Consenso necessário

Todos, inclusive muitos dos indiciados, costumam declarar apoio à Lava Jato. É verdade que em muitos casos se trata apenas do exercício de hipocrisia (a homenagem que o vício presta à virtude, conforme o sábio francês) e da dissimulação. Raros são os agentes do processo, como é a situação de Gilmar Mendes, que tem postura militante e severa contra o que ele considera transbordamentos tanto da delação como do protagonismo do Ministério Público.

Rompendo uma tradição de 14 anos ao não optar pelo nome do primeiro da lista (Nicolao Dino, aliado de Janot e que defendeu no TSE a cassação da chapa Dilma/Temer), Michel Temer decidiu designar Raquel Dodge para o posto como segunda colocada. Sabe-se que a questão do fluxo processual, que abala nesse momento as estruturas do país, pode até ter restrições pontuais da corporação, mas de um modo geral é fator de consenso, o que se dá também com a escolhida, a favor da linha geral do procedimento.

Na intimidade corporativa, Raquel Dodge, tinha postura de oposição a Janot, um dos fatores que levou o presidente a escolhê-la para evidenciar dissonância interna no corpo do Ministério Público com aquele que o acusa de corrupção, o que se dá pela primeira vez com um presidente em exercício no Brasil.

O governo Temer está em plena contraofensiva, como se viu no esforço de mobilização para dar andamento à reforma trabalhista e também no pronunciamento defensivo, logo feito um ataque contra o procurador da República, ao montar a claque parlamentar para apoiá-lo. E tem todas as condições de impor o cronograma mais conveniente e derrubar com facilidade a denúncia.
Hoje a Lava Jato não é mais a unanimidade de antes: além das contestações de criminalistas, há quem assuma como o ministro Gilmar Mendes o papel muito bem articulado de resistência; também as revisões das sentenças de Sérgio Moro (a maioria até para aumentar as penas) montam outro elo da corrente ao mesmo tempo que se sucedem pronunciamentos de juristas focados nessa linha de crítica. Gilmar pretendia, por exemplo, que a homologação fosse sempre um ato de colegiado e jamais derivado de decisão monocrática com o que a maioria discorda pela simples evidência estatística de que mais de 80% das decisões do STF tem justamente essa origem.

O fato é que existe uma divisão clara no STF em torno dessa possibilidade de rever delações, o que também carece de melhor alinhamento, tantas as divergências afloradas, ainda que a sua maioria tenha revelado pleno apoio, uma goleada em linguagem futebolística, a tudo o que tem sido praticado até aqui, inclusive quanto ao comportamento do relator Fachin. Por sinal que pela vez primeira, excluída a crise de 1955 com a intervenção militar dos generais Lot e Dinis que assegurou a posse de Kubitschek onde tínhamos ministros no governo Café Filho, há gente de sobra da terra, de um lado e de outro, como Sérgio Moro e Fachin, mas também Gleisi Hoffmann e Rodrigo Rocha Loures com a mala de Pandora correndo pelas ruas de São Paulo.

Ritual aberto
Chegou ontem na Câmara Federal o processo contra Michel Temer e Rocha Loures e, agora, seu presidente Rodrigo Maia o encaminha ao Alvorada ou ao Jaburu, desde que não seja de madrugada como a do encontro gravado com o Batista. Em plena resistência, o governo deve ter maioria folgada para barrar o processo, embora sujeito cada vez mais a surpresas como a da saída do senador Renan Calheiros da liderança. Não se trata do abraço do afogado mas da contingência de Michel Temer ter se transformado na boia de salvação da fauna política no mar revolto da vida brasileira.

Greve limitada
As tais greves gerais como a marcada para hoje contra as reformas trabalhista e previdenciária dependem basicamente da participação das empresas de transporte que asseguram seu sucesso na origem, como se deu inclusive na última. Pois agora o Sindimoc decidiu não parar, ainda que mantendo uma concentração de protesto na Boca Maldita.

Lubo
Morreu ontem aos 87 anos na capital o arquiteto e urbanista Lubomir Ficinski Dunin, um dos esteios das intervenções havidas com Lerner, acentuadamente na área de transporte de massa. Foi um dos proponentes do superbonde. Operou como consultor do Banco Mundial.

Justiça
Além da questão dos R$ 600 milhões devolvidos ao IPMC, há agora resistência judicial à retirada dos equipamentos do Instituto Pró-Cidadania, isso sem falar na provocação do Ministério Público para que se apure consequências no setor de saúde. Haverá demandas de servidores públicos no Judiciário contra efeitos do pacote fiscal.

Folclore
Rafael Greca seguiu o regramento de Maquiavel: o mal se faz de uma vez só e o bem em doses homeopáticas, aos poucos. O mal foi o pacote e o bem é aquilo que ele promete: pagar salários em dia e adiantar o décimo terceiro, como sempre esteve programado.