Grupo de ministra de Lula é alvo de relatos sobre uso de armas até em licitação
Campanha a deputada federal de Daniela Carneiro recebeu apoio de milicianos acusados pelo MP de fraude a licitação e organização criminosa
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sexta-feira, 06 de janeiro de 2023
Campanha a deputada federal de Daniela Carneiro recebeu apoio de milicianos acusados pelo MP de fraude a licitação e organização criminosa
Ítalo Nogueira - Folhapress
Rio de Janeiro - O engenheiro Leandro Meira da Silva aguardava em uma sala da Prefeitura de Belford Roxo (RJ) o início da sessão para analisar propostas para locação de máquinas e veículos para o município. Até chegar àquela mesa, ele teve de ir quatro vezes à sede da Secretaria Municipal de Conservação para conseguir os documentos do edital para participar da licitação -ele representava a empresa EJC Construções. Por duas vezes os papéis lhe foram negados e, quando entregues, o foram de maneira incompleta. Apenas na quarta visita Silva conseguiu todas as informações.
Enquanto aguardava o início da disputa, o engenheiro viu o empresário Jorge Santana, representante da Master Rio Construções, chegar e, sem cerimônia, informar-lhe que era o "dono do contrato" porque havia "ajudado o prefeito e trabalhava com ele". Silva se negou a deixar a sala e desistir da disputa. Após proferir uma série de ameaças, Santana fez uma ligação telefônica.
Logo em seguida, um policial militar não identificado compareceu à sala da prefeitura portando uma arma e exigindo que o engenheiro "saísse do jogo" a fim de evitar a necessidade de se "resolver lá embaixo" a questão.
A licitação foi adiada e, quatro dias depois, a EJC Construções foi inabilitada para o certame. A Master Rio venceu o contrato de R$ 5,3 milhões com indícios de fraudes, segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro.
O relato faz parte do depoimento dado por Silva ao MP-RJ, que compõe o rol de provas de uma denúncia de 127 páginas apresentada ao Tribunal de Justiça contra o prefeito Wagner dos Santos Carneiro (União), o Waguinho, principal fiador da nomeação da esposa, Daniela Carneiro (União), para o Ministério do Turismo.
Waguinho e o deputado estadual Márcio Canella (União), ex-vice-prefeito da cidade, e outras 23 pessoas foram denunciados sob acusação de peculato, concussão, fraude a licitação e organização criminosa. O tribunal ainda aguarda a resposta dos acusados para analisar se aceita ou não a denúncia.
Procurados, o prefeito e o deputado não se pronunciaram. A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Santana. A Promotoria afirma que os acusados buscavam aliciar empresários para o esquema "por meio de coação e violência pouco vistas na historiografia judiciária fluminense".
Outro depoimento que compõem este cenário, para o MP-RJ, é do empresário Moisés Boechat, dono de um aterro sanitário que tinha contrato com o município. Boechat afirmou aos promotores que começou a ser abordado por interlocutores de Waguinho e Canella já na campanha eleitoral de 2016, quando o prefeito foi eleito ao cargo pela primeira vez. A proposta era de arrendar seu aterro por R$ 500 mil. Ele recusou, e a oferta subiu para R$ 1 milhão, também rejeitada.
O Ministério Público afirma que a dupla tinha interesse em assumir o aterro e seus contratos avaliados em mais de R$ 90 milhões apenas com o poder público. Após recusar ceder o controle da empresa, Moisés relatou ter virado alvo de ameaças. Os homens construíram uma fossa "de grande dimensão" que inviabilizou o acesso de caminhões ao terreno. O aterro passou a ser alvo sucessivo de multas e operações com detenção de funcionários. As ameaças não surtiram efeito, Moisés deixou o aterro fechado por seis anos até revendê-lo a outra empresa em dezembro do ano passado.
Os relatos que atribuem violência dos agentes municipais se somam ao histórico da cidade, que já figurou entre as mais violentas do país.
De acordo com dados do Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) da UFF, grupos criminosos dominam cerca de 35% da cidade, cujo nome é homenagem a Raimundo Teixeira Belfort Roxo, um engenheiro maranhense que realizava serviços para a corte imperial.
De acordo com investigações do Ministério Público, milicianos ampliaram sua influência para dentro do poder público municipal. O ex-presidente da Câmara Municipal, Márcio Pagniez, o Marcinho Bombeiro, foi preso sob acusação liderar uma milícia no bairro Andrade Araújo. O vereador Fábio Brasil, o Fabinho Varandão, também acusado de chefiar uma quadrilha que autua em dez bairros, é atualmente secretário municipal de Ciência e Tecnologia. Os dois participaram, direta ou indiretamente, da campanha da ministra no ano passado para a Câmara dos Deputados.
Daniela Carneiro é alvo de pressão desde que a Folha de S.Paulo mostrou o vínculo que seu grupo político mantém há ao menos quatro anos com a família de outro miliciano, o ex-PM Juracy Prudêncio, o Jura. Ele atuou diretamente na campanha da ministra em 2018, quando já estava condenado a 26 anos de prisão por homicídio e associação criminosa, e por meio de sua mulher, Giane Prudêncio, no ano passado.
Daniela foi nomeada ministra como uma forma de contemplar a União Brasil e ampliar a presença feminina na montagem do governo.
Também foi uma retribuição pelo empenho dela e do marido na campanha do segundo turno em favor do presidente Lula. O casal foi uma das poucas lideranças a apoiar abertamente o petista na Baixada Fluminense.

