O texto aprovado na Câmara dos Deputados retomou a maior parte das benesses aos partidos e que haviam sido derrubadas pelo Senado
O texto aprovado na Câmara dos Deputados retomou a maior parte das benesses aos partidos e que haviam sido derrubadas pelo Senado | Foto: iStock

O financiamento das campanhas eleitorais brasileiras está no centro dos principais problemas da classe política nos últimos anos. Os esquemas de corrupção para o pagamento dos custos dos candidatos e os casos de caixa dois são práticas recorrentes e combatidas nas últimas décadas. Com a proibição do pagamento dos custos por empresas, coube aos cofres públicos cobrir todos os gastos. A medida é polêmica em meio a um cenário nacional de arroxo para o cidadão, mas o tema ganhou aspecto ainda mais delicado com o projeto de reforma eleitoral, aprovado na última quarta-feira (18), na Câmara dos Deputados. O texto que segue para a sanção presidencial retomou a maior parte das benesses aos partidos aprovadas pelos deputados no início do mês e que haviam sido derrubadas pelo Senado em votação na terça-feira (17).

Um dos pontos mais polêmicos é a permissão expressa para que partidos políticos usem verbas públicas para adquirir bens móveis e imóveis, como mansões, helicópteros, aviões e carros de luxo. Também foram incluídas a autorização para os políticos usarem o fundo partidário para pagar advogados e contadores – o que seria uma forma de permitir caixa dois -, além de quitar multas eleitorais. O enorme esforço dos deputados em afrouxar a transparência e o controle sobre partidos acabou deixando de fora a aprovação do limite de gastos de campanha para os candidatos a prefeito e a vereador nas eleições em 2020. O prazo para a decisão vence no dia 3 de outubro, mas não parece haver mobilização para essa votação no Congresso. Ficam em aberto dois cenários: o primeiro é a definição pelo próprio TSE (Tribunal Superior Eleitoral), e o segundo é não estabelecer um teto, o que privilegiaria os candidatos mais ricos.

CRÍTICAS

O advogado Alexandre Melatti, especialista em Direito do Estado, integrante da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Londrina, alerta que as decisões provocam ainda mais uma discussão na sociedade sobre a responsabilidade dos custos das campanhas. “Talvez seja preciso repensar o modelo. Voltar ao financiamento privado, aumentando a transparência. O que fica difícil é imaginar que esses recursos poderiam ser usados para a saúde ou educação”, avalia Melatti. O advogado ainda vê como ponto polêmico a compra de passagens aéreas até para não filiados e a aquisição de sedes partidárias. “O fundo partidário tem como objetivo a manutenção do partido, bem como a difusão de sua ideologia. Esse tipo de compra é um desvio da finalidade”, opina o advogado, que ainda acredita que o pagamento de multa com fundo partidário contraria o entendimento consolidado do TSE.

O promotor de Justiça por São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, criticou duramente as mudanças feitas pelos deputados. “Isso é uma avenida aberta para a prática de caixa dois e lavagem de dinheiro, sem sombra de dúvida. Tudo isso escancara uma porta para o total descontrole das contas. O uso irresponsável, aberto, o uso coringa do dinheiro público, que deixou de ser investido em educação, em saúde, em segurança, fica cada vez mais aberto e na direção oposta do que seria desejável”, aponta o especialista. Outra crítica apontada por Livianu mostra um possível benefício para os fichas-sujas. Isso porque a mudança estabelece a data da posse como marco para aferição sobre se o candidato reúne condições jurídicas para se candidatar. “Os eleitores vão votar às cegas. Isso desfigura a própria razão de ser da Lei da Ficha Limpa. O sentido dessa lei é ter uma ferramenta legal para filtrar”, afirma Livianu.

INTERPRETAÇÕES

Entre os parlamentares, a decisão sobre a mudança das regras para o uso dos fundos eleitoral e partidário causaram divergências. Antes mesmo de chegar à Câmara, o projeto havia passado por mudanças no Senado. A mais polêmica delas não foi retomada pelos deputados e previa a utilização de modelos próprios de prestação de contas. Atualmente, a Justiça Eleitoral disponibiliza o Sistema de Prestação de Contas Anual para a prestação de contas. “Foi aprovado um texto que melhorou em relação ao texto inicial da Câmara dos Deputados. Tiramos as principais polêmicas. Outras ainda existem. Cabe ao presidente agora decidir o que sanciona e o que veta. Entendemos que a maior parte do texto representa um avanço”, disse Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, após a aprovação pela Casa.

O senador Flavio Arns (REDE-PR) já havia feito críticas ao projeto durante as discussões no Senado. Ele aponta que o tema não deveria ser decidido com pressa e que os parlamentares deviam rever a permissão do uso do dinheiro do fundo eleitoral para pagamentos de multas e advogados de partidos políticos. “A sociedade está atenta. Foram levantados vários descalabros em relação a esse projeto, que é totalmente contra aquilo que todo mundo deseja: que o dinheiro seja utilizado para as áreas que estão enfrentando dificuldades, como a Capes e CNPq, por exemplo. Usar esse recurso financeiro para beneficiar partidos políticos é um absoluto absurdo”, critica.

Em concordância com o seu partido, o Cidadania, o deputado paranaense Rubens Bueno votou contrário e lembra que a legenda se posicionou para vetar o projeto nas duas vezes que passou pela Câmara. “O que precisa ser refletido é o financiamento de campanha, que se tornou um problema no mundo todo. Quando foi retirado o financiamento de empresas em 2016 por conta da Lava Jato, abriu caminho para o fundo eleitoral, que se mostrou mais viável, mas ainda temos muito o que debater, talvez um sistema misto”, diz o parlamentar, que não acredita que o texto abre brechas para caixa dois. “Hoje a fiscalização é muito rigorosa. A Justiça está aí para mostrar que todo cuidado é pouco. Quem o fizer vai sofrer com as multas, processo e impedimentos. Não é esse o caminho”, pondera.

Outro paranaense, o petista Enio Verri, votou a favor das mudanças das regras para os fundos de manutenção dos partidos políticos. Em sua opinião, o projeto não deixa brechas e diminui os entraves do texto anterior. “Me sinto muito tranquilo com meu voto. O que vi é que as regras são muito menos engessadas. Antes você só podia fazer uso de um dos fundos para contratar advogado ou um contador, hoje é possível com os dois. Acredito que a lei mantém o acesso das informações aos órgãos de controle e da própria sociedade que queria acompanhar os gastos dos partidos”, conclui. (Com Folhapress e colaboração de Guilherme Marconi).