Curitiba - Com o recrudescimento da pandemia do novo coronavírus em todo o mundo, políticos brasileiros começam a se articular para tentar adiar ou até cancelar as eleições municipais de 2020, marcadas para 4 de outubro. Há tanto quem proponha a realização da votação um ou dois meses depois como quem defenda a unificação com o pleito presidencial, em 2022.

Para o advogado Guilherme Gonçalves, que é professor da pós-graduação em Direito Público da UEL (Universidade Estadual de Londrina), a discussão, seis meses antes da data, ainda é precipitada. Ele lembra que o artigo 16 da Constituição Federal repudia qualquer forma de alteração de regras das eleições se elas não forem aprovadas até um ano antes do pleito, prazo já encerrado.

"A data de realização das eleições não é norma feita pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). É uma disposição constitucional. Diz que as eleições sempre serão no primeiro domingo de cada ano par, alternadamente as estaduais e municipais, como essa de 2020", destaca. Segundo ele, se a pandemia for controlada e voltarmos "à normalidade" em junho ou julho, não haverá prejuízo ao calendário.

Imagem ilustrativa da imagem Eleições podem ser adiadas, mas unificação é improvável
| Foto: Roberto Jayme/TSE

"A primeira data relevante, que exigiria certa concentração de pessoas, é 20 de julho, que é o início do prazo das convenções. Mas vamos supor que a pandemia se estenda e em julho e agosto estejamos proibidos de realizar atos de massa. Aí, sem dúvida nenhuma, estaríamos diante de uma situação excepcional e legalmente poder-se-ia pensar numa PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para adiar as eleições", pondera.

CONSTITUCIONALIDADE

Os senadores Elmano Férrer (Podemos-PI) e Major Olimpio (PSL-SP), por sua vez, sugerem o adiamento do pleito municipal para 2022, ideia que é apoiada pelo líder do governo Jair Bolsonaro no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO). Pela proposta, haveria uma unificação com as eleições gerais - quando votamos para presidente, senador e deputados federais e estaduais. Duas PECs nesse sentido, a 143/2019 e a PEC 123/2019, já tramitam na Comissão de Constituição e Justiça da Casa. .

Na avaliação de Gonçalves, ambas são completamente inconstitucionais. "Isso [unificação] viola uma das bases constitucionais mais caras da democracia, que é a normalidade eleitoral. Todas as democracias representativas têm como traço definidor a frequência e a alternância das eleições. A gente teria um eleitor votando para sete cargos diferentes. É uma votação insana. A urna eletrônica teria de ser completamente modificada", comenta.

Ainda de acordo com o professor, o STF (Supremo Tribunal Federal) sinalizou que não vai tolerar esse tipo de mudança. "Essa proposta já foi derrotada em 2015, na última reforma eleitoral substancial, de forma quase que massiva, justamente porque, além de não ter nenhum tipo de viabilidade política, se trata de uma quebra do princípio democrático e constitucional, que exige a alternância de eleições", prossegue.

Gonçalves diz que faz uma leitura bem crítica dos projetos. "Por mais que a curva de contaminação venha crescendo, em três meses há condições de o Brasil voltar a um nível de normalidade, ainda que com algum isolamento dos mais atingidos. Já vamos sacrificar muita coisa por causa da Covid-19. Sacrificar também a normalidade democrática é um pouco demais".

A assessoria de imprensa do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Paraná também informou à FOLHA que, por enquanto, o calendário eleitoral está mantido.

Uso de fundo eleitoral para combater Covid-19 ganha força

Curitiba - Outra proposta em discussão no Senado é a de remanejar os R$ 2 bilhões do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (o chamado Fundo Eleitoral) para combater a Covid-19. O líder da Rede na Casa, Randolfe Rodrigues (AP), é autor de uma emenda defendendo o uso da verba.

Vários parlamentares também têm apresentado projetos propondo a transferência. Segundo o advogado e professor de Direito Público Guilherme Gonçalves, porém, as propostas são "chocantemente fáceis e demagógicas".

"Proibiu-se as doações de pessoas jurídicas. Todo mundo sabe que para realizar algum tipo de debate é preciso do mínimo de propaganda eleitoral. É direito do candidato, mas sobretudo do cidadão, para se informar e tomar a melhor decisão", opina.

"Se você faz uma campanha sem nenhum tipo de capacidade de arrecadar recurso, num cenário de crise, é como se, por meio indireto, você estivesse matando a campanha eleitoral. Do ponto de vista da dimensão dessa crise, R$ 2 bilhões, pela importância de se consolidar o processo democrático, se torna ínfimo", completa.

Como alternativa, ele defende a regulamentação do imposto sobre heranças e grandes fortunas, voltado a brasileiros que ganham mais de R$ 80 mil por mês. "Isso geraria R$ 272 bilhões. Minha modesta compreensão democrática acha que é mais justo 'sacrificar' mil ou 110 mil brasileiros com altíssimo padrão de renda do que sacrificar a democracia".