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. | Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A corrida eleitoral de 2020 já começou e os atritos partidários devem marcar a disputa municipal nas urnas deste ano com debates acirrados, principalmente nas redes sociais, como aconteceu no último pleito, em 2018, quando foram eleitos presidente, governadores, senadores e deputados. No próximo mês de outubro, 5 mil municípios vão eleger prefeitos e vereadores e a polarização que divide o Brasil pode ter consequências nas pequenas, médias e grandes cidades.

Diferente do que possa parecer num primeiro momento, a polarização, por si só, não é um fenômeno recente. Pós-doutor em Filosofia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e professor da UEL, Clodomiro Bannwart Júnior afirma que a polarização política sempre existiu e “é um combustível saudável para o exercício democrático, porque a sociedade é complexa, plural e tem uma tendência de buscar visões ideológicas distintas.” A polarização se torna prejudicial na medida em que o adversário político passa ser visto como um inimigo a ser aniquilado.

Desde a redemocratização do país, as eleições presidenciais opõem candidatos de direita e de esquerda, principalmente em disputas de segundo turno (veja gráfico).

A diferença, como explica Bannwart, é que hoje a política é movida por um “sentimento de ódio”. “Esse esparrame de notícias falsas, de ódio e de rancor intoxicam a possibilidade de se tratar com racionalidade o debate no espaço público”, alerta. O professor ainda ratifica que “esse desgaste é produzido de forma consciente” e é facilitado pelo fenômeno das redes sociais.

Num processo que começou a ser estruturado para atender as demandas de publicidade, as redes sociais passaram a construir um mapeamento das preferências e afinidades dos usuários. Deste modo, para que o usuário permaneça mais tempo na rede social há mecanismos que detectam preferências, fazendo com que esses conteúdos apareçam com mais frequência e intensidade na timeline do usuário.

BOLHAS O que em princípio pode parecer uma boa ideia – facilitar o acesso só àquilo que interessa –, na verdade cria também um ambiente cada vez menos diverso, no qual o mundo do usuário só espelha aquilo que ele quer ver, criando uma “bolha”.

Para a psicóloga comportamental Eloisa Sobh Ambrosio, as bolhas das redes sociais criam um ambiente que é uma fantasia, por dar a impressão de se viver em um mundo onde todos têm a mesma opinião. “Lidar com o diferente, não só em posição política, é intrínseco ao ser humano”, ressalta. Isso favorece as animosidades, pois, segundo Ambrosio, cria-se a impressão de que existe uma unanimidade. “No mundo não existe estar só de um lado ou de outro, existem vários pontos de vista, não é só o seu e o oposto ao seu. Não há apenas dois lados. Essa ilusão que a rede social provoca é muito prejudicial”, avalia.

O projeto “Vítimas da Intolerância” apurou 88 casos de agressões por motivações políticas no Brasil de agosto a outubro de 2018, na reta final das últimas eleições presidenciais. Desses, sete são de homicídio, dois são de neonazismo e um é de estupro. Os demais casos são de agressão, homofobia, xenofobia, ameaça, vandalismo e outros crimes. O levantamento foi uma iniciativa conjunta da Agência Pública, da Open Knowlege Brasil e do Brasil.IO.

*Sob supervisão do editor de Online, Rafael Fantin

Debate plural sem violência

Imagem ilustrativa da imagem Diálogo e respeito são necessários para "furar" polarização
| Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Os deputados ouvidos pela FOLHA foram unânimes ao afirmar que a polarização deixa de ser saudável quando as discordâncias provocam atos de violência.

Na avaliação do líder do PT na Câmara, o deputado federal Enio Verri (PT-PR), desde a redemocratização do País os partidos apresentam suas posições de direita ou de esquerda, mas os debates sempre foram marcados pelo diálogo durante as presidências de Fernando Henrique Cardoso e Lula. “O Parlamento só avança quando existe um acordo entre as partes. Um lado abre mão, o outro também. Assim, é possível construir projetos que beneficiem o Brasil como um todo. O problema é que com a radicalização se perdeu o diálogo”, analisa.

