Brasília - O Ministério Público Federal determinou a abertura de inquérito na Polícia Federal para investigar mais um golpe gigantesco nos cofres públicos. A fraude, já detectada e confirmada por uma sindicância interna do Ministério das Relações Exteriores, envolve um departamento da própria pasta, a empresa de turismo Voetur, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e funcionários públicos.
O desvio até agora mapeado, apenas no ano de 2000, é da ordem de R$ 30 milhões, podendo passar de R$ 100 milhões. As suspeitas e evidências, contidas em documentos obtidos com exclusividade pela reportagem, são de que o golpe pode ter sido aplicado de forma continuada entre 1997 e 2003, com ramificações também em outros ministérios.
O esquema funcionava assim: a Voetur, empresa que venceu em 1997 licitação para fornecer passagens aéreas e infra-estrutura para viagens de funcionários que trabalham programas executados em parceria entre o governo brasileiro e o PNUD, deixava de dar baixa nos bilhetes cancelados, devolvidos, substituídos ou por algum motivo não utilizados. Em vez disso, mandava a fatura para o órgão do Itamaraty encarregado dos pagamentos, como se a viagem tivesse sido feita. Um ano depois de receber o dinheiro, a empresa dava baixa no bilhete cancelado apenas na Infraero e nas empresas aéreas, sem comunicar o fato ao órgão pagador ou ao Itamaraty, embolsando o dinheiro.
Só no ano de 2000 estão sendo investigadas 12 mil viagens com suspeitas de irregularidades, a maior parte faturada pela Voetur sem que tivessem ocorrido. ''É como se fosse um esquema de viagens virtuais, realizadas apenas no sistema de controle eletrônico do governo'', comparou o presidente do Sindicato das Empresas de Turismo do Distrito Federal, Raimundo Fontenele Mello, autor da denúncia original.
O dinheiro, porém, era de verdade e serviu para o dono da Voetur, Carlos Alberto de Sá, ampliar seu patrimônio pessoal e o da empresa. Com 19 anos de atuação, a Voetur deslanchou nos últimos dez anos, quando se tornou uma holding com faturamento de mais de R$ 200 milhões ao ano. Além da Voetur Turismo, o grupo controla uma operadora, uma transportadora de cargas, uma promotora de eventos, uma empresa de táxi-aéreo, com frota própria de três aeronaves e uma locadora de carros. Possui ainda um hangar no Aeroporto de Brasília e participação em outras empresas.
O Ministério Público quer também dimensionar o patrimônio do empresário e investigar os indícios de enriquecimento ilícito já levantados contra ele. Para tanto, pediu à Receita Federal um pente-fino na contabilidade das empresas do grupo Voetur, de Carlos Alberto e de dois servidores públicos do Itamaraty acusados de envolvimento direto com as fraudes.