A Prefeitura de Londrina recebeu uma recomendação do MPPR (Ministério Público do Paraná) para que os salários líquidos recebidos pelos secretários Leonardo Carneiro (Gestão Pública e RH) e Vivian Feijó (Saúde) sejam devolvidos aos cofres públicos, mas garantiu nesta segunda-feira (2) que os valores não serão restituídos. Os secretários foram cedidos pelo Estado à Prefeitura e continuam recebendo seus vencimentos estaduais, além de gratificação municipal. Um inquérito civil da 26ª Promotoria de Justiça está apurando os recebimentos.

Esse é o cenário proposto pelo PL (Projeto de Lei) n° 52/2025, que altera o Estatuto dos Servidores de Londrina para, entre outras coisas, permitir o acúmulo salarial de servidores municipais, estaduais e federais nomeados para cargos comissionados na Prefeitura. Ou seja, eles podem receber do Estado, por exemplo, e uma gratificação de até 90% da função no município. Mas antes mesmo de aprovar o PL na CML (Câmara Municipal de Londrina), a Prefeitura já vem fazendo os pagamentos.

De acordo com a recomendação do MPPR, apesar de os secretários terem optado por receber cumulativamente, “não há legislação municipal que autorize a aplicação do regime jurídico dos servidores do Estado do Paraná para fundamentar o pagamento de gratificações a servidores cedidos que ocupam o cargo de secretário municipal”. Hoje, o Estatuto dos Servidores de Londrina estabelece que “o ônus da cessão será definido no ato autorizativo, e poderá ficar a cargo do cedente, ou do cessionário, conforme o caso”.

O promotor Renato de Lima Castro, da 26ª Promotoria de Justiça, recomendou que o prefeito Tiago Amaral (PSD) se abstenha de realizar ou autorizar o pagamento de qualquer “verba remuneratória, subsídio ou gratificação aos servidores efetivos vinculados a outros entes federativos investidos em cargo em comissão no âmbito municipal, enquanto não houver previsão legal específica no município de Londrina, autorizando tal modalidade de remuneração”.

Também foi recomendado que o secretário municipal de Governo, Rodrigo Souza, que autorizou o recebimento cumulativo de Leonardo Carneiro, restitua R$ 32.178,86 aos cofres municipais, valor referente aos salários de janeiro a abril de 2025 do secretário de Gestão Pública e RH. No caso de Vivian Feijó, a recomendação é que ela devolva R$ 22.930,55 referentes a março e abril.

O salário bruto de Feijó no Estado é R$ 21,5 mil (R$ 14,3 mil líquidos). Na Prefeitura, a gratificação é de R$ 19,7 mil, 90% do subsídio de secretária, atualmente em R$ 21,9 mil, mas é aplicado um redutor constitucional de R$ 7,5 mil. No final, os cofres municipais pagam R$ 11,6 mil e, com descontos, ela recebe R$ 9,8 mil.

No caso de Carneiro, o vencimento estadual é de R$ 31,3 mil (R$ 20,4 mil líquidos) e o municipal, R$ 15,3 mil, equivalente a 70% do subsídio do secretariado. Ele tem um redutor de R$ 4,8 mil, o que faz o município pagar uma gratificação de R$ 9,9 mil - são R$ 8,6 mil líquidos.

O Ministério Público estabeleceu prazo de dez dias úteis para que a Prefeitura comunique o recebimento da recomendação e comprove quais medidas serão adotadas. O documento ainda afirma que o não acolhimento pode “sujeitar as autoridades administrativas à responsabilidade pela prática de ato de improbidade que causa lesão ao erário”.

"[...] o pagamento concomitante de subsídio relativo a cargo em comissão no âmbito do município de Londrina a servidores efetivos vinculados a outros entes federativos, sem previsão legal específica na legislação municipal, caracteriza dano ao erário, por se tratar de despesa pública ilegal, o que contrasta com o princípio da legalidade que rege a administração pública, permitindo a responsabilização pessoal dos gestores que autorizarem ou se omitirem diante do pagamento ilícito", reforça o MPPR.

'NÃO HÁ ILEGALIDADE'

Em entrevista à imprensa nesta segunda-feira (2), o controlador-geral do município, Guilherme Arruda Santos, afirmou que a Prefeitura não vai interromper os pagamentos nem devolver os salários porque entende que não há ilegalidade. Para ele, a legislação de origem permite os pagamentos e não há “norma proibitiva no município” para o acúmulo salarial.

“O Estatuto de Servidor Estadual, a Lei nº 6.174/1970, possibilita o pagamento dessa gratificação para o cargo de secretário. Eles [Leonardo e Vivian] foram nomeados para esses cargos tendo como respaldo a legislação que os rege”, disse Santos, que ainda defendeu que o PL 52/2025 deverá beneficiar os servidores municipais que assumem cargos comissionados - apesar de o texto não especificar que apenas o funcionalismo municipal será abarcado pela norma.

Questionado sobre os valores recebidos pelo secretariado, que subiu de R$ 14,4 mil para R$ 21,9 mil após articulação de Tiago Amaral na CML, Santos argumentou que “a remuneração do cargo faz jus à responsabilidade de cada um”.

De acordo com o controlador-geral, o pagamento da gratificação enquanto os servidores recebem do órgão de origem começou antes da aprovação do PL 52/2025 porque a Prefeitura está respaldada “na legislação e, principalmente, na jurisprudência sobre o tema”.

“Nós não vamos devolver o valor. Entendemos que os secretários não devem devolver o valor porque não há ilegalidade. Eles só devolveriam se houvesse alguma ilegalidade. Não há dano ao erário”, frisou Santos, que garantiu que o município vai explicar sua posição para o Ministério Público.

‘TOTALMENTE ILEGAL’

O presidente do OGPL (Observatório de Gestão Pública de Londrina), Roger Trigueiros, avalia que o acúmulo salarial de secretários de Londrina sem legislação municipal autorizando é ilegal. “Não há como legitimar esse pagamento através da lei estadual. E o próprio Ministério Público deixa isso muito claro na recomendação. É uma análise muito bem feita sobre a ótica da legalidade, porque você tem que ter uma lei autorizando o pagamento antes de pagar”, afirma Trigueiros, que classifica a situação como “totalmente absurda”.

“A administração pública tem que ser exemplo, tem que seguir aqueles princípios que estão na Constituição [legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência]. E o princípio da legalidade obriga que você tenha a lei autorizando o pagamento”, reforça.

mockup