Um velho cliché das campanhas eleitorais - a eterna promessa de que a educação será a prioridade do governo - parece mais oportuno do que nunca nas eleições municipais de 2020. A pandemia do coronavírus abalou as já frágeis estruturas do sistema público de educação. As escolas fechadas e a perda praticamente total de um ano letivo complicaram o já difícil desafio de oferecer ensino gratuito e universal de qualidade. Pontos de interrogação imaginários são as únicas inscrições que figuram nos quadros negros, por enquanto.

Imagem ilustrativa da imagem Educadores advertem os candidatos: escola precisará de mais verba na retomada
| Foto: Roberto Custódio - 16-09-2020

Mas há algumas poucas certezas, essenciais para que os candidatos tenham a dimensão das dificuldades que terão pela frente. O novo governo municipal de Londrina terá que lidar com um contingente de 45 mil crianças, com diferentes níveis de prejuízo pedagógico, com salas de aulas modificadas e professores em processo de adaptação à nova normalidade. Um desafio e tanto.

Educadores ouvidos pela Folha afirmam que gestores do quadriênio 2021/2024 serão mais exigidos do ponto de vista gerencial e terão que ter recursos extras para implantar um sistema híbrido, que combina aulas presenciais e ensino remoto.

“A educação vai dar a cara da nova gestão do governo municipal”, avalia Rosana Lopes, chefe do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina, estudiosa da gestão escolar e com experiência de 30 anos no magistério. “Se eu fosse candidato, já teria começado a fazer o planejamento da retomada. É algo muito complexo”, alerta.

“A volta às aulas vai impactar a vida urbana, as relações familiares, a agenda social, a economia. É uma mudança profunda, com muitos detalhes a serem considerados. Uma imensa responsabilidade que exige a articulação e o diálogo com todos os setores da comunidade”, alerta.

DINHEIRO E PROATIVIDADE

A nova normalidade também vai consumir mais dinheiro do contribuinte por um lado e a proatividade dos gestores em outras frentes. A estruturação das escolas para suportar um patamar inédito de conectividade, além de projetos de inclusão digital para os alunos mais carentes, são esforços inescapáveis nos próximos anos. “Além de um orçamento mais robusto para a área, prefeito e vereadores terão que buscar parcerias de diversas naturezas, nas esferas federal e estadual, diretamente ou através de instituições”, afirma Lopes.

A opinião é compartilhada pela professora Claudia Costin, ex-ministra da Administração e Reforma do Estado do governo Fernando Henrique Cardoso e ex-diretora global de Educação do Banco Mundial. “Os próximos prefeitos terão que se deparar no novo ciclo com uma realidade muito desafiadora, que dependerá do conhecimento dos gestores em logística para organizar o novo modelo”. E alerta: “É preciso ficar atento neste processo à ameaça do crescimento da evasão escolar e também da sua consequência, defasagem idade/série”.

A ex-ministra chama a atenção também para o papel dos vereadores neste grande mutirão. Para ela, o Legislativo não pode hesitar, mesmo numa realidade de crise fiscal, em garantir mais verbas para viabilizar que o sistema híbrido funcione, colocando a tecnologia à disposição dos alunos e professores.

PONTO DE EQUILÍBRIO

A secretária municipal de Educação, Maria Tereza Paschoal de Moraes, avalia que a prioridade na retomada é aperfeiçoar a conectividade de alunos e professores, investir no acompanhamento remoto das atividades em casa e recuperar as perdas da aprendizagem ao longo do quadriênio. “E encontrar uma maneira de evitar o uso massacrante de telas, descobrir o ponto de equilíbrio na rotina”. A gestora acredita que a aquisição de dispositivos móveis para alunos e professores será o investimento que mais vai impactar o orçamento da pasta.

Para o vereador Amauri Cardoso, presidente da Comissão de Educação no Legislativo e professor da rede nos últimos 31 anos, o município terá que gastar também com a melhoria da internet nas escolas, especialmente na periferia e na zona rural, que na sua avaliação são “muito ruins”.

