemoração, é um convite para a sociedade refletir, reconhecer e se unir por mudanças", afirma a deputada estadual Maria Victoria (PP) | Foto: Valdir Amaral/Alep

Para a parlamentar, é preciso lembrar a luta de ativistas do passado e promover a união entre as mulheres para que haja mais mudanças. “O mês das mulheres é mais do que uma comemoração, é um convite para a sociedade refletir, reconhecer e se unir por mudanças. É o momento de lembrar as mulheres do passado, que desafiaram as normas e os padrões. E de celebrar as mulheres do presente, que constroem o futuro.”

Uma das sete mulheres na Câmara de Londrina, a vereadora Lenir de Assis (PT), destaca que "a trajetória de participação política feminina tem avanços significativos, desde o primeiro voto feminino, em 1934, resultado da luta de mulheres corajosas, até elegermos uma representante nossa para a Presidência da República, Dilma Rousseff".

"Exige levarmos o debate sobre o voto na mulher para as comunidades, grupos familiares, de trabalho, de amigos; exige a educação de meninas e meninos no sentido de que a política é lugar de mulher”,  reforça a vereadora londrinense Lenir de Assis (PT)
"Exige levarmos o debate sobre o voto na mulher para as comunidades, grupos familiares, de trabalho, de amigos; exige a educação de meninas e meninos no sentido de que a política é lugar de mulher”, reforça a vereadora londrinense Lenir de Assis (PT) | Foto: Fernando Cremonez/Secom/CML

Assis avalia que há dispositivos importantes na legislação para ampliar a participação da mulher na política. Mas a presença na política ainda é muito tímida. "Se pegarmos os números da última eleição, somos apenas 9% na Câmara de Deputados, 10% no Senado; apenas duas governadoras; 673 prefeitas, 9 mil vereadoras. E não temos diversidade, que é pilar da democracia. Onde estão as negras, as indígenas, as jovens? São pouquíssimas", afirma.

Para a vereadora, o avanço na participação política da mulher exige um posicionamento firme contra sexismo, misogenia, violência de gênero na política. "Exige levarmos o debate sobre o voto na mulher para as comunidades, grupos familiares, de trabalho, de amigos; exige a educação de meninas e meninos no sentido de que a política é lugar de mulher.”