A menos de seis meses das eleições no Brasil, dos onze pré-candidatos à Presidência da República, apenas duas são mulheres. Pior: apenas uma mulher preta – Vera Lúcia (PSTU). A outra presidenciável é a senadora Simone Tebet (MDB), que ganhou projeção ao participar da CPI da Covid. Em julho de 2021, o Brasil ocupava a 140ª posição no ranking de participação política feminina entre 192 países pesquisados pela União Interparlamentar. Estava atrás de todas as nações da América Latina, exceto Paraguai e Haiti. E continua com participação feminina mínima no protagonismo político. Mas por que, mesmo depois de tantas lutas, a representatividade é tão baixa?

Para Poliana Santos, educadora da rede pública de ensino e candidata a vereadora de Londrina em 2020 pelo PT (Partido dos Trabalhadores), essa invisibilidade ocorre porque, “apesar da negação, o Brasil é um país de estrutura machista, racista e lgbtfóbica”. "Então, obviamente, isso se reflete muito nos campos eleitorais. Quando estamos nesses anos de eleição, conseguimos perceber bem como isso se faz. Como, infelizmente, a nossa política é uma política que dá visibilidade para o homem branco hétero cis normativo. Não é que não temos pessoas de potenciais nessas outras categorias na sociedade. Mas é porque o espaço público a ser disputado é muito complicado, é um espaço público voltado para essas pessoas de privilégio”, argumenta.

Ainda segundo a educadora, qualquer mulher que foge deste padrão e continua como candidata é uma pessoa que precisou superar barreiras e enfrentar dificuldades para conseguir se manter na disputa eleitoral, ainda que com pequena força política.

Ângela Silva, professora da rede municipal, mestranda em educação pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) e ex-candidata a vereadora pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) nas eleições em 2020, concorda com as colocações de Santos, mas acrescenta um outro ponto importante quando se trata de política no Brasil: a herança oligárquica. “É uma herança na qual quem está à frente do poder é uma oligarquia, é a grande maioria das câmaras municipais, assembleias legislativas e Câmara Federal. E, se nós pensarmos no poder político maior, a gente vem num processo de oligarquias muito grandes e são essas heranças oligárquicas que assumem o poder”, afirma a mestranda.

racismo

Quando adicionado à candidata o fato de ela ser negra, a situação fica ainda mais crítica. Assim como deve ocorrer em 2022, Vera Lucia foi a única mulher negra a tentar a Presidência da República em 2018, quando obteve apenas 55.765 votos, que representam 0,05% total dos válidos. Para a educadora Ângela Silva, que também é negra, a política ainda é um espaço que nega alguns direitos essenciais, principalmente para as mulheres e, ainda mais, para mulheres negras. Além de sofrer com a opressão de gênero, as mulheres pretas sofrem com o racismo, também estrutural e institucional no país.

“Estar nesses ambientes é um desafio e um processo de resistência. Ocupar esses espaços é um processo de necessidade hoje para nós mulheres negras, para que possamos, aos poucos, influenciando e abrindo caminho para que outras mulheres possam vir a conseguir avançar nessa questão política”.

Londrina e Paraná

Em Londrina, o cenário não é muito diferente. Dos 19 vereadores eleitos em 2020 para a Câmara de Londrina, apenas 7 são mulheres. O número, apesar de pequeno, representa um avanço em relação a anos anteriores. Na Assembleia Legislativa do Paraná, a situação é ainda mais agravante: as mulheres ocupam menos de 10% das cadeiras. Isto é, dos 54 deputados, apenas 5 são mulheres. Mabel Canto , de Ponta Grossa, é uma delas. A deputada, agora no PSDB, foi a primeira mulher a ser eleita na região dos Campos Gerais.

“Nós, mulheres, que estamos nesse meio político, temos que inspirar e mudar esse cenário, mostrando para todas que, independente do que a gente faça e da sobrecarga que tenhamos, precisamos mesmo de mais mulheres na política. Há também um machismo não só de homens, mas de mulheres que olham para as candidatas e não as veem como competentes para estar nesse espaço. Por isso, este trabalho de todas nós, mulheres que já estamos na política, é muito válido, para envolvermos as outras, mostrarmos o quanto é importante que estejamos presentes.”, afirma Mabel Canto.

Ela ressalta que já recebeu ataques machistas, assim como ocorre com a maioria das mulheres na política. “Uma coisa é não concordar com o posicionamento político ou até não gostar do trabalho daquela pessoa. Agora, quando entra nessas questões pessoais de xingamentos, de não respeitá-las, isso é um absurdo. É muito constrangedor para nós ouvirmos isso”, afirma a deputada.

Meire Moreno é professora, doutoranda em Sociologia pela UEL, com estudo nas estratégias feministas para ampliar a participação e representação de mulheres negras nos espaços institucionais de poder,. Para ela, ainda que os números estejam avançando, a representação continua baixa. “Quando falamos de representação de mulheres, precisamos falar não somente em termos de presença política, mas em que medida nossas ideias são representadas, são consideradas nesses espaços. Embora nós tenhamos hoje, na Câmara de Londrina, o maior número da história de cadeiras ocupadas por mulheres, não temos nenhuma representante que tenha como pauta prioritárias as lutas específicas das mulheres”, afirma a professora, que também foi candidata a vereadora de Londrina pela Nós – Popular e Coletiva (PSOL), além de integrar a Coletiva Casa das 13 Mulheres (PT). Meire ainda é pré-candidatura para deputada federal pelo estado do Paraná.

Cotas

O Senado aprovou, em julho de 2021, um projeto que determina uma porcentagem mínima de cadeiras na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas dos estados, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas câmaras de vereadores a ser preenchida por mulheres, convocando-se as suplentes caso não sejam eleitas em número suficiente para cumprir esse percentual. De acordo com o projeto, 30% das vagas pelos partidos são exclusivas para cada um dos gêneros.

As cotas, no entanto, não resolvem todos os problemas, na percepção de Meire Moreno. Há ainda um desafio na desigual distribuição dos recursos para as campanhas. “E não só dos recursos financeiros. A forma de distribuição do espaço para promoção de propagandas partidárias, seja nos veículos de comunicação, seja nos materiais impressos, a própria divisão do fundo partidário, a disponibilidade de pessoal para realização das campanhas... O acesso aos recursos necessários, em particular o financeiro, é relevante para que as mulheres decidam enfrentar ou não uma candidatura e são determinantes no sucesso desta candidatura. E, infelizmente, a distribuição desses recursos continua muito desigual”, finaliza Moreno.

* Supervisão: Luis Fernando Wiltemburg

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