A presidente do Conselho Municipal de Educação, a educadora Simone Cristina de Farias Cavalin, diretora do Centro Municipal de Educação Infantil Abdias do Nascimento, espera que a nova gestão saiba reforçar a aproximação das famílias com o ensino das crianças, um efeito colateral positivo do confinamento. “O fato de as famílias se tornarem mais presentes na vida escolar é primordial para a gestão democrática do sistema. O poder público deve trabalhar neste sentido, aproveitar esta oportunidade e liderar este movimento”, recomenda.

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| Foto: Folha Arte
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EDUCAÇÃO INFANTIL

Cavalin defende outra prioridade para o quadriênio: a maior oferta de vagas no sistema para crianças de 0 a 3 anos e mais cuidado na manutenção dos prédios escolares nesta faixa, para ela uma questão de segurança.

A qualidade de ensino das unidades administradas por instituições filantrópicas parceiras do município, uma particularidade da educação infantil, também preocupa os educadores. “A diferença é muito grande em relação às unidades do município, a começar pelo salário dos professores”, lembra Rosana Lopes, da UEL. “O governo municipal deve enfrentar este problema e reduzir ao máximo esta disparidade de condições, ainda que o ideal fosse que todas as crianças tivessem acesso à rede oficial”.

EDUCAÇÃO INTEGRAL

O Plano Nacional de Educação estabelece que até o fim de 2024 pelo menos 50% das escolas públicas (e 25% dos alunos da educação básica) ofereçam jornadas de sete horas ou mais. Em Londrina, esta fatia é de cerca de 10%. Os especialistas da área acreditam que a meta não será atingida e que pode até ser revisada por falta de avanço na infraestrutura instalada, o que explica um recuo das secretarias municipais após experiências mal sucedidas.

De toda forma, a próxima administração municipal terá que construir escolas para avançar neste quesito. “Teríamos que dobrar o número de unidades para atendermos da forma correta. É um projeto a médio e longo prazo, que deve ser concretizado paulatinamente”, prevê a secretária municipal de Educação, Maria Tereza Moraes.

O vereador Amauri Cardoso, que já foi diretor do antigo Centro de Atendimento Integral da Criança e do Adolescente (Caic), no Jardim União da Vitória (zona sul), avalia como fundamental a expansão da carga horária. “Tem um grande impacto social, comprovei isso na prática. Infelizmente, não temos recursos e estrutura nas escolas para universalizá-lo. Será preciso traçar estratégias para variar as atividades usando outros espaços”.

Rosana Lopes, da UEL, considera que o regime em tempo integral, visto muitas vezes como uma solução para todos os problemas, é um conceito pouco compreendido pelos governantes e que demanda investimento pesado e infraestrutura. “Não é atividade extracurricular, com oficinas ou coisas do gênero, como pensam muitos gestores. Educação em tempo integral é expansão curricular, com profissionais especializados, preparados para um nova rotina e, sobretudo, algo que esteja inserido e aceito na cultura familiar”.

FORMAÇÃO DOS PROFESSORES

Se a pandemia vai obrigar o magistério a inovar, a formação continuada também deverá sofrer um impacto importante nos próximos anos, afirmam os educadores.

Para a secretária municipal de Educação, Maria Tereza Moraes, o treinamento em tecnologia e o domínio de ferramentas para acompanhamento remoto das turmas passa a ser uma prioridade desde o início da retomada, inclusive com o incremento da infraestrutura para esta finalidade.

Rosana Lopes, chefe do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina, concorda e destaca que os gestores poderão aproveitar a experiência forçada dos professores com plataformas digitais para incentivá-los a continuarem se aprimorando no uso da tecnologia.

“É preciso oferecer oportunidades para o magistério aprofundar este conhecimento, aplicá-lo em sala de aula mesmo depois da fase híbrida”, sugere. “E também é necessário uma estrutura de preparação e orientação permanentes para o trabalho com turmas muito heterogêneas na aprendizagem, com a diversificação de níveis bem diferente da habitual”