SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Iniciativas suprapartidárias surgidas nos últimos dias para defender a democracia e reagir ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) viram o número de adesões disparar nesta segunda-feira (1º), em meio a um clima que tem sido comparado ao das Diretas Já.

A lembrança é evocada porque, assim como o movimento de 1984, a onda de manifestos de agora une adversários ideológicos e começa a abraçar cidadãos comuns, para além de líderes sociais e políticos, artistas e personalidades.

Os expoentes da nova leva são o Movimento Estamos Juntos --que foi lançado no sábado (30) e alcançou nesta segunda a marca de 224 mil assinaturas--, a campanha Somos 70% --criada a partir da iniciativa anterior e viralizada nas redes sociais-- e o Basta! --que agrega advogados e juristas.

Com a repercussão, entidades se pronunciaram em defesa de pilares constitucionais. A seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) divulgou conclamação pública, pedindo que a sociedade diga "um veemente não às ameaças de quebra da ordem democrática".

A Federação Nacional dos Advogados também publicou nota para conclamar os profissionais a "defender as instituições e os valores que conformam a democracia".

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), replicou em rede social mensagem do deputado federal Fábio Trad (PSD-MS) afirmando que "liderar é saber o momento de superar diferenças para unir forças pelo essencial".

Sem citar os manifestos, Trad pediu que políticos como o próprio Maia, os ex-presidenciáveis Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e João Amoêdo (Novo), o ex-presidente Lula (PT) e os governadores João Doria (PSDB-SP) e Flávio Dino (PC do B-MA) "se deem as mãos em nome da nossa democracia".

No Estamos Juntos, que tem um site aberto para qualquer pessoa declarar apoio, a quantidade de adesões dobrou entre domingo e segunda. A página contabilizou 8 milhões de acessos, segundo a organização.

O movimento informou ainda que foram criados grupos de WhatsApp (120 no total) para espalhar a iniciativa em todos os estados do país. Há um esforço para manter o caráter suprapartidário da ideia e evitar uma personalização.

A lista inicial de apoios tinha, por exemplo, os músicos Lobão (um bolsonarista arrependido) e Caetano Veloso (que sempre criticou o presidente e declarou voto no petista Fernando Haddad no segundo turno de 2018).

De de acordo com porta-vozes da coalizão, os dois cantores ganharam a companhia de anônimos de profissões variadas, que vão de doméstica a bancária, de motorista de Uber a bartender, de cozinheira a petroleira. Muitos desempregados se engajaram.

De nomes conhecidos, foi registrada a adesão do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que saiu do cargo após ser fritado por Bolsonaro já em meio à pandemia. Os ex-presidentes do Banco Central Arminio Fraga e Pérsio Arida foram outros que aderiram.

Líderes do grupo, contudo, veem a necessidade de ampliar mais o alcance. Uma live está sendo planejada para os próximos dias, no esforço de atrair apoios e visibilidade. A ideia é reunir na transmissão ao vivo pela internet parte dos artistas que militam na causa.

Criador da hashtag #somos70porcento, que faz referência à aprovação de cerca de 30% dos brasileiros a Bolsonaro registrada em pesquisas, o economista Eduardo Moreira afirmou nesta segunda no Twitter que um vídeo de divulgação da campanha sofreu ataques de perfis bolsonaristas.

"Acertamos o alvo... O outro lado gritou", escreveu. Na gravação, ele diz: "Nós somos a maioria. Nós somos mais do que o dobro deles. Nós temos o direito de escolher o caminho deste país".

O Basta!, manifesto encabeçado por advogados, afirmou ter angariado mais de 25 mil adesões desde o início da coleta de assinaturas, no sábado. A petição pró-democracia, que tinha 700 subscreventes no documento inicial, está disponível no site Change.org.

Segundo os organizadores, quatro ex-ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) acabam de se somar ao grupo: Cezar Peluso, Eros Grau, Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence. Sylvia Steiner, ex-juíza do Tribunal Penal Internacional, também endossou o texto.

Os articuladores dizem estar acompanhando os desdobramentos da crise política e das mobilizações e não descartam publicar atualizações do conteúdo se for necessário.

Líderes das coalizões suprapartidárias também apontaram a propagação recente de ideias do movimento Antifa (de "antifascistas") como mais um elemento capaz de desestabilizar Bolsonaro.

Apesar das diferenças, os grupos têm em comum o fato de germinar fora de estruturas políticas tradicionais e buscam se dissociar de partidos ou líderes.

No domingo (31), coletivos antifascistas fizeram parte do protesto na avenida Paulista, em São Paulo, convocado por torcidas organizadas dos quatro grandes clubes estaduais (Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo) em favor da democracia.

O ato terminou em confronto com a Polícia Militar e apoiadores de Bolsonaro que também faziam manifestação ali.

O governador Doria disse que atos contrários e favoráveis ao governo federal não deverão mais acontecer no mesmo local e ao mesmo tempo. Ele afirmou que a decisão foi tomada em acordo com a Prefeitura de São Paulo.

Segundo o tucano, a ação policial evitou um embate entre os dois grupos. Doria disse que conflitos do tipo enfraquecem a democracia e justificam o discurso autoritário de quem defende a volta da ditadura militar.

Também nesta segunda, Bolsonaro orientou seus apoiadores a não irem para as ruas no próximo domingo (7), em Brasília, já que está convocada uma manifestação antifascista para o mesmo dia.

"Olha, estão marcando domingo um movimento, né? Deixa eles sozinhos domingo. Eu não coordeno nada, não sou dono de grupo. Não participo de nada. Só vou prestigiar vocês, que estão me apoiando, fazem um movimento limpo, decente, pela democracia, pela lei e pela ordem. Eu apenas compareço", disse.

"Não conheço praticamente ninguém destes grupos. Eu acho que já que eles marcaram para domingo, deixa eles domingo lá", completou.

Há semanas, todos os domingos, bolsonaristas a favor de intervenção militar e com críticas ao Congresso e ao STF passam pela Esplanada dos Ministérios e se aglomeram diante do Palácio do Planalto, onde o presidente os espera para cumprimentá-los.

Ativistas que se dizem contrários ao fascismo haviam convocado manifestação para o mesmo local no sábado (6). Mas o ato foi remarcado para a manhã de domingo (7).

Outros apelos por respeito às instituições e às garantias legais ganharam corpo recentemente, como o documento de representantes do direito em defesa de que as Forças Armadas sigam a Constituição.

Houve ainda a nota do Colégio de Presidentes de Tribunais de Justiça em defesa do Supremo.

De 2018 para cá, também estão atuantes organizações independentes como o Direitos Já! Fórum pela Democracia, a Comissão Arns de Direitos Humanos e a plataforma Pacto pela Democracia."‹