Justiça vê irregularidades e determina intervenção na ADA
Caberá à CMTU elaborar um plano de ação para garantir o bem-estar dos animais que estão na associação. Vereadora diz que não foi intimada
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terça-feira, 22 de abril de 2025
Caberá à CMTU elaborar um plano de ação para garantir o bem-estar dos animais que estão na associação. Vereadora diz que não foi intimada
Douglas Kuspiosz - Reportagem Local

O juiz Marcos José Vieira, da Vara da Fazenda Pública de Londrina, acatou liminarmente nesta terça-feira (22) um pedido da 20ª Promotoria de Justiça de Londrina para intervenção da CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização) na ADA (Associação de Defesa dos Animais), instituição que tem a vereadora Anne Moraes (PL) como ex-presidente.
A decisão ocorreu no âmbito de uma ação civil pública movida pelo MPPR (Ministério Público do Paraná), que sustenta que Anne teria utilizado verbas da associação para despesas particulares - como planos de saúde para ela mesma e para a mãe, tratamentos estéticos, refeições em restaurantes e fast foods, além de gastos excessivos com serviços de táxi. A investigação aponta indícios de confusão patrimonial entre a vereadora e seus familiares com recursos da ADA, além de possível maus-tratos aos animais.
A ADA já havia sido alvo de operações para apurar possível crime ambiental no descarte incorreto de carcaças de animais e de uma denúncia da Secretaria de Estado da Fazenda, que alega que a ADA recebeu cerca de R$ 460 mil de forma irregular do programa Nota Paraná.
O primeiro motivo elencado pelo juiz para a intervenção é a suspeita de confusão patrimonial, pois a ex-presidente publicava nas redes sociais que os animais estavam passando fome e precisavam de doações, mas mantinha “despesas excessivas, pagamentos e transferências que aparentam não ter vínculo com as atividades da ADA” - o que pode configurar "aplicação de recursos em finalidade estranha à prevista nos estatutos", que é proibido.
Vieira também sustenta que há uma “aparente situação de maus-tratos” aos mais de 700 animais que estão abrigados na instituição.
“As declarações prestadas pelas ex-funcionárias e voluntárias da ADA [...] dão conta de que a ré Cristiane [Anne Moraes], além de desestimular a adoção dos animais, os deixava negligentemente em condições inadequadas de salubridade, saúde e alimentação”, afirma Vieira, que aponta que os relatos estão corroborados nos relatórios de vistorias do CRMV (Conselho Regional de Medicina Veterinária), CMTU, Vigilância Sanitária, MPPR, Secretaria Municipal de Meio Ambiente e IAT (Instituto de Água e Terra).
O magistrado aponta que “os órgãos ambientais constataram que as rés descartavam as carcaças de animais mortos (inclusive porcos), enterrando-as nos fundos da chácara em que funciona a ADA. Nem é preciso lembrar do risco de contaminação do solo e do lençol freático que esse descarte irregular acarreta”, acrescenta.
Segundo Vieira, a intervenção na entidade é necessária para assegurar uma administração que “restabeleça o bem-estar dos animais abrigados na ADA” e para “pôr fim aos aparentes atos de desvio e confusão patrimonial”.
"Tudo somado, é possível concluir haver indícios suficientes de que as rés, ao invés de promoverem a proteção dos animais, estão com sua continuada omissão a submetê-los a atos que caracterizam maus-tratos", pontua o juiz.
A liminar determina a intimação de Anne para, em dez dias, entregar à 20ª Promotoria cópias dos documentos fiscais da associação, como balancetes e demonstrativos bancários, relação de fornecedores e contratos vigentes, o nome do profissional responsável pela contabilidade da ADA e as contas bancárias ativas. A multa diária em caso de descumprimento pode chegar a R$ 1,5 mil.
Agora, caberá à CMTU indicar em até cinco dias um interventor, que irá elaborar um plano de ação para administrar a ADA no período de intervenção. A Justiça ressalta que não poderão ser destinados recursos públicos para o custeio das despesas da entidade.
