As mudanças que serão propostas pelo governo federal na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) de estados em projetoa ser enviado ao Congresso poderão trazer benefícios a médio prazo, mas exigirão uma adequação por parte dos gestores públicos. Entre as medidas sugeridas pelo Ministério da Fazenda está a exigência para que estados e municípios fechem suas contas no azul todos os anos – atualmente isso é exigido somente no fim da gestão. Cidades com mais de 200 mil habitantes passariam a ter aval da União para acesso a crédito (hoje limitado a municípios com mais de 1 milhão de habitantes).

As medidas fazem parte do “Novo Ciclo de Cooperação Federativa”, proposta apresentada na quinta-feira (27) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pelo secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron. São cinco eixos: facilitar o acesso a crédito por parte dos gestores; apoio a municípios de médio e pequeno porte; apoio a Parcerias Público-Privadas (PPPs) e a concessões; valorização de boas práticas contábeis; e alterações na LRF e no RRF. A maior parte das alterações depende de aprovação no Congresso e o pacote deverá começar a ser analisado após o recesso parlamentar, a partir do dia 1º de agosto.

As medidas fazem parte do “Novo Ciclo de Cooperação Federativa”, proposta apresentada na nesta semana pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pelo secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron
As medidas fazem parte do “Novo Ciclo de Cooperação Federativa”, proposta apresentada na nesta semana pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e pelo secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron | Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

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Uma das ideias é beneficiar municípios com mais de 200 mil habitantes, que melhorariam sua classificação no ranking de Capacidade de Pagamento do Tesouro Nacional. Essas cidades teriam o aval da União para acessarem empréstimos ou financiamentos para investimento em infraestrutura e serviços. Os municípios, no entanto, terão que ter superavit todos os anos. Para atingir o melhor índice de capacidade de investimento, os cofres municipais precisarão fechar o ano com um valor equivalente a 7,5% de sua receita corrente líquida em caixa.

Imagem ilustrativa da imagem Mudanças na LRF propostas pelo governo exigirão nova forma de gestão
| Foto: Ricardo Stuckert/PR

“A ideia é que o gestor não termine o ano sem previsão de recursos para o próximo ano, isso vai trazer uma grande melhora para o equilíbrio das contas”, diz a advogada e professora da UFPR Angela Cassia Costaldello, ex-procuradora do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Paraná. “Essa mudança poderá se adicionar a outros mecanismos. Se houver uma adequação, estados e municípios poderão acessar operações de crédito com custos e juros menores”.

Esse processo poderá levar a uma melhor distribuição dos recursos e incentivar a participação da iniciativa privada, avalia a advogada. “Hoje temos uma pirâmide invertida, a União tem mais recursos e os municípios menos, mas as necessidade são inversamente proporcionais. É preciso buscar um equilíbrio interfederativo. Municípios e estados poderão ter mais créditos ao celebrar contratos de parcerias público-privadas, com isso diminui o risco para a iniciativa privada. Vai ter uma maior atratividade”.

Poucas mudanças

Já o secretário de Fazenda de Londrina, João Carlos Perez, diz ver poucas possibilidades de grandes mudanças com as medidas apresentadas. Ele destaca que muitos dos mecanismos já estão previstos na LRF e na lei de improbidade administrativa. “Os municípios já têm o monitoramento pelos tribunais de contas e pelos órgãos de controle. A lei estabelece que não pode deixar o governo com restos a pagar. O governo está cogitando o fechamento no azul todos os anos, mas talvez não surta o efeito esperado no Paraná”.

A exigência de no mínimo 7,5% de receita corrente líquida em caixa para os municípios melhorarem sua posição no ranking de capacidade de pagamento e terem mais acesso a recursos, segundo Perez, poderia deixar de fora uma cidade como Londrina, que tem fechado suas contas no azul. “É um índice difícil de atingir, não são todos os municípios do país que atendem esse requisito, talvez só os maiores. No ano passado fechamos com R$ 117 milhões de superávit, o maior já registrado na cidade. Ainda assim, analisando a proposta, teríamos que ter cerca de R$ 175 milhões”.

Na análise do Ministério da Fazenda, a medida poderia atingir 400 municípios em todo o país. Para Perez, o número seria bem menor. “Pelo que temos visto, o efeito prático seria para 36 municípios”, afirma o secretário. “Seria uma alteração para atender, a princípio, 36 municípios e seis estados. Não é uma reforma profunda”.

A FOLHA também procurou repercutir as possíveis mudanças na LRF com os secretários municipais de Fazenda de Curitiba e Maringá. O primeiro preferiu não se manifestar e o outro não retornou até o fechamento da edição.

Secretário de Londrina defende novo pacto federativo

Outro ponto destacado pela professora na UFPR e ex-procuradora do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Paraná, Angela Cassia Costaldello, é a proposta de redução do valor mínimo para operações com garantia da União, que hoje é de R$ 30 milhões. A ideia do governo é reduzir o valor mínimo para R$ 20 milhões ou para R$ 10 milhões, no caso de PPPs, o que pode beneficiar cidades de médio e pequeno porte. “Mais municípios poderão empreender e ter obras com essa redução do valor. Sempre vimos municípios sem condições e sem nenhum tipo de auxílio por parte do governo do estado ou da União”.

Costaldello diz não acreditar que as mudanças defendidas pelo governo federal possam engessar as gestões. “O argumento do engessamento sempre vai existir, mas é uma ideia que poderá melhorar a gestão, a infraestrutura e o atendimento à sociedade, além de incentivar a participação da iniciativa privada. A ideia não é engessar, mas fornecer mecanismos para estados e municípios poderem empreender mais e terem mais flexibilidade para fazer projetos”, diz. “É uma medida dura de controle, mais vai fazer com que o gestor repense o planejamento. Parece uma medida pequena, mas vai exigir muito dos gestores dos municípios”.

Novo pacto

Para o secretário municipal de Fazenda de Londrina, João Carlos Perez, seria necessário pactuar uma nova forma de distribuição dos recursos, que hoje ficam concentrados na União. “A forma de distribuição de receita entre os entes é muito injusta. Se for para melhorar, é preciso fazer um novo pacto federativo. Além de uma melhor distribuição, é preciso fazer a reforma administrativa, e acredito que a reforma tributária trará resultados positivos. Só mudar critérios não adianta. Não acredito que terá esse efeito de gerar investimentos”.

Segundo Perez, que é servidor de carreira do Município, as contas de Londrina ganharam um fôlego nos últimos anos em função do aumento no número de empresas e da revisão do IPTU, em 2018. “Nos últimos anos, com a revisão da Planta Genérica, tivemos um fôlego. Londrina vive um momento positivo em relação a empresas e temos um crescimento na arrecadação com o ISS, temos equilíbrio fiscal, mas com muita cautela. Não é porque fechou no azul no ano passado que neste ano vai fechar. São muitas demandas para atender e tem que ter cuidado para não fechar no vermelho”.