Brasília - O governo Lula (PT) prometeu a parlamentares apresentar ainda em fevereiro um plano para reverter o corte no Orçamento de R$ 5,6 bilhões aplicado sobre as chamadas emendas de comissão. O objetivo do Palácio do Planalto é tentar evitar uma nova crise com o Congresso Nacional na volta dos trabalhos legislativos.

Nesta segunda (22), Lula sancionou o Orçamento de 2024 com o veto bilionário sobre as emendas parlamentares - que são o principal mecanismo pelo qual deputados e senadores destinam recursos para os seus redutos eleitorais. A medida foi publicada em edição do "Diário Oficial" da União desta terça-feira (23).

Mesmo com o veto, o saldo em emendas será de R$ 47,5 bilhões, um patamar sem precedentes.

O dinheiro das emendas tem sido usado com critérios políticos, e não técnicos. Ou seja, a verba do governo federal é enviada a redutos de deputados e senadores, sem que ocorra necessariamente uma avaliação sobre a sua necessidade. Na prática, programas federais têm sido esvaziados.

O governo justificou o veto afirmando que durante a tramitação do projeto no Congresso, dotações inicialmente programadas pelo Executivo "sofreram redução considerável", e parte dos recursos foi direcionada para as emendas de comissão da Câmara e do Senado.

"Em que pese a boa intenção do legislador no sentido de direcionar recursos a áreas de legítimo interesse das comissões autoras das emendas, e diante da redução supracitada, ficam comprometidas programações relevantes que demandam recomposição, mesmo que parcial, sendo necessário o veto de parte das dotações relativas às emendas RP 8, no montante de R$ 5,6 bilhões, por contrariedade ao interesse público", diz justificativa do governo publicada em edição do "Diário Oficial".

O anúncio do corte sobre as emendas já desencadeou uma reação entre congressistas, que indicam que o veto de Lula deve ser derrubado. O tema é mais um na lista de ações do Planalto que foram mal recebidas pelo Congresso e que azedaram a relação entre os dois Poderes.

No final de dezembro, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) editou uma medida provisória que reonera a folha de pagamentos de setores da economia. A medida gerou forte críticas entre deputados e senadores, que acusaram o ministro de insistir numa política que já foi rejeitada em votação pelo Parlamento.

Na semana passada, em outra iniciativa que irritou uma importante bancada do Legislativo, a Receita revogou a ampliação de um benefício tributário concedido a pastores.

A decisão entrou na mira dos deputados da Frente Parlamentar Evangélica, e o governo precisou anunciar a criação de um grupo de trabalho para tratar do tema. Com as ameaças dos parlamentares religiosos, o Planalto avalia retomar o benefício.

A composição atual do Congresso não traz um cenário de tranquilidade a Lula. Apesar de a base formal contar com mais de 350 dos 513 deputados, a esquerda tradicional tem pouco mais de 100 cadeiras.

Para evitar a criação de uma nova crise, articuladores de Lula dizem que uma proposta de recomposição das emendas será colocada sobre a mesa até o final de fevereiro. A ideia é negociar a solução antes da sessão conjunta do Congresso que tem poder de analisar vetos do presidente da República - e derrubá-los. A convocação dessas sessões cabe ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

O governo sabe que este é um ano eleitoral e que isso gera pressão para que deputados e senadores destinem dinheiro para suas bases antes do início das campanhas municipais. Pelas regras eleitorais, há limitações para esses repasses no começo do segundo semestre.

O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), admitiu o risco de derrubada do veto. "Vamos negociar ao máximo para que não serem derrubados", afirmou.

Já o relator do Orçamento de 2024, deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), esteve no Palácio do Planalto para a sanção da medida e também falou na possibilidade de derrota do governo. "Isso que vamos tentar construir até a próxima sessão do Congresso. Logicamente, se não achar solução, o objetivo dos parlamentares é derrubar o veto", disse a jornalistas.

O alvo do veto de Lula foi no tipo de emenda que é usada para negociações políticas no Congresso, as de comissão.

Líderes admitem que as emendas de comissão vão funcionar como as extintas emendas de relator, que eram a principal moeda de troca nas negociações do governo Jair Bolsonaro (PL) e do Legislativo. O mecanismo das emendas de relator foi derrubado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) no fim de 2022.

"Vamos negociar ao máximo para que não serem derrubados", afirma líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
"Vamos negociar ao máximo para que não serem derrubados", afirma líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) | Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Naquele ano, as emendas de comissão representaram apenas R$ 330 milhões. Para 2024, o Congresso aprovou R$ 16,6 bilhões. Mas o Planalto diz que o acordado era o valor de R$ 11 bilhões e que, por isso, precisou vetar uma parte.

Integrantes do Congresso dizem que a verba de R$ 16,6 bilhões já foi dividida informalmente entre a cúpula do Legislativo. Isso, portanto, é mais um entrave para os parlamentares aceitarem a redução do valor.

Pelo acertado, por exemplo, a Comissão de Desenvolvimento Regional do Senado teria R$ 4,5 bilhões e a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), R$ 800 milhões - essa última é comandada por Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), um dos campeões do envio de emendas no Congresso.