Nos esportes, de tempos em tempos, as regras mudam. É uma espécie de evolução própria. No futebol, recentemente foi instituído o VAR, um auxílio luxuoso de uma equipe de arbitragem que julga a jogada a partir de um vídeo tape. No vôlei, a vantagem deixou de existir faz tempo, entre tantas alterações que procuram garantir o dinamismo e uma maior regularidade às atividades. Na política, as regras também mudam. Nem sempre com os mesmos objetivos. Sempre nos anos ímpares – quando não há eleições –, o legislativo nacional se reúne para avaliar como serão as instruções do próximo pleito. Na última quarta-feira (7), a Câmara dos Deputados instituiu uma comissão especial com o objetivo de debater uma reforma eleitoral. O grupo, que ainda precisa passar pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) para ser instalado, deve discutir uma série de possíveis mudanças, entre elas o modelo do distritão, revisão na cláusula de barreira e até a impressão do voto. Alguns temas envolvem a alteração na Constituição, ou seja, são mais difíceis de serem aprovados.

Imagem ilustrativa da imagem Deputados começam a alinhavar mudanças para as próximas eleições
| Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Não há exatamente uma pauta definida. O grupo pode apontar as mais diferentes propostas. Algumas já experimentadas e negadas anteriormente e, como em qualquer matéria, precisa de consenso e acordos para que sejam validadas. O chamado distritão é o assunto mais latente. Atualmente, o regime para a eleição das câmaras municipais, estaduais e federal é proporcional. Os votos recebidos pelos candidatos valem para o partido, que chega a um coeficiente que define quantos parlamentares a legenda terá direito. Com isso, nem sempre os mais votados assumem uma cadeira. Com a proposta do distritão, seriam eleitos os mais votados, como nas eleições para o executivo. A proposta não agrada a todo mundo. “O modelo é a antítese da democracia e dos partidos políticos. Partidos têm programas e ideias e é a partir deles que temos que acompanhar os candidatos em que votamos. Com a mudança, o eleito não é obrigado a ter o menor compromisso com as teses da legenda. Não é por aí que deve caminhar”, opina o deputado federal paranaense Rubens Bueno, vice-presidente do Cidadania.

Entre as lideranças partidárias, o tema ainda é debatido muito superficialmente. Por duas vezes, o modelo já foi apreciado pela Câmara: em 2015 e 2017. Em ambas as ocasiões, negado. Para a mudança ocorrer, é preciso fazer uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que exige aprovação por três quintos dos parlamentares, em duas votações, tanto na Câmara como no Senado. Nos bastidores, há um apanhado de opiniões. Deputada por São Paulo e presidente do Podemos, Renata Abreu deve ser a relatora dos trabalhos. Ela não está comentando o tema ainda, mas fontes ligadas à parlamentar apontam que está aberta a ouvir diversas propostas, apesar de não ser defensora do distritão. O líder do Democratas na Câmara, Efraim Filho (PB), é defensor do modelo. “Temos um sistema eleitoral sem coligações, isso traz preocupações dos estados de menor porte. Há dificuldade da formação de chapa para atingir o coeficiente eleitoral. Por isso, essa discussão do modelo do voto majoritário elege os mais votados. Ele é simples ao olhar do cidadão e garante a representatividade com as cadeiras”, diz o parlamentar à FOLHA. Ele mesmo reconhece que não há maioria sólida e que há dois meses para avançar em discussões.

AMPLITUDE

Toda a preocupação passa pela regra da cláusula de barreira que impõe uma série de regras para os partidos. Atualmente, há uma regra de transição que irá durar até 2030. Durante esse período, as legendas terão que conseguir formar chapas próprias sem coligação nas eleições proporcionais para manterem sua relevância e, consequentemente, direito a verbas do fundo eleitoral e tempo de campanha gratuita na TV. Ou seja, só irão se manter os partidos que tiverem realmente relevância. A questão guarda certa ambiguidade, como aponta o cientista político Elve Cenci, professor da UEL. “A distribuição do fundo de campanha tem regra ditada a partir do tamanho dos partidos. Isso favorece quem tem mandato. Essa é uma condição de desigualdade e ajuda a perpetuação de quem está no parlamento”, lembra. No entanto, sem a cláusula de barreira, surgem os chamados partidos de aluguel. “Sem a exigência das regras, os políticos perceberam que poderiam negociar individualmente, criando os próprios partidos. O centrão é um fruto dessa prática. Ter critérios obriga que partidos sejam consistentes, o que é positivo. Porém, pune os partidos pequenos, saudáveis ao debate público”, pondera.

Desta reforma eleitoral que começa a surgir no horizonte, ainda há pouco do que se possa prever. Os objetivos são distintos para os diferentes grupos políticos. O que já é sabido sobre os trabalhos da comissão diz respeito à discussão em torno da realização de eleições em data próxima de feriados. O tema foi apresentado em 2011, aprovado pela CCJ em agosto de 2015, quando foi relatado na Câmara, pelo hoje presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Há duas semanas, houve o pedido do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) para desarquivar a PEC para que não precise passar novamente pela CCJ. Tanto o distritão como a cláusula de barreira entram na pauta de forma colateral. Já existe na Câmara um grupo que debate alterações na legislação eleitoral, mas sem que seja necessário alterar a Constituição. A ideia é criar um Código de Processo Eleitoral para evitar que a Justiça Eleitoral crie regras. Tudo está em jogo.

MODELO

Há diferentes caminhos para que as alterações sejam feitas, com quóruns diferentes para a aprovação. Há a possibilidade de projetos de lei complementares e ordinárias além das emendas constitucionais. Tudo depende de qual mudança é proposta. O cerne da questão é que qualquer regra para ser válida para 2022 tem de ser aprovada até outubro, um ano antes das eleições. “O distritão é um sistema muito ruim para o Legislativo. Eles deveriam pensar no distrital misto. Neste caso, haveria uma metade eleita pelo distrito – com o estado ou município dividido em regiões – e a outra eleita pelo voto proporcional. Esta é uma forma de garantir a aproximação dos parlamentares com a base eleitoral”, opina Alexandre Mellati, professor de Direito e Coordenador da Comissão de Direito Eleitoral da OAB Londrina. O modelo misto é conhecido por ser adotado nas eleições na Alemanha. Ele é defendido por parte da classe política. Há, inclusive, o projeto de lei 9.212/2017 do senador José Serra (PSDB-SP), aprovado pelo Senado em novembro de 2018, que está em análise na Câmara. Há muitas cartas na mesa, só não é possível conhecer qual será a próxima jogada.