O atual formato utilizado pela administração municipal em transferir terrenos públicos à iniciativa privada para tentar fomentar o desenvolvimento econômico de Londrina dá sinais de não estar juridicamente pacificado. A opção em doar as áreas tem sido contestada em ao menos duas esferas.

As objeções costumam constar em pareceres de advogados da Assessoria Jurídica da CML (Câmara Municipal de Londrina). Eles são emitidos quando projetos dessa natureza chegam ao Legislativo. A indicação do corpo legal é pela modalidade de concessão de direito real de uso.

Além disso, no início do mês, o tema foi alvo de uma recomendação administrativa do Ministério Público do Paraná. Por meio do Gepatria (Grupo Especializado na Proteção ao Patrimônio Público e no Combate à Improbidade Administrativa), de Londrina, o MP-PR requisitou ao prefeito Marcelo Belinati (PP) o veto de duas matérias de doação já aprovadas pelos vereadores e o arquivamento de outras seis que tramitam na Casa.

O documento, que também menciona os posicionamentos do jurídico da CML, é assinado pelo promotor Renato de Lima Castro. As sete propostas em questão são oriundas do próprio Executivo.

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Se a medida não for cumprida, Castro escreve que “isso poderá sujeitar as autoridades administrativas a responsabilidade pela prática de ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário.” Procurado pela FOLHA, o representante do MP optou em não dar entrevista para comentar a recomendação administrativa.

Os textos em tramitação no Legislativo acabaram suspensos temporariamente, mas o líder de Belinati na Casa, Eduardo Tominaga (PSD), disse estar preocupado em trazer segurança jurídica para quem está recebendo o benefício. Ele apontou ainda não ter recebido uma orientação definitiva sobre dar continuidade ou não às matérias.

“De 2003 até 2016, foram mais de 160 terrenos doados [precisamente, 162, conforme levantamento do Instituto de Desenvolvimento de Londrina - Codel]. A gente não está falando de nenhuma novidade”, comparou Tominaga em relação a gestões anteriores. Já durante os sete anos de Marcelo Belinati (PP), segundo o órgão da prefeitura, somou-se 25 doações.

O parlamentar sustentou que há “base legal” na lei municipal 5.669, que, ainda em 1993, estabeleceu a Política de Desenvolvimento Industrial de Londrina e, desde então, tem norteado os projetos de transferência de áreas públicas.

“ENTIDADES ESTÃO PREOCUPADAS”

“Nossa ideia não é afrontar o Ministério Público, mas vamos procurar um entendimento para que a gente não venha a obstacularizar o desenvolvimento da cidade [...] As entidades também estão preocupadas com essa situação, mas eu acredito que vai haver o bom senso, o entendimento para que a gente construa a melhor solução para o desenvolvimento de Londrina”, afirmou o presidente da Codel, Alex Canziani.

De acordo com ele, o Executivo não tem lançado mão da concessão de direito real de uso por esse regime travar a obtenção de financiamentos por parte da empresa que recebe o imóvel. “Por exemplo, ela não pode dar em garantia para o banco para poder construir, ampliar máquinas.”

“Valeu a pena trazer a Atlas [Schindler, multinacional do ramo de elevadores] para Londrina? Valeu a pena ter dado aquele terreno? Acho que valeu muito a pena [...] A Macarrão Galo saiu de Londrina porque não foi dada atenção e terreno a eles. Acredito que teria valido a pena ter doado um terreno a eles”, alegou Canziani, mencionando que cidades como Ponta Grossa, conhecida nos últimos anos pela ampliação de seu parque industrial, adota a modalidade de doação.

“POLÍTICA PRECISA MUDAR”

Uma das mais críticas em plenário ao formato de doação, Lu Oliveira (PL) defendeu o ponto de vista da Assessoria Jurídica. “Tem projetos de doação de área que ficam na câmara por dois anos, tempo mais do que suficiente para passar pelo processo de licitação. E por que não são submetidos à licitação, já que é um fundamento jurídico do dever de isonomia, de impessoalidade da administração pública?”, questionou a vereadora.

Para ela, é necessário dar mais peso às contrapartidas pelas quais as empresas são responsáveis para, dessa forma, atender outras demandas da cidade que o poder público não tem dado conta, tal como o incentivo a esportistas.

“Para mim, já não está ficando aceitável a inclusão da empresa no [Programa] Boa Praça, porque vejo que é uma contrapartida pouca [...] A política de desenvolvimento industrial precisa mudar. A lei é muita antiga, de 1993. O Executivo está se mexendo para isso, espero que seja breve”, acrescentou Oliveira.

Canziani confirmou que a 5.669 é uma das três leis que a prefeitura pretende modificar e enviar este ano para deliberação no Legislativo. “A grande contrapartida é geração de empregos e impostos para a cidade, principalmente as indústrias que são do nosso ecossistema. Os vereadores têm pedido algumas contrapartidas e, quando é possível, a gente coloca — e as empresas têm sido receptivas a isso”, contrapôs o presidente da Codel.