Há meses, o presidente Jair Bolsonaro vem insuflando a sua base eleitoral e apoiadores para comparecerem a atos favoráveis ao seu governo - a manifestação principal reuniu bolsonaristas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e mais de 100 mil pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo, no dia 7 de setembro, data da Independência do Brasil. Definidos como um ato a favor da liberdade – mas com ataques direcionados ao Supremo Tribunal Federal, mais especificamente ao ministro Alexandre de Moraes – os protestos, mesmo reunindo um número expressivo de pessoas, tiveram um saldo negativo para o presidente, analisam especialistas entrevistados pela FOLHA.

Imagem ilustrativa da imagem Movimentos de Bolsonaro tensionam e tendem a fragilizar governo
| Foto: Miguel Schincariol/AFP

O impacto político negativo ocorreu ao longo do dia 7, com a repercussão dos discursos de Bolsonaro em Brasília e em São Paulo. Na Paulista, o presidente chamou Alexandre de Moraes de "canalha"; Moraes é o atual responsável pelo inquérito das fake news, aberto em 2019 pelo então presidente da Corte, Dias Toffoli, para investigar notícias falsas, ofensas e ameaças aos ministros do STF. As investigações levaram a prisões como dos deputados Daniel Silveira (PSL-RJ) e Roberto Jefferson (PTB-RJ) - ambos fizeram ameaças diretas ao STF e incitaram violência. Jefferson fez vídeos mais de uma vez portando armas, e Silveira fez apologia ao AI-5, instrumento considerado o mais duro na Ditadura Militar.

No dia seguinte aos protestos de 7 de setembro, Bolsonaro precisou lidar com as consequências reais: queda da Bolsa de Valores de 3,8% e alta do dólar de quase 3%, que chegou aos R$ 5,32. A flutuação da moeda americana é algo que influencia diretamente no preço da gasolina que, em alguns estados já chega a R$ 7 o litro. Os caminhoneiros que foram a Brasília também resolveram bloquear estradas, gerando temor de desabastecimento no país, e duvidaram de um áudio enviado pelo mandatário na quarta-feira (8) pedindo para que os motoristas desbloqueassem as vias. Na quinta-feira (9), Bolsonaro divulgou uma carta à nação, redigida com ajuda do ex-presidente Michel Temer, que foi chamado por Bolsonaro para auxiliar na contenção da crise; Temer foi quem indicou Moraes ao STF, em 2017.

Na mensagem redigida com a ajuda de Temer, Bolsonaro prometeu respeito entre os Poderes e à Constituição, postura que demonstra um "recuo estratégico" do presidente, diz o professor de Ética e Filosofia Política da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Clodomiro José Bannwart. "Tudo isso [queda da bolsa, alta do dólar e colapso econômico] reflete muito negativamente na percepção que as pessoas têm do governo que, infelizmente, não tem conseguido dar respostas às demandas mais urgentes da sociedade, como inflação e desemprego", pontua.

Além do impacto negativo na percepção popular – mesmo com um número expressivo de apoiadores os atos não representam a maioria do eleitorado que elegeu Bolsonaro em 2018 –, Bannwart acredita que os atos também recolocaram a pauta do impeachment novamente na mesa do Congresso Nacional, assunto até então barrado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). "O ato cooperou para diminuir o número de apoiadores no Congresso, como é o caso do PSDB, que se declarou oposição, fragilizando ainda mais a sustentabilidade do presidente", exemplifica o professor da UEL.

Crime de responsabilidade?

Segundo o advogado, mestre e doutor em Direito Processual Penal pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e especialista em Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal (ICPC/UFPR) Bruno Milanez, a discordância pública de Bolsonaro a decisões de ministros do STF não é um problema.

"O problema é a forma: manifestar, em nome da liberdade de expressão, defendendo o uso de violência e insuflando a população para que se invada o Supremo. Por isso, pode-se cogitar, sim, que o presidente cometeu crime de responsabilidade, levando em conta o artigo 4° da lei 1.079 (que especifica os crimes de responsabilidade do presidente)", explica Milanez. Um desses crimes é atentar contra o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário, algo que juristas podem interpretar como presente nos discursos e falas do presidente contra o STF. Fora isso, os ocorridos na data também servem como um argumento adicional a mais um eventual pedido de impeachment de Jair Bolsonaro. Segundo levantamento da Agência Pública de Jornalismo Investigativo, há mais de 130 pedidos protocolados, assinados por mais de 1,5 mil pessoas e 550 organizações.

Ministros impedidos

Nos atos do dia 7, também ficou presente nas falas de Bolsonaro e nos cartazes dos apoiadores o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes. Algo que, explica Milanez, está no artigo 39 da lei 1.079: qualquer cidadão pode pedir o impeachment de um ministro também sob o argumento de crime de responsabilidade (algo que nunca ocorreu na história da Corte).

"Um ministro do STF pode sofrer impeachment se houver desídia [omissão] no exercício das funções, ou se um ministro participar do julgamento de um familiar seu. Bolsonaro dá como argumento para pedido de impeachment decisões tomadas por Moraes no inquérito das fake news. Nesse caso, não cabe. Pode haver discordâncias do presidente sobre as decisões de Moraes, mas não existe a criminalização da atividade hermenêutica”, esclarece Milanez.

Para Clodomiro Bannwart, Bolsonaro e seus apoiadores usam o mote “defesa da liberdade” para criticar o STF de modo distorcido, e travestido de uma tentativa de ruptura institucional. “A defesa da liberdade deve passar necessariamente pela proteção do Estado de direito e respeito aos poderes. Um presidente que desafia o cumprimento das decisões emanadas da corte mais alta de justiça do país está, sim, promovendo fissuras. A democracia impõe limites legais e inegociáveis que devem ser observados por todos, inclusive pelo próprio presidente”.

“Bolsonarismo raiz” abalado

Além de gerar ainda mais desgaste político no Congresso Nacional, mexer negativamente com o mercado financeiro e colocar o país sob risco de uma paralisação de caminhoneiros, o que geraria ainda mais consequências econômicas (a exemplo de 2018, quando a paralisação de 10 dias gerou uma queda do PIB de 1,2%), Bolsonaro conseguiu abalar a sua relação com os apoiadores mais ferrenhos.

A divulgação de sua carta à nação e o pedido do presidente para que os caminhoneiros desistissem dos bloqueios nas rodovias foram atos considerados de "fraqueza" por parte de bolsonaristas radicais. "O presidente produziu uma baixa entre os seus apoiadores. No cômputo final, Bolsonaro mais perdeu do que ganhou”, analisa Bannwart.