SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Restrições impostas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sobre investigações relativas ao senador e ex-governador de São Paulo José Serra (PSDB) não impediram a Lava Jato de identificar saídas jurídicas que permitissem denunciar o tucano sob acusação de lavagem de dinheiro nesta sexta-feira (3).

Ao descrever suas investigações, a Procuradoria afirma que houve movimentações financeiras ligadas ao tucano posteriores ao período que o Supremo considerou que eventuais acusações criminais contra Serra estavam prescritas.

A denúncia também se encaixa em um contexto que a Lava Jato de São Paulo vem trabalhando desde o início das suas apurações, com acusações apresentadas a respeito de suspeitas de cartel e lavagem de dinheiro ligados à construção do trecho sul do Rodoanel.

Além da denúncia, a operação, intitulada Revoada, fez busca e apreensão em endereços ligados a Serra e foi criticada pela assessoria do tucano como "invasiva e agressiva".

A acusação da Lava Jato acrescentou, no entanto, novos elementos ao que já foi investigado em relação ao senador e alcançou um político importante em um momento que a PGR (Procuradoria-Geral da República) discute reduzir autonomia das forças-tarefas.

Em agosto de 2018, a segunda turma do Supremo decidiu remeter à Justiça Eleitoral o inquérito oriundo da delação da Odebrecht que investigava Serra e o ex-diretor da Dersa (estatal paulista de rodovias) Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, apontado como um operador de propinas do PSDB.

À época, a turma do STF também decidiu, por 4 votos a 1, que fatos anteriores a agosto de 2010 investigados nesse inquérito prescreveram em relação a Serra e ao empresário Ronaldo Cezar Coelho, apontado como operador do tucano e também citado na apuração do trecho sul do Rodoanel.

Conforme voto à época do ministro Gilmar Mendes, como ambos tinham mais de 70 anos (Serra hoje tem 78), eventuais crimes atribuídos a eles nessa época estavam prescritos.

Ao abrir o inquérito, a PGR havia visto indícios do crime de corrupção (cuja pena é de 2 a 12 anos de prisão), porque o pagamento dos recursos teria sido feito pela Odebrecht em troca de favores dos agentes políticos.

No entanto, apesar de terem usado provas da delação da Odebrecht na denúncia desta sexta-feira contra Serra, os procuradores entendem que não há prescrição dos episódios relativos à lavagem de dinheiro, que teriam sido praticados ao menos de 2006 a setembro de 2014.

Nessa data final, os procuradores perderam o rastro das movimentações financeiras feitas em contas supostamente ligadas ao senador.

Como a denúncia trata de movimentação de dinheiro em pessoas jurídicas sediadas em paraísos fiscais, as chamadas offshores, o Ministério Público Federal também entendeu que o caso é de competência da Justiça Federal, e não da Eleitoral.

Entendeu, ainda, que não precisa haver condenação por corrupção para que se considere que houve lavagem de dinheiro --depois da decisão do STF, os episódios narrados como suspeitos de corrupção no inquérito contra Serra foram considerados prescritos pela Justiça Eleitoral.

Em resumo, a denúncia diz que Serra recebeu 936 mil euros da Odebrecht de 2006 a 2007 no exterior, por intermediação do operador José Amaro Pinto Ramos. O dinheiro chegou em uma offshore controlada por Verônica, a filha do tucano.

A partir disso, teriam ocorrido uma série de operações financeiras para dissimular e ocultar a origem ilícita do dinheiro. Essas movimentações teriam ocorrido de 2006 até, pelo menos, setembro de 2014.

O documento frisa que não houve "qualquer indicativo no sentido de que as operações ora imputadas tenham qualquer lastro em relações comerciais lícitas".

Além de imóveis ligados a Serra, foram feitas buscas e apreensões também na residência de Ronaldo Cezar Coelho, em São Paulo. O advogado dele, Antonio Claudio Mariz de Oliveira, diz que nada foi apreendido.

Em nota, a assessoria de Serra disse que a ação "causa estranheza e indignação".

"Em meio à pandemia da Covid-19, em uma ação completamente desarrazoada, a operação realizou busca e apreensão com base em fatos antigos e prescritos e após denúncia já feita, o que comprova falta de urgência e de lastro probatório da acusação", afirma a nota.

"É lamentável que medidas invasivas e agressivas como a de hoje sejam feitas sem o respeito à lei e à decisão já tomada no caso pela Suprema Corte, em movimento ilegal que busca constranger e expor um senador da República", acrescenta.

"O senador José Serra reforça a licitude dos seus atos e a integridade que sempre permeou sua vida pública. Ele mantém sua confiança na Justiça brasileira, esperando que os fatos sejam esclarecidos e as arbitrariedades cometidas devidamente apuradas."

Também em nota, o presidente do PSDB de São Paulo, Marco Vinholi, afirmou que "defende a ampla e irrestrita investigação dos fatos sempre que houver questionamentos envolvendo recursos e agentes públicos".

"Ressaltamos nossa absoluta confiança no senador José Serra, na sua história e conduta, e na Justiça, onde as ações serão devidamente esclarecidas."

Projeto iniciado em 1998, o Rodoanel é, como o próprio nome diz, um anel rodoviário que, quando concluído, terá 176 km de extensão e interligará dez rodovias importantes que chegam à região metropolitana de São Paulo.