Os jovens brasileiros não se sentem representados pelos políticos, mas o número de eleitores com menos de 18 anos aumentou significativamente neste ano em todo o país. A procura pelo primeiro título, que passou por uma queda nos últimos anos, cresceu 45% somente no mês de março, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No Paraná, o número de novos eleitores de 15 a 17 anos cresceu 85% entre março e o início de maio.

Yasmim Pinheiro
Yasmim Pinheiro | Foto: Gustavo Carneiro

Vários fatores podem estar por trás do crescimento, como a crise econômica, a volta da inflação, a falta de investimentos em educação, que atinge diretamente os mais jovens, e as ameaças às eleições e ao sistema democrático. O TSE investiu maciçamente em campanhas para atrair o eleitorado mais jovem e o movimento contou com a participação de artistas como a cantora Anitta e o ator norte-americano Mark Ruffalo.

O desinteresse dos jovens pela política tradicional já foi identificado em vários estudos acadêmicos. O mais recente deles, "Juventudes e Democracia na América Latina", coordenado pela socióloga Esther Solano e pela cientista política Camila Rocha, da Unifesp (Universidade Estadual de São Paulo), analisa a relação dos jovens com a política em quatro países: Brasil, Colômbia, México e Argentina.

A conclusão do estudo é que os jovens brasileiros se informam predominantemente pelas redes sociais e que a maioria deles começou a se interessar por política por inspiração da família ou de influenciadores digitais. Eles veem os meios tradicionais de comunicação com desconfiança, mas ao mesmo tempo consideram jornais e redes de TV como uma espécie de "porto seguro" contra as notícias falsas.

A participação em partidos e manifestações é baixa entre os jovens que integraram a pesquisa (18 grupos, com três jovens em cada, foram ouvidos no Brasil): apesar de considerarem importante se manifestar politicamente, a maioria deles disse nunca ter participado de uma manifestação, por medo de violência ou para se manterem distantes dos partidos. O engajamento é mais visível na internet, em torno de causas mais palpáveis, como a proteção dos animais ou doações de cestas básicas.

Espaços tradicionais em baixa

Os espaços tradicionais da política, como o Poder Legislativo, os partidos, os sindicatos e os centros acadêmicos, são vistos com desconfiança. O estudo concluiu ainda que há muito desconhecimento em relação ao funcionamento e às funções das Câmaras Municipais, dos sindicatos e dos partidos. "A democracia, o Estado e o Congresso, no Brasil, são tidos como deficitários, intrinsecamente corruptos, representando apenas os interesses das elites, dos políticos e não da população", conclui o levantamento.

Para Esther Solano, a maioria dos jovens defende a democracia, mas se sente desconectada das instituições. "Eles estão desvinculados, sobretudo dos partidos. Defendem a democracia como valor, a maioria é contra as intervenções militares. Mas eles não se sentem à vontade para defender a democracia por dentro das instituições. Consideram que o sistema representativo está altamente corrompido. É uma juventude decepcionada com o sistema representativo democrático tradicional".

O fato de se informarem predominantemente pelas redes sociais, avalia a socióloga, coloca os eleitores mais jovens em um ambiente de polarização. "Eles percebem a política como conflito, como guerra, como polarização. Muitos deles dizem que eles não se expressam nas redes porque elas são um lugar de muita agressividade e eles têm medo do cancelamento".

O medo do cancelamento também foi identificado pelo cientista político Francisco Robert Bandeira Gomes da Silva, professor da Faculdade Estácio de Teresina (PI). Ele cita um estudo que mostrou que 60% dos jovens brasileiros não estão interessados em debater política. "A vontade de mudança ainda existe, mas o que havia nos anos 80 ou 90 não existe mais. A política foi associada a algo ruim".

Para Gomes da Silva, as campanhas para que a população entre 15 e 18 anos tirasse o título ajudaram a despertar os jovens em um momento de crise. "As campanhas publicitárias, aliadas a um momento de crise pelo qual o país está passando, foram responsáveis pelo grande número de jovens com o primeiro título", disse. "Os ataques à democracia estão mais frequentes e mais notórios também. As campanhas ajudaram a convocar pessoas de 16 e 17 anos a votar contra a crise, seja a crise democrática ou a crise econômica".

"É nítida a distância entre os jovens e os políticos", diz nova eleitora

A estudante de Londrina Ester Campos, de 17 anos, diz que resolveu tirar o título para ajudar o país, mas admite que há uma distância entre os políticos e os jovens. "A voz dos jovens e dos adolescentes é uma das mais importantes e a nossa força é necessária. Eu sabia que precisava ajudar o país de alguma forma", revela. "Mas é nítida a distância entre os jovens e os políticos. Falta valorização do ambiente em que o jovem vive. Faltam educação de qualidade e representatividade".

