Eleições municipais fortalecem direita, mas dividem lideranças
Ratinho Junior, Ronaldo Caiado, Tarcísio de Freitas e Pablo Marçal surgem como alternativas ao campo ideológico liderado por Bolsonaro
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 04 de novembro de 2024
Ratinho Junior, Ronaldo Caiado, Tarcísio de Freitas e Pablo Marçal surgem como alternativas ao campo ideológico liderado por Bolsonaro
José Marcos Lopes Especial para a FOLHA
Curitiba - A direita foi a grande vitoriosa das eleições municipais de outubro, com vitórias em quase todas as capitais brasileiras. O avanço, no entanto, traz um dilema para o campo conservador: com o crescimento em todos os estados, várias lideranças surgem como opções para as eleições de 2026, quando serão escolhidos os governadores e o presidente da República.
Esse embate parece ter sido previsto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que até então mantinha uma certa hegemonia na direita brasileira. Observando o crescimento do PSD e a possibilidade dos governadores de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) e de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), viabilizarem suas candidaturas à Presidência, Bolsonaro desembarcou de algumas campanhas neste ano. Foi o caso de Goiânia, onde o ex-presidente apoiou Fred Rodrigues (PL), que acabou derrotado por Sandro Mabel (União Brasil), apoiado por Caiado.
Além de Tarcísio e Ronaldo Caiado, o governador do Paraná, Ratinho Junior, também vem tendo seu nome colocado como um possível pré-candidato à Presidência, mas o presidente do PSD, Gilberto Kassab, já adiantou a intenção apoiar o governador de São Paulo em 2026. Outra opção seria Pablo Marçal, o ex-coach que quase chegou ao segundo turno da eleição em São Paulo, como um representante da extrema direita.
“Foi uma eleição municipal com um significado importante para a eleição presidencial, é raro que isso aconteça. O Pablo Marçal mostrou que existe espaço para uma candidatura de extrema direita para substituir o Bolsonaro”, avalia o cientista político Sérgio Praça, professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Só isso já seria uma grande mudança no quadro, um candidato que vai ter de início uns 10% de intenções de voto.”
Para o cientista político, o cenário indica que existe uma direita “para além do bolsonarismo”. “O Tarcísio de Freitas, com apoio do PSD, também é um candidato forte, embora exista a possiblidade de ele se reeleger com muita facilidade para o governo de São Paulo. A eleição mostrou que existe uma direita para além do Bolsonaro, que chega significativamente mais forte para 2026.”
Sérgio Praça diz não ver muitas facilidades para Ratinho Junior e Ronaldo Caiado viabilizarem suas candidaturas à Presidência. “O governo de São Paulo tem uma importância que outros governos estaduais não têm. Não vejo uma candidatura forte no Caiado, nem no Ratinho Junior. Mas não faz mal ter um debate sobre a pré-candidatura, deixa o nome em evidência, eles podem virar ministros ou interlocutores. Tudo isso faz parte da política, mas eu não daria muita atenção a esses outros nomes.”
Para o cientista político e professor da PUC Londrina Mário Sérgio Lepre, o grande vitorioso das eleições foi o PL de Bolsonaro. “O PSD fez mais prefeituras, mas em número de prefeituras significativas, que governam para mais pessoas, o PL acabou tendo um desempenho melhor. O PSD ganhou mais em cidades menores no Paraná, por força do Ratinho Junior no estado, e também é uma força significativa. Mas, olhando alguns detalhes da eleição, acredito que o grande vitorioso foi o PL do Bolsonaro.”
Lepre avalia que a intenção do PL é eleger uma grande bancada no Senado em 2026 – para isso, é fundamental ter força nas cidades. Caso Bolsonaro continue inelegível até lá, o partido poderia investir em nomes como Eduardo Bolsonaro e Michelle Bolsonaro para o Senado e compor com algum outro candidato à Presidência. “O PL quer fazer uma bancada enorme no Senado, a ponto de fazer a presidência da Casa. Para isso, o partido passou muito bem por 2024.”
Já o PSD, na visão do cientista político, ainda é uma incógnita. “É um partido de composição, não é um partido para exercer a cabeça de chapa. Lembra muito o PMDB, que sempre foi um partido muito grande, com o maior número de deputados e senadores, mas que não disputava a Presidência da República. Não acredito que o PSD vai querer forçar uma candidatura própria. Se o Ratinho Junior quiser se viabilizar para presidente, terá que sair do PSD.”
