A saída de Deltan Dallagnol da chefia da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba inicia um novo capítulo na maior e mais importante operação anticorrupção do País, em que a trama é impossível de antecipar. Oficialmente, a saúde delicada da filha de Dallagnol foi a causa de sua despedida, mas obviamente que desgastes minaram as forças do procurador, que há seis anos liderava o grupo que descortinou os esquemas ilegais das entranhas da Petrobras. E não foram poucos. Sejam causados pelas divergências políticas, pelo sangramento público do vazamento de conversas privadas dos membros pelo site “The Intercept Brasil”, no ano passado, ou pela recente queda-de-braço com o procurador-geral da república, Augusto Aras. O novo gestor dos trabalhos no Paraná, o procurador Alessandro José Fernandes de Oliveira, precisa de ter não só competência profissional, como muito jogo de cintura para manter as engrenagens da Lava Jato funcionando.

Imagem ilustrativa da imagem Lava Jato precisará de forças para seguir após derrotas
| Foto: Rodolfo Buhrer/La Imagem/Fotoarena/Folhapress

O currículo de Oliveira aponta experiência suficiente para que o andamento da operação em Curitiba não perca relevância. Ele é descrito por advogados como “linha dura”, mas ponderado em relação aos casos em que atua. No gabinete, é conhecido por seguir os horários à risca e revisar todo o trabalho dos subordinados, além de manter a prática dos estudos. Em nota, a Procuradoria do Paraná afirmou que Oliveira possui “reconhecida experiência no combate ao crime organizado e é membro com maior antiguidade na Procuradoria a manifestar interesse e disponibilidade para coordenar os trabalhos” da Lava Jato. Oliveira é graduado em segurança pública pela Academia da Polícia Militar do Paraná e em direito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná). Mestre em Direito das Relações Sociais, é professor de direito criminal e processual penal desde 1996 e também dá aulas na Escola Superior do Ministério Público da União.

Exposta em praça pública pela imprensa, a existência de um embate entre membros do MPF (Ministério Público Federal) é mais um complicante. Não à toa que o grupo que compõe o braço da Lava Jato em São Paulo entregou os cargos de seus membros, logo após o anúncio da saída de Dallagnol, conforme analisa o professor de Ética e Filosofia Política na UEL (Universidade Estadual de Londrina), Clodomiro Bannwart. “A Lava Jato instituiu uma operação político-jurídico-midiática e, por esse motivo, encontra dificuldade de sustentar-se no terreno estritamente jurídico, onde, inclusive, recebe muitas críticas”, analisa. Se antes os trabalhos eram desacreditados pelos membros da esquerda, com a chegada da direita no poder, ele foi se esvaindo. “Politicamente, a operação tem sido alvejada pelos dois lados do espectro ideológico, o que a enfraquece ainda mais”, pontou a professor.

MÍSTICA

Um dos efeitos que a Lava Jato provocou na opinião pública foi o de uma mística de que o problema do Brasil era a corrupção política e de que era possível reformar o sistema político por meio do Judiciário. Tal mágica contaminou os discursos eleitorais e a operação foi uma das protagonistas nos debates. Um sem-número de candidatos com experiência jurídica, como o caso dos juízes Wilson Witzel (PSC), governador afastado do Rio de Janeiro, ou de Selma Arruda (PODE-MT), senadora cassada. “A corrupção não é exclusividade da classe política, mas um fenômeno entranhado no comportamento social. A sonegação, por exemplo, é bem maior do que a corrupção no país e pouco se comenta a respeito”, avalia Bannwart. Ele ainda aponta que o sistema político só alcançará mudanças significativas no jogo da própria política e não mediado por sistemas de controle exclusivamente punitivos. “A Lava Jato atuou politicamente, sendo, em boa medida, corresponsável pelo atual quadro da política brasileira. Moro foi servir a um governo eleito no esteio de suas próprias decisões, enquanto magistrado da operação. E do ponto de vista midiático, a Lava Jato não tem a mesma força que tinha no passado”, opina.

Com resultados positivos reais em variáveis no combate à corrupção como a ampliação de investigação, a condenação dos envolvidos e a recuperação de quantias massivas de dinheiro para o Estado Brasileiro. O professor Rodrigo Prando, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, acredita que as críticas a Dallagnol – muitas delas fundamentadas – arranharam a imagem da Lava Jato nacionalmente. “Não dá para saber qual é o futuro da operação, mas há uma necessidade de se corrigir o caminho sempre que forem percebidos desvios de objetivo. Uma força-tarefa tem que ter um início, um meio e um fim. É preciso que as instituições estejam funcionando e não que exista uma instituição dentro da outra. Neste momento a Lava Jato se encontra enfraquecida”, conclui.

POLÍTICA

Um dos principais defensores do trabalho do grupo no meio político, o senador pelo Paraná Alvaro Dias, líder do Podemos na Casa, avalia que o “comportamento corajoso e imbatível” de Dallagnol inspira o combate à corrupção. “A Lava Jato precisa continuar seu trabalho sem limitações. As resistências são reais e até abissais. O Alessandro de Oliveira, o novo timoneiro da operação, saberá navegar com zelo e altivez”, opina Dias. Já Oriovisto Guimarães (PODE-PR) afirma que o trabalho não perderá qualidade, apesar de ver nitidamente interesses de desgastar a continuidade da força-tarefa. “O futuro da Lava Jato como um todo sofre, e isso é uma coisa evidente. Forças do mal estão reunidas para acabar com a operação e se puderem vão liquidá-la”, preocupa-se.

Recém-chegado ao Podemos, o terceiro representante do Paraná no Senado, Flávio Arns, acredita que já era possível prever o atual cenário em que se encontra a Lava Jato. Em sua opinião, os interessados em desarticular iniciativas anticorrupção estão permanentemente organizados. “Qualquer eventual problema que tenha ocorrido no decorrer da Operação não deslustra a importância do seu trabalho. A sociedade precisa se mobilizar para defender todas as iniciativas de combate à corrupção, como o fim do foro privilegiado e a prisão após condenação em segunda instância”, defende o parlamentar. Ele ainda elogia Dallagnol. “Seu trabalho no combate à corrupção em nosso País é motivo de orgulho e será sempre valorizado por todos nós”, conclui.

Entre os deputados federais paranaenses, Rubens Bueno (Cidadania) não entende como um problema a mudança na coordenação da Lava Jato, mas que as atenções devem estar focadas para que não sejam promovidas tentativas internas e externas para interferir nas investigações. Mesmo considerando normal que existam desgastes e pressões e de reconhecer a existência de excessos por parte dos procuradores, Bueno defende que não ocorra retrocessos. “O que não pode ser feito é a desarticulação de todo um trabalho que vem dando certo ao longo dos últimos anos e que desmontou centenas de esquemas de corrupção. Não creio que a nova coordenação será tutelada. A independência é ferramenta indispensável e necessária do Ministério Público desde a Constituição de 1988”, pontua.