Brasília - Às vésperas de a Lava Jato completar dez anos, os principais delegados da Polícia Federal que atuaram na operação estão fora de cargos de destaque e um deles deixou o órgão para ingressar na iniciativa privada.

Nomes como Maurício Valeixo, Igor Romário de Paula, Marcio Anselmo e Érika Marena chegaram a ocupar importantes postos na cúpula da PF, sobretudo quando o ex-juiz Sergio Moro era ministro da Justiça e Segurança Pública no governo Jair Bolsonaro (PL).

A situação se modificou a partir da saída de Moro do governo, em abril de 2020. Nesse período, a Lava Jato já vinha sendo desmontada pela gestão Bolsonaro, sobretudo a partir da indicação de Augusto Aras para o comando da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Em 2022, Lula (PT) foi eleito presidente da República com um discurso crítico à Lava Jato.

O petista, que ficou preso durante 580 dias por uma condenação posteriormente anulada, faz recorrentes ataques à operação e tem o apoio de congressistas e de membros do Judiciário na revisão de ações oriundas das investigações.

Ex-diretor-geral da corporação e considerado o braço direito de Moro no Ministério da Justiça, o delegado Maurício Valeixo estudava em Washington (EUA) desde 2022 com previsão de ficar até julho de 2024, mas teve o seu retorno ao Brasil antecipado.

Valeixo foi para os Estados Unidos como aluno do Colégio Interamericano de Defesa, onde passaria dois anos. Em abril do ano passado, o atual diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, assinou um despacho que mudava "o fim da missão" de Valeixo para julho de 2023.

Atualmente, Valeixo está lotado em Curitiba e atua em sindicâncias e processos disciplinares.

Além de ter trabalhado na Lava Jato, Valeixo era o superintendente da PF no Paraná em abril de 2018, quando Lula foi preso, e coordenou os trâmites para que o petista ficasse detido no local.

Os delegados da Lava Jato perderam espaço na Polícia Federal com a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça no governo Bolsonaro
Os delegados da Lava Jato perderam espaço na Polícia Federal com a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça no governo Bolsonaro | Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

LISTA

Maurício Moscardi Grillo, um dos delegados que atuou nas investigações da Lava Jato e também na Operação Carne Fraca, que apurava suspeitas de um esquema de venda ilegal de carnes por frigoríficos no Brasil, pediu para deixar a corporação.

O ex-delegado disse à reportagem que um dos motivos para a mudança foi uma "perspectiva de futuro que não dependesse de governos".

Sua exoneração saiu em janeiro e ele passou a trabalhar em um escritório de advocacia em Curitiba, na área de compliance e inteligência empresarial. Eventualmente, atuará em processos de leniência e delação premiada.

Moscardi afirma que aceitou o convite da iniciativa privada para lidar com um tema com que tem intimidade, cujo objetivo é de "atuação preventiva para garantir a conformidade das empresas com as leis e regulamentações internas e externas".

Outro nome conhecido da Lava Jato é o da delegada Érika Marena, que chegou a ser interpretada pela atriz Flávia Alessandra no filme "Polícia Federal: A Lei É para Todos". Hoje, a delegada atua na DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes) do Paraná.

Em 2017, ela se tornou a chefe de combate à corrupção e desvios de verbas públicas em Santa Catarina, quando atuou no início da Operação Ouvidos Moucos.

A operação acabou virando um dos principais motivos de críticas a investigações com métodos parecidos aos da Lava Jato por causa do suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier, que tinha sido afastado da direção da Universidade Federal de Santa Catarina.

Cancellier havia sido preso por supostamente tentar atrapalhar investigação da corregedoria da universidade - o que ele sempre negou -, mas não era suspeito de corrupção. O processo da Ouvidos Moucos, porém, continua, e em 2020 a Justiça tornou rés 13 pessoas.

Quando Moro foi alçado ao Ministério da Justiça, Érika Marena chefiou o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional.

No ano passado, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, pediu à PF uma apuração administrativa sobre "possíveis abusos e irregularidades na conduta de agentes públicos federais" na Ouvidos Moucos, uma solicitação direcionada a abrir apuração sobre a delegada.

A PF chegou a investigar administrativamente "possível ocorrência, quando da Operação Ouvidos Moucos, de excessos, desvio de finalidade, arbitrariedades ou inobservância de requisitos indispensáveis à adequada e justa condução das investigações policiais".

Essa apuração, no entanto, acabou arquivada, segundo pessoas com conhecimento do caso. Antes disso, outra investigação contra a delegada também foi suspensa.

Outros dois delegados que atuaram na Lava Jato e em investigações relacionadas estão, atualmente, em delegacias de repressão a crimes fazendários - como sonegação fiscal.

Um deles é Igor Romário de Paula, um dos símbolos da Lava Jato e o delegado que coordenou a maioria das fases do período de auge da operação. Hoje, ele está no Paraná.

Também na fase Moro, Igor Romário se tornou diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF. Deixou o posto em 2021, em meio a uma reestruturação do órgão.

O segundo é Marcio Anselmo, que participou de investigações sobre escândalos de corrupção desde o caso Banestado, um embrião da Lava Jato, e, entre 2018 e 2020, foi coordenador-geral de Repressão à Corrupção e Lavagem de Dinheiro. Anselmo atualmente trabalha no Distrito Federal.

A Operação Lava Jato teve a sua primeira fase deflagrada em 17 de março de 2014, com 28 mandados de prisão expedidos, incluindo contra o doleiro Alberto Youssef. As forças-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba, no Rio e em São Paulo foram extintas em 2021, na gestão Aras.