São Paulo - A organização do movimento negro Uneafro Brasil acionou o Ministério Público de São Paulo após o vazamento de áudios de teor sexista atribuídos ao deputado estadual Arthur do Val (Podemos). A entidade afirma haver neles indícios de "de atuação do deputado em incentivo ao turismo sexual".

As mensagens, que supostamente teriam sido enviadas pelo pré-candidato ao Governo de São Paulo durante viagem à Ucrânia, começaram a ser compartilhadas em grupos de WhatsApp nesta sexta-feira (4).

Nelas, o parlamentar teria afirmado que as ucranianas são "fáceis" de pegar por serem pobres —e que a fila de refugiados da guerra tem mais mulheres bonitas do que a "melhor balada do Brasil".

Na denúncia, a Uneafro também pede que o Ministério Público investigue se há ligação entre o MBL e grupos da extrema direita ucraniana, associados à propagação de ideologia nazista. A entidade rememora o fato de o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) ter afirmado que o nazismo não deveria ser considerado crime no Brasil, durante entrevista ao Flow Podcast.

O documento ainda questiona o fato de Arthur do Val ter publicado, na quinta-feira (3), uma foto em que aparece sentado ao lado de dezenas de garrafas de vidro supostamente destinadas à produção de coquetéis molotov. Segundo o parlamentar, o registro foi feito na Ucrânia.

"Nunca imaginei que um dia nessa vida ainda faria coquetéis molotov para o Exército ucraniano", escreveu na legenda da fotografia.

"Um deputado estadual publicou uma foto e anunciou que está produzindo coquetel molotov para atacar um país com quem temos relações diplomáticas. E se fosse um deputado negro? Como estaria a opinião pública? O Itamaraty se posicionará? Isso foi acordado com a diplomacia brasileira? Essa viagem é descabida e uma afronta aos eleitores paulistas, que pagam o salário desse deputado", afirma o cofundador da Uneafro Douglas Belchior.

A entidade também promete entrar com reclamação na Comissão de Ética da Assembleia Legislativa do de São Paulo.

Como antecipado pela coluna, a cúpula do MBL já está analisando os áudios atribuídos a Arthur do Val.

Ele se encontra num voo rumo ao Brasil, segundo o movimento, que diz que não conseguiu contato com ele e por isso ainda não se manifestou.

A voz dos áudios é idêntica à do deputado, mas integrantes da organização afirmam não terem recebido as mensagens em seus grupos de WhatsApp.

Pelo menos um deputado da Assembleia Legislativa de São Paulo, porém, diz ter conversado com ele sobre o assunto. Mamãe Falei teria se mostrado muito preocupado com as consequências de sua fala, segundo o mesmo parlamentar.

Em um dos áudios atribuídos a Mamãe Falei, são feitas várias afirmações sobre a beleza das mulheres ucranianas, chamadas de "deusas". "Mano, eu tô mal. Tô mal, tô mal. Eu passei agora, são quatro barreiras alfandegárias. São duas casinhas em cada país. Mano, eu juro para vocês, eu contei: foram 12 policiais deusas. Deusas. Mas deusa assim que você casa e você faz tudo o que ela quiser. Eu tô mal, cara", afirma um deles.

"Assim, não tenho nem palavras para expressar. Quatro dessas eram minas assim que você tipo... Mano, nem sei te dizer. Se ela cagar, você limpa o c* dela com a língua. Inacreditável. Inacreditável, cara. Assim que essa guerra passar, eu vou voltar pra cá", segue a gravação.

Um segundo áudio descreve como o deputado supostamente teria usado seus 730 mil seguidores no Instagram para se aproximar de mulheres ucranianas.

"Elas olham [para ele, Arthur] e vou te dizer: são fáceis porque elas são pobres. E aqui, cara, minha carta do Instagram, cheio de inscritos, funciona demais. Funciona demais. Depois eu conto a história", diz.

"Não peguei ninguém, mas eu colei em duas minas, que a gente não tinha tempo, em dois grupos de minas, e assim, é inacreditável a facilidade. Essas minas em São Paulo você dá bom dia e ela iria cuspir na sua cara. E aqui elas são super simpáticas, super gente boa", segue.

O deputado anunciou que estava na Europa ao lado de Renan Santos, um dos dirigentes do MBL (Movimento Brasil Livre), para acompanhar o conflito.

Apesar de todas as dificuldades de trânsito no país, que está em guerra, os dois afirmaram que conseguiram entrar na Ucrânia e que decidiram ir para lá em movimento de contraposição ao presidente Jair Bolsonaro (PL), reforçando as discussões sobre a guerra no debate eleitoral brasileiro.

Os dois afirmaram que pegaram um voo do Brasil para a Alemanha, e em seguida um carro para a Eslováquia. Não ficou claro, pelas imagens, se de fato chegaram à Ucrânia, e de que forma. Ou se estacionaram nas fronteiras.

Ambos são apoiadores do projeto presidencial de Sergio Moro (Podemos) e críticos de Bolsonaro. No caso da invasão russa à Ucrânia, também atacam a postura de neutralidade do presidente sobre o assunto.

Em nota, Moro disse que "lamenta profundamente as graves declarações" atribuídas ao deputado. "O tratamento dispensado às mulheres ucranianas refugiadas e às policiais do país é inaceitável em qualquer contexto. As declarações são incompatíveis com qualquer homem público", afirma o ex-juiz, acrescentando que as falas podem ser consideradas criminosas.