Juristas classificam atos em Brasília como tentativa de golpe de Estado
Especialistas em Direito ouvidos pela FOLHA observam que penas podem ultrapassar 20 anos de prisão
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 10 de janeiro de 2023
Especialistas em Direito ouvidos pela FOLHA observam que penas podem ultrapassar 20 anos de prisão
José Marcos Lopes, especial para a Folha
A invasão e a depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília, no domingo (8), por apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro podem ser classificadas como uma tentativa de golpe e de abolição do Estado Democrático de Direito, avaliam juristas. Somadas, as penas podem ultrapassar 20 anos de prisão.
Foram invadidos o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo menos 1,5 mil pessoas foram presas até o final da tarde de ontem.
Para Rodrigo Kanayama, doutor em Direito do Estado e professor universitário, os manifestantes ultrapassaram a linha ao tentarem impedir o funcionamento dos Poderes. “Isso é golpe de Estado, é deslegitimar os Poderes. É a invasão de prédios públicos com a intenção de impedir seu funcionamento e derrubar o regime vigente”, afirma. “É uma linha tênue e perigosa, é possível se manifestar contra o governo ou o sistema de governo. A questão é utilizar meios não previstos no Direito para fazer valer a minha opinião.”
O advogado criminalista Elias Mattar Assad avalia que as ações em Brasília podem configurar ao menos cinco crimes previstos no Código Penal. A pena mais longa prevista é de 12 anos de prisão. Dois artigos, os que preveem penas mais severas, estão em vigor desde 2021 e são parte da chamada Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito.
O primeiro deles é o artigo 359-L, que prevê pena de prisão de quatro a oito anos para quem “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Já o artigo 359-M prevê reclusão de quatro a 12 anos para quem tentar depor, “por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.
A destruição do patrimônio é prevista no artigo 163, com previsão de detenção de um a seis meses, além de multa e obrigação de reparar o dano. Já o ataque ao patrimônio histórico pode resultar em prisão de seis meses a dois anos, além de multa. O artigo 165 prevê a pena para quem “destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico”. Obras de arte foram danificadas ou destruídas e as construções também têm valor histórico.
Outro artigo dispositivo do Código Penal que poderá ser acionado é o artigo 188. Anteriormente caracterizada como formação de quadrilha, a conduta passou a ser chamada de associação criminosa em 2013. O artigo 288 prevê pena de prisão de um a três anos para grupos, com três ou mais pessoas, que se associam para cometer crimes.
“Existem pessoas com uma participação menor, alguém que ficou dormindo no ônibus. Mas tem a coautoria. É como se um fosse assaltar uma casa e outro ficasse na esquina”, diz Mattar Assad. “Atualmente, tudo é gravado por câmeras de segurança. E tudo deixa rastro pela internet. Aquelas que de alguma forma contribuíram para organizar poderão responder incitação ao crime”, afirma o ex-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas. A pena para incitação ao crime é de três a seis meses de prisão ou multa.
Lei Antiterrorismo
Para o advogado Frederico Brusamolin, especialista em Direito Penal, Internacional e Europeu, dificilmente os invasores poderão ser processados com base na Lei 13.260, a Lei Antiterrorismo, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2016. “Tem que haver algumas razões específicas para tipificar nessa lei, como xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. Os atos de Brasília são um ataque aos poderes constituídos, mais um crime contra a democracia do que um terror generalizado”.
Brusamolin também avalia que pessoas que não participaram das invasões responderão na Justiça. “Lideranças médias dificilmente estavam dentro do palácio ou do Senado, devem ter fugido de carro. É importante que haja uma investigação efetiva para sabermos quem banca isso. Tem muito dinheiro envolvido, porque está espalhado pelo Brasil inteiro, vemos pessoas na frente dos quartéis em diversas cidades.”
Reação
Lideranças políticas do Paraná condenaram ontem os ataques golpistas em Brasília. O governador Ratinho Junior (PSD) repudiou a violência. “Repudio profundamente os atos de violência e os distúrbios acontecidos hoje, no planalto e no STF, na capital do país. Acredito na democracia, em um Brasil unido, livre e em paz”, publicou o governador em uma rede social.
Líder do Podemos no Senado, o senador paranaense Oriovisto Guimarães emitiu uma nota condenando os atos golpistas. “Como líder do Podemos, repudio, em nome do partido, a violência e a baderna nas sedes dos três poderes em Brasília. O patrimônio público pertence a todos os brasileiros e não pode ser desrespeitado a dilapidado, em hipótese alguma, com os que não concordam com o resultado das urnas”.
O senador Flávio Arns (Podemos-PR) assinou requerimento para criação de uma CPI para apurar responsabilidades pelos atos antidemocráticos. “Quero enaltecer o trabalho das polícias legislativas do Congresso Nacional que agiram com competência e profissionalismo. Graças a esses policiais, 44 pessoas foram presas. O vandalismo poderia ter sido maior”, afirmou o senador.
O presidente da Assembleia Legislativa do Paraná, Ademar Traiano (PSD), afirmou que atentar contra a ordem não faz parte do exercício da cidadania. “Não podemos aceitar a violência, a invasão de prédios públicos, o vandalismo e a depredação. Reafirmo aqui a minha posição em defesa da Democracia, de respeito aos Poderes e de preservar as instituições. Repudio qualquer ato antidemocrático e radicalismos”.
BELINATI
O prefeito de Londrina, Marcelo Belinati, também se manifestou pelas redes sociais e escreveu que "vandalismo, depredação, agressão a policiais, violência, desrespeito a Lei e a Ordem não são atos patriotismo. São sim agressão ao Brasil e ao Estado Democrático de Direito. Os vândalos e quem os financia devem ser exemplarmente punidos com o rigor da lei".
UEL
A direção UEL (Universidade Estadual de Londrina afirmou por note que "reitera sua defesa à Democracia" e destaca serem inadmissíveis os atos criminosos ocorridos em Brasília. As ações testemunhadas neste domingo não são apenas depredação do prédios públicos, são ataques à Democracia brasileira, duramente conquistada. O ataque é ao povo brasileiro e à sua decisão ocorrida nas últimas eleições".
OAB
A OAB- Londrina repudiou "veementemente as atitudes violentas, criminosas e antidemocráticas registadas em Brasília. É tempo de dar um basta a toda e qualquer tentativa de desestabilizar as instituições, combater as ameaças insidiosas à democracia e retomar a normalidade do país". (Colaborou Lúcio Flávio Cruz)