A Câmara dos Deputados deverá votar na próxima terça-feira (2) o projeto de lei que regulamenta as redes sociais e os aplicativos de mensagem no país, que ficou conhecido como PL das Fake News. Apresentada em 2020 e já aprovada no Senado, a proposta passou a tramitar em regime de urgência na Câmara na semana passada, com 238 votos favoráveis à urgência e 192 contrários. A oposição ao governo de Luiz Inácio da Lula da Silva (PT) tem se articulado para barrar o que chama de uma possível tentativa de “censura”.

O PL 2630 foi apresentado em 2020 pelo senador Alessandro Vieira (hoje no PSDB de Sergipe) e aprovado em julho daquele ano pelo Senado. O projeto ficou dois anos parado na Câmara e a urgência foi motivada pelos recentes ataques a escolas (no último, no dia 4, quatro crianças foram mortas em uma creche em Blumenau) e pela suposta leniência das redes sociais em relação a mensagens com conteúdos de informações falsas ou que incentivam atos violentos. No dia 10, em reunião com autoridades em Brasília, uma representante do Twitter informou que perfis que compartilham fotos de assassinos de crianças não poderiam ser punidos, por não violarem os termos de uso da plataforma.

Após uma série de discussões e alterações, o texto final foi apresentado na noite de quinta-feira (27) pelo relator da proposta na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Uma das condições para o projeto ser votado foi a retirada do artigo que previa a criação de uma autarquia para fiscalizar o cumprimento da lei. O texto estabelece que os provedores devem agir para impedir a propagação de publicações que incentivem atos violentos, golpe de Estado, terrorismo, suicídio e crimes contra crianças e adolescentes.

“O projeto vem sendo chamado de PL das Fake News, mas trata de muito mais do que isso, há uma regulação das redes sociais, das ferramentas de busca e dos aplicativos de mensagens", diz à FOLHA o advogado Marcos Alberto Rocha Gonçalves, mestre e doutor em Direito Civil. Pela legislação em vigor, o Marco Civil da Internet, de 2014, as plataformas só podem ser responsabilizadas caso descumpram decisão judicial que determine o envio de informações sobre perfis às autoridades ou a remoção desse tipo de conteúdo. Na semana passada, a Justiça determinou a retirada do ar do aplicativo Telegram, que se recusou a entregar à Polícia Federal dados sobre grupos neonazistas que atuam na plataforma.

Para Rocha Gonçalves, o PL das Fake News acerta ao tentar evitar os danos. “É fundamental uma legislação dessa natureza, porque os mecanismos punitivos não devem ser os primeiros a serem utilizados. A lógica do Estado punitivo é a lógica do Estado que não está pronto para a evolução e muitas vezes a reparação não é suficiente”, afirma o especialista. “No caso dos provedores de conteúdo, é possível prevenir o dano. Em um processo eleitoral, por exemplo, um povo pautado por fake news vai tomar decisões erradas. Depois disso, a reparação não traz mais solução”.

PAPEL ATIVO

Para Rafael Sampaio, professor do departamento de Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UFPR, é praticamente um consenso hoje que as redes sociais fazem pouco, perto do que poderiam, para coibir a disseminação desse tipo de conteúdo. “O Marco Civil da Internet é de outro momento, já tinha discurso de ódio, mas o poder dos algoritmos não era tão visível”, avalia o professor. “A sociedade civil percebeu que isso era importante e que há abusos, como houve no caso do 8 de janeiro e nos ataques a escolas. As plataformas têm que ter um papel mais ativo de monitorar os conteúdos e retirar o que seja nocivo”.

Sampaio lembra que a União Europeia tem uma regulamentação mais rígida que a proposta avaliada na Câmara. “Os Estados Unidos, um país com tradição mais liberal, tentam fazer regulações mínimas, mas a União Europeia acaba de aprovar uma regulação muito mais forte”, afirma. “Existe uma resistência no Brasil a qualquer tipo de regulação, que é vista como censura, mas o objetivo primário é evitar os extremos, campanhas deliberadas de ataques e de discurso de ódio. Muitas pessoas usam o discurso da liberdade de expressão para se manterem nessas atividades ilegais”.

Não há clima para aprovar o projeto, diz Barros

A oposição ao presidente Lula (PT) avalia que não há clima para a aprovação do PL das Fake News, o que poderá levar ao adiamento da votação. Muitos deputados que votaram favoravelmente ao regime de urgência já teriam se manifestado contra a aprovação. “Será muito difícil a aprovação. Muitos deputados que votaram ‘sim’ à urgência já estão declarando voto contrário ao mérito do projeto”, afirma à FOLHA o deputado federal Filipe Barros (PL-PR). “Com a perspectiva de que podemos derrotar a lei da censura, existe a possibilidade de não ser levado a votação tão cedo”.

Deputado bolsonarista Filipe Barros (PL-PR) diz que PL das Fake News é "lei da censura" e não crê em aprovação
Deputado bolsonarista Filipe Barros (PL-PR) diz que PL das Fake News é "lei da censura" e não crê em aprovação | Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Para Barros, o governo federal aproveitou o clima causado pelos atentados nas escolas para obter a aprovação do projeto. ”O governo petista tem usado esses tristes episódios para justificar a aprovação de um projeto de lei que objetiva censurar seus críticos e calar a oposição", sustenta o deputado, que defende outro tipo de regulamentação. “Defendo que as plataformas tenham uma regulamentação no sentido de garantir ao usuário direitos já estabelecidos na nossa Constituição, como ampla defesa e contraditório”.