O petista também critica as declarações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) porque, segundo o deputado, motivam atos e discursos radicais. Além disso, ele acredita que essa postura pode “desgastar” a imagem do presidente e levar o cenário político para um novo momento com valorização do diálogo.

Para o deputado estadual Sargento Fahur (PSD), que se considera um político de “extrema-direita”, polarização não é necessariamente um problema. “Desde que não se parta para a violência, é um movimento normal da política”. Ele relembra que, desde a sua juventude, vivencia a polarização com partidos de diferentes posições. “Eu sou do tempo de MDB e Arena. Sempre existiu governo e oposição.”

Fahur compara a politização com dois times de futebol, que podem defender suas camisas sem partir para agressões. “Não vejo problema para o País. Não sendo atos extremos, como manifestações onde a esquerda quer tomar o poder à força”, opina. O deputado ainda defendeu o governo Bolsonaro, que "foi eleito de forma legítima pelo povo”. “Quer tomar o poder? Vá às urnas, mostre que tem capacidade e tome”, completa.

Projeto Fura Bolha aproxima opostos

Há iniciativas que buscam quebrar esse ambiente de polarização na política. É o caso do projeto Fura Bolha, da Plataforma Democrática, uma iniciativa da Fundação Fernando Henrique Cardoso e do Centro Edestein. A primeira rodada, que começou em 2019, reuniu pessoas da política institucional que têm pensamentos antagônicos: Janaína Paschoal (PSL-SP) e Marcelo Freixo (PSOL-RJ), Kim Kataguiri (DEM-SP) e Sâmia Bonfim (PSOL-SP), Joice Hasselman (PSL-SP) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), dentre outros nomes.

Como esclarece Otávio Dias, editor de conteúdo da Fundação, o objetivo do projeto é “mostrar na prática que é possível ter um diálogo construtivo”. Os temas escolhidos são os que hoje dividem o País: reforma do estado, privatização, saúde, educação, governo Bolsonaro, relação do governo com o Congresso.

Cada debate dura cerca de 1h30 e não há a figura de um mediador. Dias esclarece que uma das principais preocupações do projeto é ser fiel ao que cada parte disse e dar o mesmo tempo e espaço para cada um. “É sempre uma conversa olho no olho, direta e clara”, afirma.

Dias avalia que o projeto alcançou seu objetivo. “Tivemos um sucesso grande, milhões de visualizações e o retorno tem sido muito legal, principalmente com os participantes, que sempre saem com a sensação de que valeu a pena ‘furar a bolha’”, comenta.

Eleições municipais: locais com conjunturas diferentes

Para o deputado estadual Tercílio Turini (Cidadania), as eleições municipais possuem conjunturas distintas nos mais de 5 mil municípios do Brasil. “Em algumas cidades, a esquerda e a direita andam juntas”, acrescenta.

O professor da UEL Clodomiro Bannwart Júnior afirma que “as eleições municipais estão mais próximas dos problemas da sociedade, do dia-a-dia do cidadão”. Ou seja, problemas mais imediatos, como filas nos postos de saúde, faltas de vagas nas escolas, transporte público ganham um enfoque maior e podem diminuir a importância dada à polarização ideológica.

Contudo, Turini aponta que nas cidades maiores a realidade é outra: “a tendência é ter uma radicalização maior e disputas muito mais acirradas, como é o caso de Curitiba, onde o cenário está caminhando para uma polarização grande entre alguns candidatos”.

Na avaliação do deputado estadual Sargento Fahur (PSD), a disputa municipal vai ser polarizada, mas não como 2018. “Vai ser menos intenso que uma disputa nacional, mas vai ter uma guerrinha de direita e de esquerda. Acho que 2022 promete muito mais”, projeta.

Para votar com consciência, é necessário que o eleitor tenha acesso às informações qualificadas. Para isso, contudo, é preciso estar aberto para ouvir todos os lados de maneira plural e democrática. “A política se forma na tensão, mas sobrevive de consensos precários. A política se move num jogo de argumentação, de avanços e recuos”, analisa Bannwart.