Lula durante ato nessa terça-feira, em Porto Alegre: sua saída do jogo eleitoral poderia reduzir ainda mais a previsibilidade política na maior economia da América Latina
Lula durante ato nessa terça-feira, em Porto Alegre: sua saída do jogo eleitoral poderia reduzir ainda mais a previsibilidade política na maior economia da América Latina | Foto: Roberto Vinícius/Estadão Conteúdo



Brasília - O TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), em Porto Alegre, decidirá nesta quarta-feira (24) se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é culpado de corrupção, em um julgamento de apelação que pode liquidar com suas ambições de voltar ao poder e, inclusive, levá-lo à prisão. O julgamento terá início às 8h30 e cobertura de mais de 300 jornalistas brasileiros e estrangeiros, além de forte esquema de segurança.

Uma confirmação da sentença de nove anos e meio de prisão, proferida em julho pelo juiz federal Sérgio Moro por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, complicaria ainda mais o panorama das já incertas eleições de outubro, nas quais Lula aparece como favorito.

O PT (Partido dos Trabalhadores), sindicatos e movimentos sociais organizam caravanas com centenas de ônibus rumo à capital gaúcha para acompanhar o julgamento, e convocam atos em São Paulo, onde o ex-presidente (2003-2010) deve aguardar o veredicto.

O PT recorre a uma retórica incendiária para motivar os simpatizantes de Lula, que continua desfrutando de grande popularidade em regiões e setores que se beneficiaram de suas políticas de distribuição de renda.

"Para prender Lula, vai ter que prender muita gente, mais do que isso, vai ter que matar gente", advertiu a presidente nacional do PT, a senadora Gleisi Hoffmann, em entrevista na semana passada.

Grupos de direita também organizam manifestações contra Lula. Associações de magistrados demonstraram preocupação com as ameaças que proliferam nas redes sociais contra os três desembargadores do TRF4, a cargo do caso.

O prefeito de Porto Alegre chegou a pedir o apoio do Exército para evitar excessos. Lula, 72 anos, foi condenado como beneficiário de um apartamento no Guarujá, litoral de São Paulo, ofertado pela empreiteira OAS em troca de contratos com a Petrobras.

Se o TRF4 ratificar a sentença, o ícone da esquerda latino-americana estará mais perto da prisão e de uma invalidação de sua eventual candidatura. A princípio, no entanto, Lula poderá continuar livre e fazer campanha até esgotar os recursos em tribunais penais e eleitorais.

O ex-líder sindical alega inocência e denuncia uma conspiração das elites.

"Descobrimos que sofisticaram o golpe, não precisava mais de tanque, soldado, era só contar uma mentira contada como verdade pelos meios de comunicação. Mentira que entorpeceu a população como uma anestesia", disse Lula em um encontro na semana passada com intelectuais no Rio de Janeiro.

Lula enfrenta outros seis processos por casos de corrupção, tentativa de obstrução da Justiça e tráfico de influência.

ABSOLVIÇÃO POUCO PROVÁVEL
O TRF4 analisa as apelações relacionadas com a operação Lava Jato, que desde 2014 revelou um esquema de propinas pagas por empreiteiras a políticos de todas as tendências para vencer contratos de licitação na Petrobras.

Os antecedentes são negativos para Lula: entre a centena de sentenças tratadas até agora, a grande maioria foi aumentada ou confirmada e apenas umas vinte foram diminuídas (às vezes em apenas alguns meses) ou anuladas.

A corte vai se pronunciar, ainda, sobre os recursos de outros seis envolvidos no caso do tríplex do Guarujá.

No mesmo expediente aparecia a mulher de Lula, dona Marisa Letícia, falecida em fevereiro de 2017. Em seu funeral, Lula prometeu lutar para que seus acusadores "tenham um dia a humildade de pedir desculpas a ela" pela "canalhice" cometida contra sua mulher por mais de quatro décadas.

PT SEM PLANO B
Qualquer que seja a sentença, constituirá uma nova provação para a já combalida democracia brasileira.

Em 2016, o Brasil viveu um impeachment que conduziu à destituição da presidente Dilma Rousseff, herdeira política de Lula, por manipulação das contas públicas.

Dilma foi substituída por seu vice-presidente, Michel Temer (PMDB-SP), que também está, assim como seus principais ministros, sob fogo cruzado de investigações por corrupção, ainda que protegido por enquanto pelo foro privilegiado.

O PT deixou claro que não elabora nenhum plano B para substituir Lula como candidato.

Sua saída do jogo eleitoral poderia reduzir ainda mais a previsibilidade política na maior economia da América Latina.

"Se Lula não puder concorrer, a eleição fica indefinida e passamos a ter 5 ou 6 candidatos com possibilidade de chegar no segundo turno. Então, isso tornaria as eleições de 2018 as mais imprevisíveis desde que o Brasil voltou a ser uma democracia", disse à AFP o cientista político Maurício Santoro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

O presidente Michel Temer chegou a afirmar que preferiria que Lula fosse derrotado nas urnas para evitar sua "vitimização".

Na última pesquisa Datafolha, no início de dezembro, Lula tinha 34% das intenções de voto, seguido pelo deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), com 17%.

Imagem ilustrativa da imagem Julgamento-chave decide hoje destino de Lula e do Brasil