No meio da turbulência financeira mundial, o Chile foi um dos poucos países latino-americanos com um guarda-chuvas em punho. Desde 1991, de cada 100 dólares que entram no país, 30% ficam depositados durante um ano no Banco Central, sem render juros. O depósito compulsório vale para qualquer tipo de capital estrangeiro que ingressa no Chile e é um instrumento eficaz para desestimular aplicações de curto prazo, o chamado hot money. É um guarda-chuvas financeiro, mas certamente protegeu também o sistema político do País das incertezas globais.
Um dos responsáveis pelo mecanismo de retenção dos dólares, o economista chileno Ricardo Ffrench-Davis, hoje assessor da secretaria-executiva da Comissão Econômica da América Latina (Cepal), avalia que o instrumento se mostrou muito eficaz para que a dívida de curto prazo no Chile seja pequena e que o ingresso de capital seja mais de longo prazo, o que é bom para a economia. Ffrench-Davis era diretor do Banco Central em 91, quando foi decretado o mecanismo da retenção compulsória.
O economista da Cepal elogia a adoção, pelo Brasil, de regulamentação do ingresso de capitais. A diferença fundamental entre o Brasil e o Chile é que, no caso brasileiro, os investimentos externos para aplicação em bolsa não estão sujeitos a imposto. No Chile, o dinheiro aplicado na bolsa pode sair, mas tem de deixar 30% retidos no Banco Central um ano, sem remuneração, o que encarece muito o ingresso para capitais de curto prazo. Com isto, os investimentos externos no Chile se dirigem ao processo produtivo e não à especulação. Desde 93, o Chile tem uma massa de investimentos que é a mais alta do país e da América Latina, cerca de 27% do Produto Interno Bruto (PIB).
O economista ressalta que há alguns elementos comuns entre Brasil e Chile: os dois países têm um tipo de câmbio administrado, flexível. Mas a magnitude do déficit do Chile tem sido, mais moderada, porque o país tem sido mais duro nessas medidas iniciadas em 91, e manteve a linha.
Os cuidados prescritos pelo economista chileno ao Brasil são os conhecidos. Cuidar da magnitude do déficit em conta corrente. ‘‘No nível em que está é manejável, mas é muito fácil que se agrave’’, diz Ffrench-Davis. ‘‘Há que manter a cautela e a flexibilidade que tem demonstrado na política cambial, administrada’’.
A discussão sobre a liberalização dos fluxos financeiros não é nova nos organismos internacionais, mas está longe de alcançar um consenso e tornou-se prioritária depois dos sustos que mercados do mundo inteiro tiveram há 15 dias, com a quebradeira das bolsas. Na reunião mundial de setembro, em Hong Kong, o Fundo Monetário Internacional (FMI) apertou o cerco ao propor uma abertura geral dos mercados financeiros. O Brasil reagiu, como a maioria dos países em desenvolvimento. O presidente do Banco Central, Gustavo Franco, considerou a proposta do FMI ‘‘inapropriada e perigosa’’.
Na entrevista coletiva concedida na quarta-feira para explicar as medidas do governo para preservar o Real, o presidente Fernando Henrique lembrou que desde o início de seu governo está propondo ampliação das discussões sobre os efeitos negativos da globalização.