PSD e MDB foram os partidos com mais prefeitos eleitos em capitais neste ano, cada um com cinco vitoriosos. União Brasil e PL tiveram quatro prefeitos eleitos cada; em seguida aparecem o PP e o Podemos, cada um com duas prefeituras. PSB, PT, Republicanos e Avante elegeram apenas um prefeito.
No Paraná, o PSD de Ratinho Júnior foi o grande vitorioso, com 164 prefeitos eleitos – entre eles os das duas maiores cidades, Curitiba (Eduardo Pimentel) e Londrina (Tiago Amaral) no segundo turno. PP (61 prefeituras), PL (52), MDB (30) e União Brasil (30) foram outros partidos que demonstraram força.
A cidade de maior porte onde o PT mais chegou perto de vencer foi Guarapuava, mas o deputado estadual Dr. Antenor acabou derrotado por Denilson Baitala (PL) por uma diferença de apenas 61 votos. O partido do presidente Lula elegeu três prefeitos no estado, em São João Do Triunfo, Santa Maria do Oeste e Paraíso do Norte (em 2020, foram oito).
“No divã”, esquerda depende de Lula e de reforma ministerial para ter candidatura viável em 2026
Com apenas um prefeito de capital eleito neste ano, em Fortaleza (CE), o PT teve um mau desempenho nas eleições municipais deste ano (só não foi pior do que em 2020, quando não elegeu nenhum prefeito de capital). Cientistas políticos ouvidos pela FOLHA avaliam que o partido de Luiz Inácio Lula da Silva terá que buscar mais alianças ao centro, o que dependerá de ceder mais cargos no governo, para ter viabilidade eleitoral em 2026. Outros fatores são a saúde de Lula (ele terá 81 anos em 2026) e a disposição do atual presidente para concorrer novamente.
“O Lula é sempre um candidato natural à reeleição, teria que estar muito mal avaliado para não ser um candidato natural”, diz Sérgio Praça, professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Ou o governo faz um rearranjo de forças nos ministérios, muito drástica, dando mais espaço para partidos com PSD e PP, ou as perspectivas de esses partidos apoiarem uma eventual reeleição do Lula são cada dia menores.”
Isso poderia resultar em um arranjo para algum partido do centrão ocupar o Ministério da Saúde, por exemplo – o que já foi tentado no ano passado. “O cenário é preocupante para o PT, até por entrevistas que os líderes têm dado, no sentido de aumentar o custo do apoio. O tempo está a favor do Tarcísio de Freitas, do Kassab e até do Pablo Marçal”, diz Praça. “Se o Lula não fizer uma reforma ministerial, digamos, até março, acenderá uma luz amarela para 2026. O tempo passa rápido, em agosto ou outubro de 2025 já teremos pesquisas para a eleição presidencial e até o fim do ano os pré-candidatos já deverão ser definidos.”
Para Mário Sérgio Lepre, cientista político e professor da PUC Londrina, o PT deverá tentar algum arranjo mais ao centro – como tentou, sem sucesso, com a candidatura do deputado federal Luciano Ducci (PSB) em Curitiba, que terminou em terceiro lugar no primeiro turno. “A esquerda foi a grande derrotada nas eleições. A ideia do partido pode ser a de transitar pelo centro, de repente o PSB pode fazer esse caminho. O PT vai ter que se abraçar a partidos de centro para tentar sobreviver em uma eleição com uma direita muito forte.”
Presidente nacional do PT, a deputada paranaense Gleisi Hoffmann avaliou que o partido está em um processo de reconstrução. No dia seguinte ao segundo turno, Gleisi afirmou que o PT ainda enfrenta os efeitos da crise política iniciada em 2013 que culminou com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
“É uma crise que ainda tem efeitos, embora já tenha arrefecido um pouco o que foi em 2020, quando tinha mais ações contrárias à nossa liderança, inclusive de violência física. A gente sente muito essa desconstrução do partido. Por isso que, na nossa avaliação, há um processo de reconstrução”, disse Gleisi Hoffmann. Mesmo tem ter candidato próprio em São Paulo, o PT também acabou derrotado na maior cidade do país, onde Guilherme Boulos (PSOL) perdeu para o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB).