Para a cientista política e professora universitária Karolina Roeder, a maioria dos partidos está legislando mais uma vez em causa própria ao atuar em conjunto para aprovar mudanças nas regras eleitorais. “A esquerda e a direita estão se unindo para anistiar os próprios partidos, ou seja, eles mesmos”, criticou a doutora em Ciência Política. “Foi a terceira anistia dada aos partidos. Eles estão olhando para 2024, para que não sejam punidos, como estamos vendo agora, com cassações por causa de fraudes nas cotas de gênero. Mudam a lei para não terem problemas futuros”.

Para valer já nas eleições municipais de 2024, as novas regras eleitorais devem ser aprovadas pelo Congresso até 5 de outubro.

Ela diz não ver necessidade de uma grande reforma, mas de respeito às regras estabelecidas nos anos anteriores. “Reformas pontuais ajudam, como a obrigação de destinar ao menos 30% do Fundo Eleitoral para campanhas de mulheres e o fim das coligações proporcionais. Pequenas mudanças já ajudam, mas deveríamos ter menos mudanças. O problema é que no Brasil temos mudanças a cada dois anos no mínimo. Não dá tempo para os eleitores e classe política assimilarem as regras”.

Especialista em Direito Eleitoral, a advogada Juliana Bertholdi diz ver com preocupação a nova regra para punir partidos com contas rejeitadas ou que não apresentem a prestação de contas. “Atualmente, há possibilidade de sanção aos partidos em qualquer período e eles devem prestar contas todos os anos, se tiver algum problema pode haver o bloqueio total do Fundo Partidário. A nova previsão é que não serão aplicadas sanções a partidos no segundo semestre de anos eleitorais. O partido poderá continuar manipulando recursos e empenhando contas, isso me parece um certo desprezo com o dinheiro público”.

Para a advogada, falta unidade à legislação eleitoral. Segundo estudo dos pesquisadores Arthur Fisch e Lara Mesquita, da Fundação Getúlio Vargas, em 14 anos o Congresso Nacional aprovou 19 alterações. “A legislação eleitoral tem partes anteriores à Constituição de 1988, leis fundamentais da década de 1990 e uma série de emendas”, explicou Juliana Bertholdi. "Ao invés de concentrar essas normativas, como hoje é com o Código Penal e o Código Civil, o Congresso passa mais uma vez uma reforma apressada, sem um debate profundo. Ao invés de tentar transformar em um sistema coeso, adiciona ainda mais retalhos a essa colcha”, critica.

Candidaturas femininas

A ofensiva poderá prejudicar ainda mais a representação feminina no Legislativo, avaliam especialistas. O PL 4.438 permite que recursos reservados para campanhas de candidatas poderão custear “despesas comuns”, o que poderá acabar favorecendo candidatos homens. O projeto determina ainda que o mínimo de 30% para candidatas mulheres deve ser cumprido por federação de partidos, e não por partido, como é atualmente.

Além de descumprirem a regra que estabelece o mínimo de 30% dos recursos para mulheres nas últimas eleições, alguns partidos foram acusados de utilizar candidatas laranjas para cumprir as cotas de candidaturas femininas. Há a suspeita de que os recursos destinados a essas candidatas teriam sido utilizados em outras campanhas – seria o caso do “laranjal do PSL”, partido pelo qual o presidente Jair Bolsonaro foi eleito em 2018.

Além de anistiar os partidos que desrespeitaram as cotas, a PEC 9/2023 prevê ainda uma reserva de 20% para mulheres no Legislativo, o que é considerado um índice muito baixo. “Se pensarmos na quantidade de mulheres na população e no eleitorado, teria que reservar metade das cadeiras”, diz a professora de Direito Constitucional e Direito Eleitoral Eneida Desiree Salgado. “Para permitir de fato que as mulheres disputem com igualdade, seria preciso distribuir os recursos de maneira mais igualitária e antecipadamente. Mas propor 20% das cadeiras é um acinte”.

Subvertendo regras

Segundo a cientista política Karolina Roeder, os partidos vêm subvertendo as regras desde 2009, quando a norma foi instituída. “Essa obrigatoriedade é muito recente e também a punição, só agora os partidos estão sendo penalizados pelas fraudes com candidaturas laranjas em 2018. A Justiça Eleitoral está penalizando, então eles (os partidos) responderam com uma mudança na lei. Muda-se a lei para que o partido não precise se organizar e mudar seu perfil, que é branco e masculino”.