Uma frase atravessou os séculos dita nos mais diferentes idiomas que resume a base do racionalismo: “penso, logo existo”. A célebre frase do pensador francês René Descartes em resumo define que a dúvida e a razão humana possibilitam o conhecimento verdadeiro. Para isso, é preciso embasamento teórico e conhecimento das mais diferentes ciências e, em especial, as que refletem sobre o funcionamento e pensamento da sociedade, como a Sociologia, a Filosofia e as artes. As três matérias que compõem o currículo do ensino médio estão sob o risco de serem reduzidas para os alunos na rede estadual de educação do Paraná. A Instrução Normativa Conjunta nº 11/2020, da Seed (Secretaria de Estado da Educação e do Esporte), diminuiu de duas para uma hora-aula semanal a carga horária das três disciplinas para ceder espaço para Educação Financeira. A medida deixou a oposição ao governo Ratinho Junior (PSD) em ebulição e já age para reverter a situação.

Imagem ilustrativa da imagem Mudança em grade curricular do Estado gera debate político
| Foto: Daliê Felberg/Alep

Na terça-feira (26), uma audiência pública na AL (Assembleia Legislativa do Paraná) liderada pelo deputado Professor Lemos (PT) reuniu importantes instituições relacionadas à área da educação e até a OAB/PR (Ordem dos Advogados do Brasil) para debater o tema e encontrar soluções. O grupo – formado pelos deputados Arilson Chiorato (PT), Luciana Rafagnin (PT), Goura (PDT), Tadeu Veneri (PT), Requião Filho (MDB) e Anibelli Neto (MDB) – acabou por deliberar cinco ações. Entre elas, tentam sustar a decisão do governo e garantir às disciplinas suprimidas uma carga horária mínima de duas horas-aulas semanais. Há ainda outras medidas que cobram explicações por parte do poder Executivo. “Foi uma audiência muito boa, com a participação de núcleo de universidades e do Ministério Público. Pretendemos atacar o tema em várias frentes, inclusive judicialmente, assim como encorajar as instituições relacionadas a fazerem o mesmo”, explica Lemos, em conversa com a FOLHA.

Neste caminho, irá a APP-Sindicato (Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná). “Temos buscado fazer toda a pressão com o Conselho Estadual de Educação, com o apoio da Assembleia. Mesmo assim, o governo insiste em manter essa regra normativa, por isso pretendemos fazer uma ação judicial para reparar a ação em curso”, afirma o presidente da instituição, o professor Hermes Leão. A instituição antevê um grande prejuízo para os alunos da rede pública. “O governo Ratinho Junior penaliza os estudantes da rede pública, que são os mais pobres. Privar os estudantes de ter mais contato com a arte, com a reflexão das ciências sociais e se aprofundarem os deixa em desvantagem para os filhos dos grupos mais abastados que frequentam colégios que têm, com contra turno, seminários e maratonas de reflexão”, detalha.

RANKING

Líder da oposição, Lemos defende que a Secretaria de Estado da Educação e do Esporte não precisaria propor a redução de nenhuma das matérias para que pudesse implantar outra. Segundo ele, a grade de horários poderia perfeitamente ampliar sua abrangência com o número maior do que 25 aulas por semana. “Poderia fazer um período um pouco maior, com algum dia com um número maior de aulas. A rede privada mesmo faz isso”, diz. O deputado ainda alerta sobre o que considera um projeto do governador, em ser o estado com melhor desempenho no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). “O secretário de Educação, Renato Feder, assumiu um compromisso. O Paraná já é o terceiro no índice, mas as medidas para chegar em primeiro são questionáveis. Isso porque a avaliação analisa o desempenho em Língua Portuguesa e a Matemática, o que se tornou a única preocupação. Como resultado, haverá um prejuízo na formação plena do estudante”, alerta.

Também parte da oposição e contrário à nova norma na Educação, o deputado Goura alerta que as decisões do Paraná apontam para um caminho aliado à agenda de costumes defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a ala ideológica de seu governo. “A própria carta assinada por vários governadores pedindo agilidade no processo de vacinação contra a Covid-19 o Ratinho Junior se omitiu a assinar. Acho que essa tentativa de substituir as matérias demonstra o alinhamento do governador com uma pauta nacional que visa o demérito das Ciências Humanas”, critica. Goura ainda acredita que qualquer novo tema pode e deve ser incluído na grade escolar. “Há mil possibilidades de incluir formação financeira, assim como programação e tecnologia da informação. É possível trabalhar de forma transversal, em todas as disciplinas, não precisa criar essa falsa disputa entre uma coisa e outra”, aponta.

JUSTIFICATIVA

Responsável pelo debate na Assembleia, a Comissão de Educação é presidida pelo líder do governo na Casa, o deputado Hussein Bakri (PSD). Ele afirma que o grupo sempre terá um espaço de debates com todos os atores do setor. “As decisões tomadas pela Seed para o ano letivo de 2021 foram embasadas em um levantamento técnico da pasta que, ao avaliar a quantidade de disciplinas distribuídas por áreas de conhecimento, detectou a necessidade de maior equidade na carga horária, uma vez que o conteúdo de Humanas ocupava maior peso na matriz curricular”, explica. A respeito da inclusão de Educação Financeira e da ampliação das aulas de Língua Portuguesa e Matemática para quatro e três aulas semanais respectivamente, Bakri explica que foi necessário fazer tais ajustes, pois não existia um padrão da matriz curricular nas 2,2 mil escolas da rede estadual. “Ampliar a carga horária demandaria mais investimentos, o que, neste momento, não é possível em virtude da queda de arrecadação provocada pela pandemia”, justifica.

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| Foto: Orlando Kissner/Alep

Questionada sobre um possível debate em relação ao tema, a Secretaria de Estado da Educação e do Esporte afirmou, por meio de nota, que está em conversa com professores e educadores sobre a alteração de carga horária da matriz curricular do Ensino Médio. A mudança padronizou a oferta de aulas na rede estadual, garantindo que os estudantes de todas as séries do Ensino Médio do Estado tenham as 13 disciplinas no total, contemplando todos os estudantes com todas as matérias. “A disciplina de Artes, por exemplo, passa a ser lecionada em todas as três séries do Ensino Médio. Além das alterações citadas, há também a garantia de quatro aulas semanais de Língua Portuguesa e três de Matemática para toda a Rede Estadual - o que vai permitir o aprofundamento destas disciplinas. A disciplina de Educação Financeira, por exemplo, foi inserida como uma das quatro horas dedicadas à Matemática”, explica.