Curitiba - O Senado aprovou, na última sexta-feira (3), o adiamento da aplicação de sanções ligadas à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Caso o projeto 5762/2019, do vice-presidente da Casa, Antonio Anastasia (PSD-MG), passe também pela Câmara, as penalizações por descumprimento das normas só poderão ser aplicadas a partir de agosto de 2021, ou seja, um ano depois do prazo inicial.

Embora considerem a prorrogação inevitável, sobretudo devido à pandemia do novo coronavírus, que deixou muitas empresas em dificuldades financeiras, especialistas alertam para a importância de as organizações, bem como os governos, já se prepararem, sob pena de, a longo e médio prazo, enfrentarem prejuízos financeiros e de reputação ainda maiores.

Imagem ilustrativa da imagem Lei de proteção de dados só deve entrar em vigor em 2021
| Foto: Marcos Oliveira /Agência Senado

O PL muda não apenas a LGPD, como também outras instâncias do direito privado, permitindo a alteração em contratos de aluguel e até do Código de Defesa do Consumidor. A intenção do autor é dar às empresas maior segurança jurídica, de forma que elas não sejam penalizadas por reflexos das recomendações de isolamento social, parte do combate à Covid-19.

"Esse projeto faz parte de um esforço conjunto do Legislativo, Judiciário e de renomados juristas para amenizar os reflexos da pandemia, criando uma regulamentação provisória e emergencial com o objetivo de evitar a ampliação do 'calote generalizado' nos contratos e prevenir onerosidade excessiva e situações abusivas", explica o senador Flávio Arns (Rede-PR).

Segundo ele, a LGPD é um marco legal e importante, pois "colocará o Brasil em um novo patamar de governança da informação e segurança de dados". No entanto, para atender às exigências previstas agora, as empresas teriam que arcar com complexos esforços e altos investimentos financeiros, o que seria inviável.

"Nesse momento excepcional e único na história da humanidade, o adiamento da entrada em vigor da LGPD é uma solução razoável. Diante da profunda crise e grave instabilidade causadas pela pandemia, as empresas estão focadas em sua própria sobrevivência financeira e operacional. Passado esse momento calamitoso, elas terão melhores condições de implementar a LGPD, sem riscos de descontinuidade de suas atividades negociais", opina Arns.

A FOLHA também tentou contato com os outros dois senadores paranaenses. Oriovisto Guimarães (Pode-PR) preferiu não opinar sobre o assunto e Alvaro Dias (Pode-PR), que assim como Anastasia apresentou projeto relacionado ao tema, não retornou até o fechamento desta edição.

TIRO NO PÉ

Na avaliação de Lucas Paglia, sócio da P&B Compliance, do ponto de vista econômico o adiamento é sim o melhor caminho. "Não há mais caixa, mais dinheiro, e não é mais prioridade de qualquer empresa se adequar à LGPD. Ter hoje a entrada da lei em vigor poderia ser um tiro no pé, porque as empresas não estariam adequadas e estariam sem recurso para bancar a adequação. A gente tem oito de dez empresas com caixa comprometido, tendo de mandar pessoal embora", afirma.

Por outro lado, Paglia lembra que a lei já está no ordenamento jurídico brasileiro há quase dois anos. "Ela foi sancionada em agosto de 2018. Então, as empresas deveriam ter já se adequado. A 'desculpa' de não ter tempo para se adequar é um pouco banal. Se tivesse tudo dentro dos conformes como deveria ser, não precisaria adiar a lei como um todo. Adiava-se só a sanção", critica.

Especialista defende regulamentação

Segundo o especialista em sistemas de proteção de dados Lucas Paglia, o maior problema hoje é a ausência de movimentação, por parte do governo federal, em criar a autoridade Nacional de Proteção de Dados, a ANPD. "A agência, comparável a uma Anvisa, que deveria regulamentar alguns pontos da lei, por tamanho de empresa, foco, faturamento etc. Hoje o que a gente tem é um panorama geral. Desde a lojinha da esquina até a Google têm de se adequar da mesma forma".

Ele faz uma comparação com o papel da Anvisa no combate à Covid-19. "Da mesma forma que a Anvisa agora está dizendo quais máscaras são regulamentadas, essa autoridade, a ANPD, seria o órgão que falaria: 'essa empresa tal não está seguindo as regras'. Sem a agência, é impossível saber se a gente está no caminho certo do ponto de vista global".

DIRETRIZES

Mas qual a importância de termos uma lei de proteção de dados? De acordo com Paglia, que é sócio da P&B Compliance, a legislação nos permitiria traçar paradigmas e diretrizes para uso de dados. "Em época de coronavírus, por exemplo, a gente está vendo um monte de nome sendo divulgado. Será que isso é permitido pela lei? Até que ponto, se eu for infectado, tenho de avisar o prédio onde eu moro? Tem uma obrigação de saúde. Mas preciso informar nome, CPF, idade, ou posso só dizer que há uma pessoa no prédio infectada?", questiona.

"Para se ter uma ideia, as últimas eleições americanas, entre Trump e Hilary, foram decididas por análise de dados pessoais legais, a história da Cambridge Analytica. Usaram os dados das pessoas via Facebook para determinar que tipo de propaganda elas receberiam para apoiar um candidato x ou y. Existem empresas que estão aproveitando a divulgação de dados de saúde hoje para criar super bancos e vender serviços ilegais", alerta.

Ainda conforme o especialista, as empresas precisam já adotar práticas apropriadas. "Existem contratos com empresas europeias sendo questionados e até não assinados, até mesmo para o combate ao corona, tendo em vista a nossa ausência de segurança jurídica. Não posso dizer quais por questões contratuais", relata.

"A Europa diz quais os países que estão adequados e o Brasil atualmente está fora. Até que ponto isso não pode ser prejudicial? No mundo pós-coronavírus, se faz necessária a criação de uma agência e a conscientização da importância dessa lei, aliada a uma pauta econômica, óbvio. Não é porque você tem deficiência econômica que vai cruzar uma linha legal. Uma delas é a de privacidade também", completa. (M.F.R.)