Brasília - O ministro Celso de Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu tornar público o vídeo da reunião ministerial citada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro em depoimento à Polícia Federal como um indício de que o presidente Jair Bolsonaro desejava interferir na autonomia da PF.

O ministro não divulgou apenas "poucas passagens do vídeo e da respectiva degravação nas quais há referência a determinados Estados estrangeiros". Segundo pessoas que assistiram à parte sigilosa, integrantes do governo fizeram duras críticas à China, um dos principais parceiros comerciais do Brasil.

O magistrado não atendeu aos pedidos do governo e da PGR (Procuradoria-Geral da República), que defenderam a publicidade apenas dos trechos do encontro que teriam relação com o inquérito em curso no Supremo.

Celso de Mello afirmou que o sigilo não poderia ser mantido em respeito ao princípio da transparência, que "traduz consequência natural do dogma constitucional da publicidade, que confere, em regra, a qualquer pessoa a prerrogativa de conhecimento e de acesso às informações, aos atos e aos procedimentos que envolvam matéria de interesse público".

(Brasília - DF, 22/04/2020) - Reunião com Vice-Presidente da República, Ministros e Presidentes de Bancos.
Foto: Marcos Corrêa/PR
(Brasília - DF, 22/04/2020) - Reunião com Vice-Presidente da República, Ministros e Presidentes de Bancos. Foto: Marcos Corrêa/PR | Foto: Marcos Correa/PR

O ministro do STF ressaltou que não há "espaço possível reservado ao mistério na vigência da Constituição". Celso de Mello argumentou ainda que o Executivo não decretou a gravação como material "ultrassecreto, secreto ou reservado" e disse que a a reunião "não tratou de temas sensíveis nem de assuntos de segurança nacional".

O ministro também comentou os ataques ao STF feitos pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, na reunião. O magistrado citou "aparente crime contra a honra dos ministros do Supremo, supostamente perpetradas" por Weintraub. "As expressões indecorosas, grosseiras e constrangedoras por eles pronunciadas -ensejou a descoberta fortuita ou casual de aparente crime contra a honra de integrantes do STF", disse Celso de Mello.

A investigação aberta a pedido da PGR, e autorizada por Celso de Mello, apura a veracidade das acusações do ex-juiz da Lava Jato ao pedir demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Segundo Moro, o presidente o pressionou pela troca da direção-geral e superintendência da PF do Rio de Janeiro com intuito de interferir no trabalho da corporação, o que viola a autonomia da PF prevista em lei. Em nota, a defesa de Sergio Moro disse que a decisão é "avanço democrático".

INFORMAÇÕES PARTICULARES

Na reunião ministerial, Bolsonaro disse contar com um sistema de informações particular, alheio aos oficiais, geridos por órgãos como a Abin (Agência Brasileira de Inteligência). "Sistemas de informações: o meu funciona", afirmou. "O meu, particular, funciona. Os ofi... que tem oficialmente, desinforma [sic]. Prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho", continuou o presidente.

No trecho, o mandatário não é claro sobre o que seria esse sistema privado. Na sequência, ele disse que iria trocar equipes de segurança no Rio de Janeiro, nem que fosse preciso mudar "o ministro", para que sua família e seus amigos não fossem prejudicados.

Dois dias depois, o mandatário demitiu o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, o que resultou na saída do então ministro Sergio Moro (Justiça) do governo.

A fala do presidente sobre a substituição foi citada pelo ex-ministro como uma das evidências de que Bolsonaro queria interferir indevidamente na Polícia Federal.

"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar f... a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira", comentou o presidente.