BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Ao determinar medidas contra políticos, empresários e ativistas bolsonaristas nesta quarta (27), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes citou a suspeita de participação do chamado gabinete do ódio —grupo de servidores lotados na Presidência da República— num esquema para disseminar notícias falsas e ofensas contra autoridades e instituições, entre elas a própria corte.

Na decisão em que autoriza a Polícia Federal a cumprir mandados de busca e apreensão contra os alvos do chamado inquérito das fake news, ele diz, com base nos relatos de congressistas, que os investigados teriam ligações com o gabinete.

“As provas colhidas e os laudos periciais apresentados nestes autos apontam para a real possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos depoimentos dos parlamentares como `Gabinete do Ódio’, dedicada a disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às instituições, dentre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”, escreveu o ministro.

Ele citou os depoimentos dos deputados federais Joice Hasselmann (PSL-SP), Alexandre Frota (PSL-SP) e Heitor Freire (PSL-CE), que descreveram um suposto esquema coordenado pelo Palácio do Planalto para propagar pautas inconstitucionais e campanhas de difamação contra adversários políticos.

Ele citou os depoimentos de deputados federais que descreveram um suposto esquema coordenado pelo Palácio do Planalto para propagar pautas antidemocráticas e campanhas de difamação contra adversários políticos.

Um dos relatos transcritos na decisão é o de Freire, que menciona diretamente assessores do chamado bunker digital da Presidência, tutelado e idealizado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

“É do conhecimento do depoente que Matheus Sales, Mateus Matos Diniz e Tercio Arnaud Tomaz, todos assessores especiais da Presidência da República, são os integrantes principais do chamado ‘Gabinete do Ódio’, que se especializou em produzir e distribuir fake news contra diversas autoridades, personalidades e até integrantes do Supremo Tribunal Federal”, disse o congressista.

“Esse gabinete coordena nacional e regionalmente a propagação dessas mensagens falsas ou agressivas, contando para isso com a atuação interligada de uma grande quantidade de páginas nas redes sociais, que replicam quase instantaneamente as mensagens de interesse do gabinete. Essa organização conta com vários colaboradores nos diferentes estados, a grande maioria sendo assessores de parlamentares federais e estaduais”, continuou.

O jornal Folha de S.Paulo mostrou no dia 25 de abril que as investigações identificaram indícios de envolvimento de Carlos no esquema de notícias falsas.O inquérito busca elementos que comprove sua ligação e sustente seu possível indiciamento dele ao fim das apurações. Outro filho de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL de SP, também é suspeito.

Em sua decisão, Moraes diz que perícias técnicas, depoimentos e outras provas colhidas na investigação, iniciada em 2019, apontam para a existência de uma ação coordenada entre os diversos investigados na propagação de mensagens contra adversários. Ataques a órgãos e instituições ocorreriam de forma simultânea, inclusive com o apoio de robôs.

Como indícios, ele cita, por exemplo, o fato de que quase todos estão conectados entre si nas redes e publicam ataques ao Supremo em datas semelhantes.Moraes afirma, baseado em perícias, que a estrutura de difamação está “aparentemente” sendo financiada por empresários, “conforme indícios constantes dos autos".Trata-se de Luciano Hang, dono da Havan, Edgard Corona, proprietário da rede de academias Smart Fit, do humorista Reynaldo Bianchi Junior e do militante Winston Rodrigues Lima. Os quatro tiveram os sigilos bancário e fiscal quebrados.

A decisão se refere a dados financeiros do período entre julho de 2018 e abril de 2020, o que compreende a última campanha eleitoral para a Presidência. Reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que, durante a campanha presidencial, empresários pagaram pelo impulsionamento de mensagens de Whatsapp contra o PT de Fernando Haddad, principal adversário de Bolsonaro na disputa.“Também há informações de que os empresários aqui investigados integrariam um grupo autodenominado de `Brasil 200 Empresarial`, em que os participantes colaboram entre si para impulsionar vídeos e materiais contendo ofensas e notícias falsas com o objetivo de desestabilizar as instituições democráticas e a independência dos poderes”, justificou o ministro.

A título de exemplo, ele citou mensagem de Corona ao grupo 200 Empresarial no Whatsapp. “Vamos impulsionar estes vídeos. Precisamos de dinheiro para incestir [sic] em mkt [marketing]”, escreveu.As ações de busca e apreensão foram nos endereços de 16 pessoas, entre assessores parlamentares e influenciadores digitais. O ministro determinou o bloqueio de contas em redes sociais, tais como Facebook, Twitter e Instagram, de todos eles, “necessário para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”.

“Como se vê de tudo até então apresentado, recaem sobre os indivíduos aqui identificados sérias suspeitas de que integrariam esse complexo esquema de disseminação de notícias falsas por intermédio de publicações em redes sociais, atingindo um público diário de milhões de pessoas, expondo a perigo de lesão, com suas notícias ofensivas e fraudulentas, a independência dos poderes e o Estado de Direito”, diz a decisão.

“Relatório técnico pericial encartado nestes autos, constatou a existência de um mecanismo coordenado de criação e divulgação das referidas mensagens entre os investigados.” Moraes também solicitou ao Twitter o fornecimento da identidade de usuários de três contas ligadas à rede bolsonarista: @bolsoneas, @patriotas e@taoquei1. Os nomes devem ser enviados em até cinco dias. Ao justificar as medidas contra os investigados, ele disse que que direitos individuais "não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos".

O ministro pediu manifestação a respeito ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que discordou do cumprimento dos mandados. Ele foi favorável apenas à coleta dos depoimentos dos investigados e às requisições a serem feitas a empresas de armazenamento e custódia dos dados alusivos às postagens dos “usuários e acesso aos dados cadastrais dos perfis @bolsoneas, @patriotas e @taoquei1”.Oito deputados bolsonaristas, entre eles Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP), suspeitos de participação no esquerda investigado, serão intimados a depor.