MP envia recomendação sobre abordagem a moradores de rua
Documento pede à Prefeitura que a ‘simples situação de rua’ não seja ‘utilizada como prática para abordagens’
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025
Documento pede à Prefeitura que a ‘simples situação de rua’ não seja ‘utilizada como prática para abordagens’
Douglas Kuspiosz - Reportagem Local

O MPPR (Ministério Público do Paraná), por meio da 24ª Promotoria de Justiça, e a DPE-PR (Defensoria Pública do Estado do Paraná) enviaram uma recomendação à Prefeitura de Londrina sobre as abordagens das pessoas em situação de rua no âmbito da operação Choque de Ordem, uma das primeiras ações da gestão do prefeito Tiago Amaral (PSD), lançada no dia 3 de janeiro.
O documento ressalta que é necessário diferenciar as abordagens realizadas pelas forças de segurança das abordagens sociais, que têm como finalidade a construção de vínculos com as pessoas em situação de rua.
“Sem descurar dos objetivos institucionais de cada pasta, as ações com uso das forças de segurança devem ser realizadas de maneira excepcional, já que a segurança pública não deve ser a porta de entrada da pessoa em situação de vulnerabilidade à rede de proteção”, ponderam as instituições. Uma reunião no último dia 28 com as pastas de Defesa Social, Assistência Social e Saúde discutiu os impactos da Choque de Ordem e a importância de ações intersetoriais para essas pessoas.
Até o dia 3 de fevereiro, a GM (Guarda Municipal), no âmbito da Choque de Ordem, havia abordado 550 pessoas e prendido 38, sendo 30 por tráfico de drogas e oito por mandados de prisão em aberto. As equipes fiscalizam 68 locais. O foco inicial foi o quadrilátero central, mas se expandiu para os bairros e distritos de Londrina.
Em meio à prioridade da abordagem social, as instituições ressaltam que a atuação das forças de segurança "deve ocorrer exclusivamente em situações de flagrante delito, a fim de que condutas estigmatizantes sejam evitadas e que revistas pessoais não sejam realizadas apenas baseadas em 'atitude suspeita'".
O documento pede que o município se abstenha de realizar atuações que impliquem "remoção e expulsão de pessoas em situação de rua dos logradouros públicos” e que não retire os pertences dessas pessoas. Também, que, nos espaços de atendimento aos moradores de rua, "não haja atuação da Guarda Municipal ladeada com profissionais dos demais serviços", vedando ainda “a conferência de antecedentes e/ou mandados de prisão nos locais de acolhimento e atendimento social e de saúde, sob pena de se obstaculizar a criação de vínculo dos cidadãos e a eficácia do atendimento”.
A recomendação aponta que cabe à GM a “proteção de bens, serviços e instalações municipais” e que, se constatada a necessidade de acompanhamento pelos agentes para resguardar o patrimônio, a equipe ou o serviço, eles devem atuar “na forma de retaguarda nas abordagens sociais”, não sendo os primeiros a realizarem o atendimento.
Outro pedido das instituições é que a simples situação de rua não seja utilizada como prática para abordagens “com base em fundadas suspeitas” e que uma política de habitação e moradia seja incluída no planejamento dos serviços para essas pessoas.
Respondendo a um pedido de informações da 24ª Promotoria, no dia 15 de janeiro, a Prefeitura afirmou que a operação não é voltada aos moradores de rua, mas à identificação de locais utilizados para tráfico de drogas e outros crimes. Quando algum morador de rua é encontrado em imóveis abandonados, por exemplo, eles são identificados e qualificados, segundo a resposta ao MPPR. “Em caso de flagrante de delito ou verificação de mandado de prisão em aberto, as pessoas são encaminhadas às autoridades policiais”, pontuou a Prefeitura.
A promotora Susana de Lacerda afirma que, apesar de a operação ser focada em vias públicas e em mocós, as abordagens das pessoas em situação de rua acabaram acontecendo ao longo do último mês.
“A nossa preocupação é que essa abordagem seja realizada dentro daquilo que o Supremo Tribunal Federal diz, dentro do que é permitido. O objetivo [da recomendação] é orientativo, de aproximação das instituições, para que a gente possa trabalhar de forma conjunta”, dizendo ser necessário separar a abordagem social da repressiva.
Lacerda destaca que a Promotoria recebeu algumas reclamações sobre a operação, mas que o intuito com a recomendação é se aproximar da administração municipal. “O objetivo não foi de punição, mas, sim, de deixar claro quais são as normativas, o que pode ser feito e como podemos trabalhar juntos”, reforça.
FURTOS E ROUBOS
De acordo com a promotora, muitos casos de furtos e roubos na área central de Londrina estão atrelados ao uso de drogas, que não ocorre apenas com moradores de rua. A insegurança no quadrilátero central foi um dos motivos para a deflagração da Choque de Ordem.
“Quando se tem operações de repressão, vai se ter uma pulverização dessas pessoas, que mais dia, menos dia, vão voltar para o centro. O que se observou com a Choque de Ordem foi um espalhamento dessas pessoas, que foram para a Vila Brasil e outros locais. Inclusive, recebi reclamações aqui na Promotoria”, frisa Lacerda.
“É preciso entender que as pessoas não desaparecem, elas não se tornam invisíveis, elas vão continuar existindo. Isso é uma problemática que temos em Londrina, em São Paulo, em Belo Horizonte, em Nova York, em Chicago… temos que trabalhar com moradia, com educação, com trabalho. Não é um processo fácil, principalmente quando está relacionado ao vício”, continua.
A promotora ainda reconhece que os moradores da área central sofrem com a insegurança, mas que não existe “processo mágico” para mudar o cenário. “É um processo com muito trabalho e investimento nessas pessoas. Investimento que não houve no decorrer da vida delas e agora é esse o preço que estamos pagando”, completa.
Nota da Defensoriaa Pública do Paraná
O Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (NUCIDH) da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) informa que encaminhou, nesta segunda-feira (10), juntamente com o Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR), um ofício à Prefeitura de Londrina sobre o atendimento oferecido a pessoas em situação de rua.
A DPE-PR ressalta que permanece em diálogo e trabalha em conjunto com as demais instituições envolvidas para a construção de um plano de atuação que resguarde os direitos das pessoas em situação de rua.
No documento, as instituições enviaram recomendações quanto à necessidade de garantir a adequação dos serviços municipais no contexto de operações de segurança pública. O ofício destaca a importância de promover ações intersetoriais entre a Secretaria de Defesa Civil, a Secretaria de Assistência Social e a Secretaria de Saúde.
OUTRO LADO
A reportagem procurou a Prefeitura de Londrina, que disse que o documento do MPPR e da DPE-PR foi recepcionado e encaminhado "para as áreas competentes".

