Curitiba - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terminou o ano comemorando uma melhora nos índices econômicos, ao mesmo tempo em que enfrentava a maior alta do dólar desde 2020. Se por um lado os indicadores são positivos, por outro o governo ainda patina na relação com o Congresso e não consegue levar adiante alguns projetos, como na área do meio ambiente. O terceiro governo de Lula também tem sido criticado por propor cortes de gastos considerados muito “brandos” pelo mercado.

Desde 2023, uma das dificuldades de Lula tem sido a relação com o Legislativo. Sem a garantia de uma maioria confortável, o governo tem sido a obrigado a negociar em um terreno minado pelas emendas parlamentares, as chamadas “emendas Pix”, instituídas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

No mês passado, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flávio Dino determinou o bloqueio do pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas apresentadas por comissões do Congresso, alegando falta de transparência na liberação dos recursos. Ao receber a resposta oficial da Câmara sobre os repasses, Dino classificou a liberação das emendas como “ápice de uma balbúrdia quanto ao processo orçamentário”.

Para o doutor em Ciência Política Mateus Coelho Martins de Albuquerque, esse novo cenário deve ser levado em conta quando se analisa a relação entre Executivo e Legislativo.

“Há reclamações por falta de habilidade de negociação, mas o redesenho da forma como se tratam as emendas parlamentares fez com que o Congresso não fosse mais tão suscetível a formas clássicas de negociação, como a oferta de cargos para os partidos”, diz Albuquerque. “O Congresso está claramente desejando dinheiro, o parlamentar quer dinheiro para poder gastar diretamente. O período Bolsonaro criou um tipo de relação com o parlamento que conduz a um vício negocial.”

GUERRA DOS ÍNDICES

A divulgação dos indicadores econômicos no mês passado gerou uma reação da oposição, que criticou duramente o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em seu balanço anual, o governo destacou a menor taxa de desemprego (6,1%) da série histórica da PNAD Contínua desde 2012, com 103,9 milhões de pessoas ocupadas, e 3,7 milhões de novos empregos com carteira assinada gerados desde janeiro de 2023. O crescimento foi de 3,2% e 24,4 milhões de pessoas teriam deixado o mapa da fome deste 2023.

Os dados são contestados por deputados bolsonaristas. O deputado federal Nicolas Ferreira (PL-MG) disse que o IBGE está “maquiando a realidade” e anunciou que vai coletar assinaturas para instalar uma “CPI das pesquisas”.

O deputado paranaense Filipe Barros (PL) é outro que diz não ver melhoras. “Estamos vendo essa crise econômica se agravar e não há previsão de melhora, esses projetos de lei e PECs que o governo mandou para o Congresso todos perceberam que é só para inglês ver. Não mexem com o problema, que é o governo gastar muito e gastar errado”, disse. “Basta vermos as estatais, os Correios estão em estado de solvência, quase falindo. Em dois anos de governo conseguiu quebrar empresas que estavam com saldo positivo.”

Para Barros, o cenário deverá inviabilizar a presença de Lula na eleição de 2026. “O Lula não será candidato em 2026, não me parece crível que, mesmo estando na Presidência, ele dispute a reeleição. Primeiro pelo quadro de saúde, em segundo lugar pela idade, e em terceiro porque não há perspectiva de melhora econômica. Em uma eleição majoritária presidencial, o aspecto econômico conta muito. O momento econômico que estamos vivendo é difícil, o mercado e as pessoas perceberam que não há qualquer perspectiva de melhora ou de mudança no rumo econômico."

CONTRADIÇÕES INTERNAS

Segundo pesquisa do instituto Quaest divulgada no início do mês passado, o governo Lula tem 52% de aprovação e 47% de reprovação. Para o cientista político Mateus Albuquerque, apesar de uma maioria aprovar o governo, no atual cenário há uma predisposição para as ações do Executivo serem contestadas.

“As clássicas variáveis econômicas não estão mais operando como antes. Isso se deve a uma parcela da sociedade estar radicalizada, que a faz recusar de saída o governo, independentemente dos resultados”, afirma o pesquisador no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia - Representação e Legitimidade Democrática (INCT/ReDem).

“Isso se localiza mais em determinadas camadas da população. Nas camadas mais pobres há uma tendência ao racionalismo politico. O ambiente mais negativo em relação ao governo está localizado em alguns setores, o mercado é um deles."

O cientista político avalia que o governo Lula é sustentando por uma base anti-bolsonarista, mas que ao mesmo tempo não consegue superar suas contradições internas. “Um dos elementos fundamentais na campanha de 2022 que gerou essa unidade em torno do Lula é o combate ao bolsonarismo. Houve a revogação de medidas relacionadas ao meio ambiente, a reconstrução de certas relações internacionais e um retorno a políticas sociais mais bem estruturadas”, disse Albuquerque.

“Mas tem aspectos da agenda que são limitados. No meio ambiente o governo patina. Havia uma expectativa por um maior investimento público, que é dinamitada pelos pacotes de austeridade. O avanço esbarra nas contradições internas, que são as contradições internas do lulismo”.

DÓLAR

A alta do dólar nas últimas semanas foi outro problema enfrentado pelo governo e seria uma reação do mercado às medidas de austeridade. Aprovado no mês passado pelo Congresso, os cortes apresentados pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foram considerados insuficientes. Para setores que apoiam o governo, seria um movimento de especulação com o objetivo de desgastar a imagem de Lula.

“Tem fortes evidências de algum nível de ataque especulativo, mas não temos como comprovar que esse ataque é intencional para enfraquecer o governo. Esse mesmo mercado, em outros governos petistas, se comportava de uma maneira bem diferente quando o governo passava políticas de austeridade”, diz Mateus de Albuquerque.

Para ele, a hipótese para as medidas econômicas do governo não representarem um crescimento na aprovação é o processo de radicalização da sociedade.

“Temos um governo que está passando políticas de austeridade, que não têm surtido efeitos no mercado. Não tem como cravar a razão para esse comportamento, mas uma hipótese relevante é a proximidade do mercado com o bolsonarismo. Há um certo acirramento do conflito entre capital e trabalho, com o projeto de lei que combate a jornada 6 a 1. E temos um mercado também mais radicalizado.”

O deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR) protocolou requerimentos no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e na Polícia Federal para solicitar a apuração de possíveis infração à ordem econômica. “Operadores do mercado instalados no coração financeiro em São Paulo podem estar agindo à margem da lei e dos regulamentos”, afirmou. “Em nome do lucro excessivo de uma minoria, manipula-se a opinião pública. A variação do câmbio e prejudica a sociedade brasileira.”