Imagem ilustrativa da imagem Decreto que autoriza poda de restinga no litoral é alvo de polêmica
| Foto: IAP/ANPR

Curitiba - Um decreto do governador Ratinho Júnior (PSD) que declara de utilidade pública áreas urbanas na orla marítima do litoral do Paraná voltou a gerar polêmica na última semana, com a retomada dos trabalhos na AL (Assembleia Legislativa). Isso porque a concessão do título acaba autorizando a intervenção, por parte dos municípios, na vegetação de restinga, sem necessidade de aval de organismos ambientais, como o Ibama e o IAP (Instituto Ambiental do Paraná).

A questão levou pesquisadores da UFPR (Universidade Federal do Paraná) a lançarem uma nota técnica, questionando as justificativas do Executivo, e motivou pronunciamentos de parlamentares, como Goura (PDT), para quem os cortes em Matinhos e Guaratuba são ilegais.

A promotora de Justiça Priscila da Mata Cavalcante, do Gaema (Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo), braço do MP (Ministério Público), também encaminhou ofícios às Polícias Federal, Militar e Ambiental e ao Ibama, com a finalidade de apurar "possíveis crimes ambientais".

No próprio documento, a administração estadual argumenta que os arbustos atingiram alturas que favorecem a proliferação de vetores danosos à saúde humana. Cita ainda crimes como assaltos, estupros e uso de drogas, "em função do favorecimento da alta vegetação". O caráter de urgência, segundo o governo, seria suficiente para dispensar a autorização de órgão ambiental.

O Executivo exige apenas que o manejo a ser realizado pelo meio de poda fique limitado a 0,40 m de altura

do remanescente. A declaração de utilidade pública não abrange as demais áreas de restinga.

A FOLHA ouviu o secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Marcio Nunes, que defende a necessidade do decreto. "Autorizamos uma poda entre a quebração das ondas e a calçada, a famosa praia. Não estamos falando do coração da Mata Atlântica. Estamos falando da praia. Esse decreto é autorizatório", pondera.

"O governador, entendendo que está havendo gente morando ali dentro, fazendo xixi e cocô, e que tem mosquito transmitindo febre amarela, zika e chikungunya, em função do lixo que as pessoas jogam, tomou essa atitude", prossegue. O secretário reforça que a segurança e a saúde pública estão em primeiro lugar.

"A população que lá mora ou veraneia é 99% a favor. Na nossa visão, o governador do Estado é o único que pode intervir. A questão social está acima. Uma vida humana vale mais que qualquer coisa. Muita gente usa ali como 'mocó' para traficar droga, não é só consumo, tem sujeira, garrafa, lata e até fogão velho. O governo só faz algo assim quando tem segurança técnica e jurídica", completa Nunes.

Para Goura, porém, o governo está se dirigindo com voracidade "na destruição do meio ambiente, sem respeitar a legislação, sem ouvir os pesquisadores, sem ouvir a ciência, sem ouvir a academia, e isso não é apenas em relação à restinga". "É em relação à faixa de infraestrutura em Pontal do Paraná, em relação à reabertura da Estrada do Colono, em relação à permissividade com agrotóxicos, em relação à tentativa de fragilizar a mata das Araucárias no sul do Paraná. Ou seja, é um combo de destruição completamente alinhado com o governo federal".

Conforme o pedetista, o secretário incorre numa "profunda ignorância" quando afirma que a restinga não é área de preservação. "O decreto do governo é ilegal. Trata-se de área da União. São argumentos completamente errados, como uma suposta epidemia de doenças por causa da restinga ou mesmo uma questão de segurança pública. Mas a secretaria não apresentou nem um estudo", acrescenta.

UFPR vê risco a patrimônio cultural e natural do Paraná

Na nota técnica da UFPR, 28 professores doutores atestam que as motivações "apresentadas pelo governo são tecnicamente inconsistentes, sem nenhum respaldo estatístico e não se justificam". De acordo com eles, a autorização coloca em risco um patrimônio cultural e natural dos paranaenses. "Espera-se que a verdade científica, o respeito ao meio ambiente e às futuras gerações sejam a base para uma gestão pública consciente e de um turismo sustentável e responsável no litoral do Estado", escrevem os pesquisadores. Já em "aparte" durante pronunciamento de Goura, o deputado Nelson Justus (DEM) falou que "quem exagera perde a razão". "O MP e essas entidades que acham que sabem tudo e pouco sabem exageram. Temos que diferenciar o que é restinga do que é mato. Mato eu corto mesmo. Restinga eu preservo. Mato são verdadeiros depósitos de lixo, garrafas de cerveja e animais. Você não tem ideia de como é desagradável estar na sua casa e ver um desfile de gambás urinando por tudo", opina.