O discurso sobre a possível censura também foi adotado pelo deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR). Na semana passada, ele afirmou em vídeo que versículos da Bíblia poderão ser censurados pelas redes sociais caso o projeto seja aprovado. Para o relator Orlando Silva, o vídeo do deputado paranaense comprova a necessidade de regulamentação, por seu conteúdo inverídico, segundo ele.

O artigo 5º do PL 2630 diz que as limitações de publicações “não implicarão restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural”, nos termos da Constituição. Ou seja: na avaliação de especialistas, é livre a publicação de trechos de obras literárias e religiosas, por exemplo.

“Estão desvirtuando totalmente o sentido, é óbvio que não vão censurar trechos da Bíblia. Não faz sentido. É um texto histórico que não foi feito no sentido de ofender”, avalia o jurista Marcos Alberto Rocha Gonçalves. “Não é disso que trata o projeto, mas de estabelecer a responsabilidade pela propagação de notícias falsas ou que atentem contra a dignidade humana. Isso atende aos princípios constitucionais”.

Relator cede e retira do PL das Fake News agência para fiscalizar plataformas

Brasília - Para vencer a resistência na Câmara, o relator do PL (projeto de lei) das Fake News, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), retirou do texto a criação de uma agência reguladora de supervisão das plataformas e deixou explícito o livre exercício de cultos religiosos e a "exposição plena" de seus dogmas e livros sagrados.

O deputado protocolou seu relatório final na noite de quinta-feira (27) após negociar ajustes com bancadas nos últimos dias. A expectativa é que o mérito seja votado na próxima terça-feira (2).

O projeto em discussão traz, entre outros pontos, uma série de obrigações aos provedores de redes sociais e aplicativos de mensagem, como a moderação de conteúdo.

O texto de Orlando Silva também prevê o pagamento por parte das plataformas pelo conteúdo jornalístico utilizado sem que esse custo seja repassado ao usuário final. Sobre a forma do pagamento, o texto aponta que a pactuação deve ser feita entre as plataformas e as empresas jornalísticas.

A votação do PL ganhou força no governo Lula (PT) após os atentados de 8 de janeiro e principalmente depois dos ataques a escolas em São Paulo e em Blumenau (SC).

O relatório anterior do deputado dava ao Executivo a prerrogativa de criar uma entidade autônoma de supervisão para regulamentar dispositivos do projeto, fiscalizar o cumprimento das regras, instaurar processos administrativos e aplicar sanções em caso de descumprimento das obrigações.

O ponto era criticado pela oposição, que apelidou o órgão de "Ministério da Verdade". Segundo eles, poderia haver risco de interferência ideológica na agência, com a retirada de conteúdos de opositores.

Orlando Silva também incluiu dispositivo dizendo que a lei deverá observar "o livre exercício da expressão e dos cultos religiosos, seja de forma presencial ou remota, e a exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados".

O item busca atender ao pleito da bancada evangélica, que ameaçava votar contra a proposta se a "liberdade religiosa" não fosse explicitada.

Para os provedores de redes sociais há obrigações, por exemplo, de produção de relatórios de transparência e de identificação de todos os conteúdos impulsionados e publicitários.

Segundo o texto, as decisões judiciais que determinarem a remoção imediata de conteúdo ilícito relacionado à prática de crimes referidos na lei deverão ser cumpridas pelos provedores em até 24 horas, sob pena de multa entre R$ 50 mil e R$ 1 milhão por hora de descumprimento.

CRÍTICAS

A oposição criticava trecho de relatório anterior de Orlando Silva com determinação para que provedores atuem "hábil e diligentemente" quando notificados sobre conteúdos potencialmente ilegais gerados por terceiros no âmbito de seus serviços, que configurem ou incitem crimes contra o Estado democrático de Direito e de golpe de Estado, atos de terrorismo e crimes contra crianças e adolescentes.

O deputado amenizou o trecho e indicou apenas que os "provedores devem atuar diligentemente para prevenir e mitigar práticas ilícitas no âmbito de seus serviços, envidando esforços para aprimorar o combate à disseminação de conteúdos ilegais gerados por terceiros".

Entre os principais pontos do projeto estão o dever das plataformas de vetar contas inautênticas, a obrigatoriedade de divulgação de relatórios de transparência sobre moderação de conteúdos, a criação de conselho de transparência e responsabilidade, além da realização de estudos, pareceres e recomendações sobre liberdade, responsabilidade e transparência na internet.

O projeto estabelece também multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil em caso de descumprimento da lei.

Entidades como Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) e ANJ (Associação Nacional de Jornais), que reúnem os principais veículos de mídia, defendem o PL. Veículos menores temem perder financiamento por terem menor poder de barganha. (DANIELLE BRANT, FABIO SERAPIÃO E RANIER BRAGON/FOLHAPRESS)