Ester diz temer pela eleição de outubro. "Cada vez mais o nosso presidente tem demonstrado atitudes que fazem não só os jovens, e sim toda a população, ficarem com medo do próximo passo, principalmente pelo fato de ele já ter cortado vários recursos". Ela não concorda que haja um desinteresse geral dos jovens por temas políticos. "Os jovens se interessam, pois a política afeta diretamente a vida deles. E as campanhas dos artistas incentivaram os jovens de uma maneira que o governo não conseguiu".

Sofia Montes
Sofia Montes | Foto: Gustavo Carneiro

Para Sofia Gonçalves de Carvalho Montes (foto acima), estudante de 16 anos, os políticos pararam no tempo e deviam ouvir os mais jovens. "No cenário atual os políticos estão estagnados, eles não têm uma mente aberta para se atualizar com as novas gerações. Eles deviam escutar a opinião dos jovens nos colégios, faculdades e até mesmo nas redes sociais", diz Sofia, que votará pela primeira vez em outubro.

A estudante considera a corrupção o maior problema do país e diz não temer uma ruptura institucional. "Independentemente do lado que a pessoa defenda, é impossível negar que há corrupção", afirma. "Não acredito que isso (um golpe) vai acontecer. Hoje tem muita fake news e as pessoas não verificam se é real ou não, o que gera muitos boatos falsos".

Influência dos colegas

A influência de colegas que se interessam por política e de familiares ajudou a estudante Yasmim Vellardi Pinheiro, que completará 16 anos antes da eleição de outubro, a solicitar a emissão do primeiro título de eleitor. "Os jovens se interessam por política, alguns gostam mais e outros nem ligam. Entre os que se interessaram, alguns me incentivaram a tirar o título. Mas meus pais sempre falavam da importância do voto, e eu sempre pensei que, assim que pudesse tirar o título, eu tiraria".

Yasmim acha que muito do desinteresse dos adolescentes pelo tema decorre da falta de informação. "Eu acredito que muitos jovens não se sintam representados pelos políticos porque não pesquisam a fundo sobre o tema", afirma a estudante, que não acredita que as eleições de outubro estejam em risco. "Não tenho receio de que a eleição não seja realizada".

Outros interesses também podem ter ajudado a aumentar o número de jovens que procuraram o primeiro título neste ano. O documento é necessário, por exemplo, para a emissão do passaporte ou para a participação em concursos públicos. "Tirei o título primeiramente para votar. Mas algumas coisas pedem o título de eleitor, foi uma forma de facilitar a minha vida depois, já que, querendo ou não, com 18 eu teria que fazer. Será como uma prévia do futuro, já saber o que fazer e não errar na escolha", conta Sofia.

Yasmim admite que não se sente representada pelos políticos. "Eles dizem que pensam como nós, mas cadê, né? Acho que, pra eles, nós somos só mais um voto", diz a estudante, que também considera a corrupção como um dos principais problemas do país. "Além da corrupção, a falta de comprometimento com os brasileiros. Espero que alguém bom possa entrar e tentar contornar a calamidade que está o Brasil".

País ganhou 1,1 milhão de novos eleitores de 15 a 18 anos em 3 meses

Segundo o TSE, entre janeiro e março deste ano o Brasil ganhou 1.144.481 novos eleitores na faixa etária de 15 a 18 anos. Nos anos eleitorais de 2014 e 2018, por exemplo, foram emitidos 854.838 e 877.082 novos documentos, respectivamente. Em março, chamou a atenção o aumento da procura por parte de adolescentes com apenas 15 anos: foram emitidos 23.185 novos títulos, contra 12.297 documentos feitos em fevereiro, um crescimento de 88,5%.

No Paraná, segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PR), o número de adolescentes com o título cresceu 85% desde março. Eram 54.796 eleitores em março e 100.976 no dia 9 de maio (6.389 com 15 anos, 34.368 com 17 e 60.219 com 18). Em outubro de 2021, o número era de apenas 26.198 em todo o estado. De lá para cá, o crescimento foi de mais de 280%. Além disso, há 100.976 eleitores com 18 anos no estado. Os dados serão atualizados até o dia 1° de junho, quando a Justiça Eleitoral terá analisado todas as solicitações.

Os números revertem uma tendência de queda. Em dez anos, de 2012 a 2022, o número de eleitores com menos de 18 anos caiu 55% no país, de acordo com dados do TSE. No Paraná, a queda chegou a 64% no mesmo período.

O voto facultativo para pessoas de 16 e 17 anos foi instituído pela Constituição de 1988 e a primeira eleição em que esta faixa etária foi autorizada a ir às urnas foi em 1989. Jovens que completam 16 anos até o dia da eleição também podem solicitar o documento.

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