Os assíduos nas aulas de história certamente se lembram que o Brasil já teve outros sistemas de governo além do presidencialismo. Além da monarquia, no segundo Reinado e durante três anos da República (1961 a 1963) nosso país já foi parlamentarista. Contudo, entra ano, sai ano, a discussão volta para a pauta, justamente porque a política é viva e dinâmica.

Imagem ilustrativa da imagem E se o Brasil tivesse um primeiro-ministro?
| Foto: Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados

Como noticiado pela FOLHA, em fevereiro deste ano Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (PSD), presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente, voltaram a pautar a possibilidade do Brasil se tornar um semipresidencialismo, criando um grupo de trabalho para estudar a proposta.

O deputado federal Samuel Moreira (PSDB), coordenador desse grupo, diagnostica uma desconexão. “O presidente se elege com um programa e os deputados se elegem sem responsabilidade com a qualidade do governo”, aponta. “Nosso sistema presidencialista está sem funcionalidade, está desconectado. Diante disso, busca-se encontrar uma forma de pelo menos comprometer minimamente essa base, que é o parlamento”, salienta o tucano. Para ele, “muitos deputados da base, por exemplo, ficam apenas com o bônus de governar, mas na hora de votar projetos importantes para o governo, se ausentam”.

Contudo, se por um lado a ideia é aumentar a responsabilidade, de outro a oposição não vê a ideia com bons olhos. “Na política não existem coincidências”, afirma o deputado federal Enio Verri (PT). Na visão dele, trata-se de uma articulação para não perder o poder. “A pauta do semipresidencialismo, no ano das eleições, quando Lula apresenta condições de ser presidente, caracteriza um golpe, de um grande setor que manda nesse país há 500 anos e está com medo de perder o poder”, conclui.

Para ele, com as emendas parlamentares e as negociações feitas com o Congresso, o Brasil já vive um cenário de parlamento fortalecido. O deputado afirma que o país “já é um semipresidencialismo, e isso custa muito caro para o Brasil, que não consegue fazer uma política nacional, atendendo apenas aos interesses privados dos parlamentares”.

Outro problema que o semipresidencialismo se propõe a mitigar é a instabilidade dos governos. “No nosso sistema, se há uma crise, escândalos de corrupção, é necessário promover o impeachment, que é sacrificante para um país. Impeachment e crescimento econômico são antagônicos”, afirma Moreira. No semipresidencialismo proposto pelo tucano, esse tipo de situação poderia ser contornado pela troca do primeiro ministro.

FERRAMENTA ERRADA

“Nosso presidencialismo de coalizão de fato tem problemas, porque há muita negociação entre o presidente da República e o parlamento para garantir a governabilidade. E hoje negociar com o parlamento seria obviamente negociar com o grupo político mais forte, que é o centrão”, explica o professor e analista político na UEL (Universidade Estadual de Londrina) Elve Cenci. Para ele, a mudança no sistema de governo não atinge a raiz da situação: “O grande problema é tentar consertar algo que é devido, mas com a ferramenta errada. Precisaríamos ter partidos políticos fortalecidos, que pudessem dialogar politicamente em torno de um projeto”, afirma.

Uma outra questão apontada pelo advogado e professor de direito constitucional João Ricardo Anastácio é que o modelo semipresidencialista, sob a ótica das teorias jurídicas, “seria uma maquiagem de um parlamentarismo”. Para ele, “é um sistema que não existe. Ou seria o presidencialismo ou o parlamentarismo. Esse modelo a ser copiado, da forma que é proposto, seria parecido com o de Portugal”.

Isso porque o modelo de semipresidencialismo defendido por Moreira funcionaria de forma distinta dos sistemas tradicionais. “No parlamentarismo são os deputados que escolhem o governo. Escolhem, indicam o 1º ministro e quem vai governar. No semipresidencialismo não. Há as virtudes do presidencialismo. O povo elege um presidente e ele indica o 1º ministro. Todo mundo vai saber quem são os partidos, quem são os deputados, que aprovaram o nome desse 1º ministro – que não é indicado pelos parlamentares, e sim pelo presidente”, explica o deputado tucano.

VOZ DO POVO

Segundo o advogado, caso o projeto venha a ser levado adiante, uma forma de abrandar as instabilidades políticas seria ouvir a voz do povo por meio de um novo plebiscito sobre o assunto. Por fim, ele deixa o alerta: “2022 é um ano muito importante, especialmente para o poder legislativo. Vai haver uma recomposição. As pessoas ficam preocupadas com o presidente e têm se esquecido disso, o que é perigoso”.

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