Curitiba - As eleições municipais são o principal momento no calendário eleitoral para as chamadas “famílias políticas” renovarem seus quadros e reafirmarem seu poder. As disputas locais são vistas como porta de entrada para os cargos eletivos, com a eleição para vereadores, e a primeira chance de acesso ao orçamento público, com a escolha de prefeitos. O confronto municipal, entretanto, é apenas um dos passos na busca pelo poder em um sistema político onde os mesmos sobrenomes se perpetuam e se revezam.

“Política no Brasil é um negócio de famílias políticas, todas as instituições são controladas por famílias políticas e estruturas de parentesco”, diz Ricardo Costa de Oliveira, professor titular do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Núcleo de Estudos Paranaenses (NEP-UFPR). “A eleição municipal é um grande momento para atualização do poder dessas famílias, muitas vezes com o perfil de novos candidatos, com filhos e netos de políticos conhecidos.”

As principais cidades paranaenses são exemplos disso. Em Londrina, o candidato apoiado pelo governador Ratinho Júnior é Tiago Amaral (PSD), filho de Durval Amaral, ex-deputado estadual e hoje conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Em Maringá, as pesquisas indicam a vitória de Silvio Barros (PP), ex-prefeito, filho do ex-prefeito com o mesmo nome, irmão do deputado federal Ricardo Barros, cunhado da ex-governadora Cida Borghetti e tio da deputada estadual Maria Victoria.

Em Curitiba, quatro dos dez candidatos são ligados a famílias políticas. O vice-prefeito Eduardo Pimentel (PSD) é neto do ex-governador Paulo Pimentel; Ney Leprevost (União Brasil) é neto do ex-prefeito com o mesmo nome e irmão do vereador Alexandre Leprevost; Maria Victoria (PP) é filha de Ricardo Barros; e Roberto Requião (Mobiliza), ex-governador, é líder de uma família política que inclui seu filho, deputado estadual, e seus irmãos, Maurício (ex-secretário da Educação e atualmente conselheiro do TCE) e Eduardo (que foi diretor do Porto de Paranaguá e candidato a prefeito na capital).

Em Ponta Grossa, dois clãs disputam a prefeitura: a candidata do PSDB, Mabel Canto, é filha do ex-prefeito e ex-deputado estadual Jocelito Canto e irmã da vereadora Joce Canto; já o candidato do PSD, o ex-prefeito Marcelo Rangel, é irmão de Sandro Alex, deputado federal e secretário de Infraestrutura do governo Ratinho Junior. Outros candidatos com famílias políticas são Edgar Bueno (PDT), em Cascavel, e o deputado estadual Marcel Micheletto (PL), filho do ex-deputado Moacir Micheletto, em Assis Chateaubriand.

PODER E DINHEIRO

Ricardo Oliveira observa que as famílias políticas têm ramificações nas três esferas de poder (municipal, estadual e federal) e nos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Com a ocupação de cargos, elas têm mais capacidade para direcionar e controlar o orçamento público, beneficiar gestões aliadas e aumentar sua influência política. Até o processo eleitoral é controlado, já que as famílias têm representantes no Legislativo, responsável pela elaboração das leis eleitorais, e no Judiciário.

“Esse fenômeno tem uma lógica. As famílias políticas controlam o orçamento e o sistema eleitoral, as transmissões de votos, o marketing político e também recursos, através do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, já que elas controlam os partidos”, diz o pesquisador da UFPR. “E como seus representantes são sempre eleitos, elas controlam as dotações orçamentárias, as emendas e as destinações de recursos para os municípios.”

Oliveira avalia que o orçamento secreto (como ficou conhecido o sistema de emendas orçamentárias na Câmara durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro) é uma síntese do poder familiar. “O orçamento secreto é o orçamento do nepotismo familiar, conduzindo recursos para as bases eleitorais municipais. São senadores e deputados federais com parentesco ou relações muito próximas com prefeitos e prefeituras, que transferem recursos para viabilizar a competitividade eleitoral de seus aliados.”

Para o professor da UFPR, há uma cultura do nepotismo no país, o que explica a repetição de sobrenomes a cada eleição. “Em todas as cidades tem o fenômeno dos candidatos de famílias políticas. O que explica sociologicamente o fenômeno é a cultura política do nepotismo. Falam que no Nordeste isso é mais intenso, mas é em todo o país. No Paraná, temos a atuação decisiva de famílias políticas e de jovens herdeiros. São os ‘nepobabies’ ou ‘nepopolíticos’”, diz o pesquisador.

INTEGRAÇÃO

Segundo Ricardo Oliveira, as famílias que ascendem nesse sistema tendem a se misturar com os clãs mais tradicionais. “Quem é novo e está entrando com sucesso na política ou no empresariado tende a casar seus filhos com filhos de famílias mais antigas na política e na riqueza. E aí isso reproduz”, diz o pesquisador. “É o fenômeno de absorção: quem adquire dinheiro e poder começa a frequentar os mesmos ambientes de quem já tem.”

Um exemplo de integração é a família de Eduardo Pimentel, vice-prefeito de Curitiba e candidato a prefeito neste ano. Seu avô é o ex-governador, ex-deputado federal e ex-presidente da Copel Paulo Pimentel, que foi proprietário de um grupo de comunicação no estado, com emissoras afiliadas ao SBT e dois jornais de Curitiba.

Pimentel se casou com Yvone Lunardelli, cuja família era grande proprietária de terras no Paraná. Sua filha Isabel Pimentel se casou com Cláudio Gomes Slaviero, de duas famílias tradicionais: Gomes, da região de Irati e que teve o ex-governador do Paraná Emílio Hoffmann Gomes; e Slaviero, que tem negócios em vários ramos no estado. Eduardo Pimentel Slaviero é irmão de Daniel Pimentel Slaviero, atual presidente da Copel.

“Antes disso, a família Pimentel já vem de uma estrutura política de grandes latifundiários na região sul de São Paulo, na região de Itararé”, diz Ricardo Costa Oliveira. “É o tradicional poder da capitania de São Paulo desde o século 16. O Eduardo Pimentel Slaviero é a atualização e a continuidade de velhos esquemas familiares que estão no poder desde que o Brasil existe”, avalia Oliveira.

Já a família do candidato Tiago Amaral em Londrina ascendeu por volta da década de 1990. “Durval Amaral foi um emergente, ele era próximo do Requião, depois se entrosou muito com o Jaime Lerner e com a grande figura política que foi o Aníbal Khury (ex-deputado falecido em 1999), que era considerado o ‘vice-rei’ da Assembleia Legislativa. E agora o futuro presidente da Assembleia será o Alexandre Maranhão Curi, neto de Aníbal Curi e que também é da tradicional família Maranhão, que está aí desde as capitanias hereditárias.”