LONGA INVESTIGAÇÃO
A promotora Révia de Paula Luna, da 20ª Promotoria, disse em entrevista coletiva nesta terça que a decisão liminar vem após uma investigação do Ministério Público iniciada em 2019. Primeiro, para apurar os possíveis maus-tratos aos animais; depois, em 2022, começaram a aparecer relatos de aplicação indevida dos recursos. O volume de denúncias se intensificou no ano passado.
“O juiz da Vara da Fazenda Pública aceitou e também deu um prazo para que a CMTU apresente uma pessoa física para ser o interventor, que deverá apresentar, em um prazo já fixado, um plano de ação. É o levantamento dos animais que estão doentes, o que precisa ser feito, se a estrutura vai ser mantida ou modificada. E, depois, qual é o ativo? Qual é o passivo? O que vai ser feito? Um dos pedidos do Ministério Público é a dissolução dessa associação”, afirma a promotora, que cita que a ADA descumpre a legislação tanto pela má gestão quanto pela omissão no cuidado com os animais.
De acordo com Luna, o Ministério Público enviou uma recomendação administrativa em 2022 para que a associação regularizasse os problemas no cuidado com os animais, o que não aconteceu. “Inclusive, nós recomendamos que não fossem aceitos mais animais, o que também foi descumprido”, diz a promotora.
Luna ainda ressaltou que, durante o período de intervenção, as doações serão necessárias para garantir o atendimento aos animais, já que não haverá aplicação de recursos públicos. "É um momento tão crítico que essa ajuda vai ser necessária."
O MPPR defende ser necessário o cadastramento adequado de todos os animais, a avaliação veterinária completa, o encaminhamento para tratamento necessário, o acolhimento em instalações adequadas e a realização de campanhas intensivas de adoção.
INTERVENTORES
A Prefeitura e a CMTU divulgaram uma nota afirmando que, apesar de não serem responsáveis pela forma como a entidade foi administrada nos últimos anos, essa é uma questão de saúde pública e bem-estar animal.
“A união de esforços, ao lado do Ministério Público, é o caminho para se buscar uma solução definitiva, manifestação com a qual houve concordância do MP e decisão favorável do juiz na data de hoje [terça, 22]”, diz o texto.
A CMTU vai gerir provisoriamente as atividades da associação, de forma emergencial e temporária, com delimitação expressa pela Justiça sobre as responsabilidades operacionais, orçamentárias e legais.
“Ao aceitar a nomeação como interventora, a CMTU solicitou o prazo para que a entidade apresente toda a documentação contábil para que a Companhia possa viabilizar um diagnóstico financeiro e técnico-operacional da entidade e a elaboração do plano de trabalho em bases reais em um prazo mínimo de 45 dias”, continua.

Como não há previsão orçamentária e nem de pessoal para gerir a ADA, a CMTU destacou que será necessária a participação de outros órgãos - públicos e privados - para atender às demandas dos animais.
OUTRO LADO
A vereadora divulgou nota dizendo que a ADA ainda não foi citada ou intimada “de qualquer decisão judicial que determine intervenção por parte da Prefeitura ou da CMTU”. “Ou seja: não tivemos acesso ao processo nem à íntegra da suposta decisão. Portanto, os devidos esclarecimentos serão prestados em momento oportuno, com base em informações oficiais e concretas - não em boatos”, alega Anne.
A nota também pontua que a precariedade enfrentada pela associação não é novidade e “vem sendo enfrentada com esforço, transparência e diálogo com o poder público”.
“Inclusive, em 2024, a própria presidente da associação solicitou formalmente aos órgãos públicos uma intervenção do município para que o trabalho com os animais abrigados fosse assumido com maior estrutura e apoio”, completa.
Em uma nota divulgada no último sábado (19), Anne negou que houve desvio de recursos públicos do programa Nota Paraná. Ela sustenta que, apesar de existir uma ata de encerramento da ADA de 2022, há outra de 2023, que autorizou o funcionamento da associação até 31 de dezembro de 2024.


